No maior país católico do mundo (mais de 70% dos brasileiros) e no qual a população evangélica já ultrapassa 40 milhões de fiéis, o mercado religioso cresce em meio à crise econômica mundial. Além dos livros - cujo segmento da religiosidade foi o que mais evoluiu em 2008, com 50 millhões de exemplares e receita de R$ 321 milhões, segundo a Câmara Brasileira do Livro -, os artigos que, de alguma forma, expressam a fé têm boa aceitação dos consumidores cristãos.
Muitas empresas estão descobrindo agora a força desse mercado, que ao contrário de outros segmentos pode ter a crise como aliada. ''Nossas vendas já vinham num crescente e continuamos muito bem apesar da crise. É que as pessoas se apegam à fé nas situações difíceis'', constata Ranulfo Goulart de Andrade Júnior, sócio-proprietário da Divina Providência, de Rolândia, que produz artigos religiosos e vende cerca de 150 mil peças/mês para todo o Brasil.
A trajetória do negócio é também uma história de fé. Ranulfo deixou uma carreira de 15 anos na Polícia Militar para fazer decolar a empresa junto com a esposa Maraci Fernandes Pires Gregório e os filhos Rafael e Yan. Católicos, eles começaram consertando terços em 1997. Alguns anos depois já arriscavam fazer os próprios terços para vender entre a comunidade católica. ''Numa experiência de oração chegávamos a tirar o valor do meu salário (na PM) em apenas um final de semana'', conta Ranulfo.
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Em 2004, porém, a família participou de uma grande feira católica em São Paulo e descobriu que os produtos que faziam nas horas vagas agregavam um mercado muito maior. ''Vimos que tínhamos uma identidade. A gente sempre pediu tanto a Deus e aconteceu'', lembra Maraci, que acabava de ser demitida da empresa onde trabalhava como arquivista e viu aí a oportunidade para se dedicar ao próprio negócio. Ranulfo ainda tentou conciliar o emprego na PM, mas logo desistiu.
Foi o suficiente para a empresa deslanchar. Hoje, além da família, são nove funcionários, nove vendedores espalhados pelo Brasil e mais 40 empregos indiretos em Rolândia. Eles têm 850 clientes ativos no país - com maior concentração em São Paulo e Minas Gerais. Depois dos terços vieram dezenas de produtos. As imagens mais presentes nos artigos são Sagrada Família e Nossa Senhora Aparecida.
A empresa ainda funciona em casa, mas a família já protocolou na Prefeitura de Rolândia um pedido de doação de terreno para construir 1,5 mil metros quadrados e contratar mais funcionários. Entre os planos da Divina Providência estão as vendas pela internet e a exportação.
Santos em alta
A designer Ellen van den Berg, proprietária da Medalhas e Arte, em Londrina, está levando suas bijuterias com imagens de santos para São Paulo, Belo Horizonte, Brasília e até para a França. Ela cria e desenvolve chaveiros, medalhas, colares e pulseiras com banho de prata, banho dourado e banho de ródium. As peças também misturam cristais swarovski. O trabalho é artesanal e conta com a ajuda de apenas três funcionárias. Elas atuam no ateliê e na loja em Londrina. A média é de 500 peças por mês.
O negócio nasceu há oito anos e deslanchou de forma inusitada. A primeira peça foi feita para presentear. ''Minha amiga foi para São Paulo e um lojista viu o chaveiro na bolsa dela e me ligou pedindo encomenda'', conta Ellen, que fez cursos na área de design e sempre viaja para se atualizar. Na capital paulista, as bijuterias estão em lojas de quatro shoppings de classe alta.
O diferencial dos produtos é a qualidade. ''As pessoas comentam que a nitidez das imagens é muito boa. Também tomo muito cuidado com a harmonia das tonalidades dos santos'', destaca Ellen. No Brasil, os mais populares entre os clientes da designer são Nossa Senhora das Graças, Sagrado Coração de Jesus e Sagrado Coração de Maria. Entre os franceses, a campeã é Nossa Senhora de Lourdes. ''Comecei meu trabalho já com foco nos santos. Tenho muita fé neles. No início não era moda (incluir imagens nas bijuterias) e hoje é. Sinto que a fé das pessoas vem aumentando, elas se apegam às imagens'', conta.
Evangelização e comércio
Filipe Fraga: ‘A crise chega, mas não nos atinge. Somos totalmente sustentados por Deus’
Sem a adoração de santos, os evangélicos buscam na Bíblia a inspiração para os produtos voltados aos fiéis. Além do mercado forte de livros e CDs, as camisetas e bijuterias engrossam a lista deste segmento. Nas estampas, versículos bíblicos, os Dez Mandamentos ou apenas palavras significativas. Os artigos, na maioria das vezes, são vendidos em livrarias do gênero.
''A crise chega, mas não nos atinge. Estamos aqui há oito anos totalmente sustentados por Deus'', afirma Filipe Rodrigues Fraga, integrante da igreja evangélica Embaixada de Cristo, que congrega um movimento espiritual que também comercializa uma série de produtos, na Livraria Betel, em Londrina. ''São artigos voltados para os cristãos. Mas tem muita gente que não faz parte de nenhuma igreja e quando entra aqui acaba se identificando'', completa.
As camisetas levam a inscrição O.R.E. (Operação Resgate Espiritual), que nasceu há mais de um ano como um ministério de evangelização dentro da igreja e virou uma grife. O público alvo são os jovens. ''Antes, as camisetas vinham de fora e agora passamos a produzir. Nossa intenção é produzir também meias, bonés e demais acessórios'', diz Fraga.
Quando questionado sobre o potencial do negócio, ele prefere falar do ponto de vista espiritual. ''O nosso objetivo é o evangelismo, mas isso (a comercialização dos produtos) é também um meio de Deus nos abençoar com a prosperidade'', acredita.