Há pelo menos três formas de sonegar impostos no setor de combustível, especialmente, na compra e venda de álcool, relataram ao Bonde dois sócios de uma distribuidora em Londrina, cujos nomes não serão revelados a pedido dos entrevistados. "Só vendemos gasolina e óleo diesel, porque o comércio de álcool é impraticável em Londrina", disse um dos empresários.
Uma das formas de sonegação é a adição de água ao álcool anidro – produto não tributado, pois é destinado exclusivamente para ser adicionado à gasolina – e sua posterior venda como álcool hidratado, aquele para ser usado nos carros a álcool. Neste caso, há sonegação e adulteração. Em seguida, há distribuidores que conseguem colocar o álcool da usina diretamente nos postos, deixando de recolher pelo menos 6% do ICMS. A terceira forma é quando as usinas entram no conluio e vendem o álcool sem nota fiscal.
A sonegação é responsável pelo mercado "extremamente complicado" em Londrina, segundo admite o próprio presidente do Sindicato dos Revendedores do Paraná (Sindicombustíveis), Roberto Fregonese. Há quase uma década, órgãos de defesa do consumidor se debatem para tentar regularizar o setor; empresários respondem ações criminais por crimes contra a ordem econômica, como a prática de cartel; alguns já foram presos.
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Na semana passada, revendedores disseram ao Bonde que existe dumping no mercado, uma forma criminosa de nivelar os preços abaixo do custo e aniquilar a concorrência. Os próprios empresários admitiram ter baixado o álcool para R$ 0,99 porque foram subsidiados por distribuidoras. O preço voltou a subir nesta quarta-feira (1), em média, 40%. A gasolina subiu cerca de 10%.
Os distribuidores que estiveram esta semana no Bonde disseram que o problema dos preços do combustível começa nas próprias distribuidoras. Algumas não têm base, ou seja, operam a partir de pequenos escritórios "apenas vendendo nota fiscal", como é o caso da segunda modalidade de sonegação.
"A (ANP) Agência Nacional do Petróleo exige que toda distribuidora tenha um local onde o combustível que vem da usina, no caso do álcool, seja depositado, contabilizado e vistoriado. Essas distribuidoras sem base não têm nada disso", afirmou um distribuidor. De acordo com o empresário, a ‘distribuidora’ vai à usina, carrega o caminhão e faz a distribuição diretamente nos postos. "Às vezes, uma nota fiscal é usada para várias vendas: pagam o imposto apenas uma vez".
Problemas operacionais
Recentemente, a Receita Estadual deixou de exigir o lacre nas bombas de combustível, o que permite que o dono do posto adultere a quantidade vendida, pagando menos impostos. O mesmo órgão também acabou com os postos fiscais, que deveriam abordar caminhões carregados de álcool para verificar se o imposto foi pago na usina. "Isso permite que as usinas vendam o combustível sonegando os impostos".
Este, aliás, é outro problema apontado pelos empresários: a forma de cobrança do imposto. No caso da gasolina e do óleo diesel, a Petrobras recolhe todos os tributos incidentes. Na venda de álcool é diferente e o recolhimento passa por duas fases. A usina deve recolher 12% e a distribuidora, 6%, além da substituição tributária. "Mas as distribuidoras "clandestinas" conseguem sonegar os 6% e vender o combustível mais barato para o posto; óbvio que o dono do posto sabe disso, porque quando consegue preço mais baixo é porque comprou o produto sem nota", relatou um dos empresários.
Para eles, o ideal seria que a usina fosse responsável por recolher todos os impostos. "Então, quando as distribuidoras fossem comprar, o preço seria o mesmo para todos. E seria muito mais fácil fiscalizar as pouco mais de 20 usinas do Paraná do que todas as distribuidoras e postos", explicou o outro distribuidor. "O que queremos é competir em igualdade de condições e poder vender álcool; não queremos virar bandidos sonegadores de impostos", acrescentou o outro.
Finais de semana
Os dois distribuidores disseram que nos finais de semana reina a sonegação fiscal e a adulteração de combustíveis em Londrina. "É quando a fiscalização é ainda mais escassa", explicou. "São muitos caminhões de combustível sem nota fiscal estacionados em Londrina esperando a melhor hora para descarregar".
Nestes dias, alguns donos de postos também aproveitariam para acrescentar álcool em excesso na gasolina – hoje o percentual permitido é de 25% – e água no álcool anidro, aquele que não é tributado porque é o adicionado à gasolina. "Então vendem este álcool sem imposto com adição de água como se fosse álcool hidratado". Análises da Universidade Federal do Paraná, segundo o Sindicombustíveis, apontaram presença de flúor e cloro na gasolina.
Segundo eles, as grandes distribuidoras efetivamente abaixam os preços para concorrer em Londrina, conforme afirmaram revendedores ouvidos pelo Bonde na semana passada. "O mercado aqui é uma selvageria".
40% sonegam impostos
O presidente do Sindicombusíveis, Roberto Fregonese, confirmou a sonegação fiscal em Londrina e estimou em 40% o índice de sonegação na compra de álcool. "Eu diria que o Paraná é o mercado que mais sonega impostos no setor de combustíveis", declarou. "Eu venho denunciando este esquema de sonegação há tempos".
Fregonese lamentou o final das barreiras fiscalizatórias e a extinção dos lacres encerrantes das bombas. Para ele, uma forma de amenizar a sonegação seria concentrar o recolhimento de impostos nas usinas. "São 28 usinas no Paraná; é muito mais fácil fiscalizá-las do que todas as distribuidoras e postos".
O sindicalista também confirmou a existência das distribuidoras "sem base" e afirmou que elas chegam ao mercado com "o intuito único de sonegar". "E conseguem, porque a fiscalização é frouxa".
Fregonese criticou ainda o mercado de Londrina e os órgãos de fiscalização e de defesa do consumidor. "A única preocupação é que o preço abaixe; às vezes, eles conseguem e o preço abaixa, mas sem curar as causas do problema: a qualidade do produto também cai e a sonegação aumenta", criticou. "Os resultados são pífios".
Receita Estadual
Por email, o inspetor Geral de Fiscalização da Receita Estadual do Paraná, Rafael Carlos Casanova Neto, respondeu aos principais apontamentos dos distribuidores e revendedores de combustível. Segundo ele, embora o setor responda por 20% da arrecadação de ICMS no estado, não é possível dizer que seja o que mais sonegue. "O valor absoluto sonegado é muito grande, mas em termos relativos (porcentuais) não há significativa diferença em relação aos demais ramos", afirmou.
O inspetor disse que a sonegação é generalizada em todos os setores porque "muitos empresários brasileiros possuem uma cultura de sonegação fiscal muito arraigada". "Mas, pela importância do setor de combustíveis na arrecadação do Estado, as ações da Receita Estadual são contínuas".
Postos fiscais
Casanova explicou, no email, que o fechamento dos postos fiscais de deu há dois meses em razão de um estudo técnico que "comprovou que aquela forma de fiscalização não era eficiente para coibir a sonegação fiscal, ao menos não em níveis de eficiência aceitáveis". Casanova descartou qualquer possibilidade de reativá-los, uma vez que esta seria uma tendência dos órgãos fazendários: São Paulo e Espírito Santo já teriam acabado com esta modalidade de fiscalização. Segundo ele, há outras metodologias em estudo, como "fiscalizações em rodovias com unidades móveis".
Lacres nas bombas
Sobre o fim dos lacres nas bombas, o inspetor disse que isso não representou aumento da sonegação fiscal. "Temos monitorado a arrecadação e não detectamos nenhuma alteração significativa no recolhimento do ICMS", anotou. "Há muitas distribuidoras sérias; no entanto, é sabido que há distribuidoras desonestas, que se utilizam de práticas sonegatórias para competirem de modo desleal no mercado. Mas estas vem sendo acompanhadas de perto pelo fisco, que sempre que detecta irregularidades, expede auto de infração".
Segundo ele, os lacres deixaram de ser impeditivos à sonegação fiscal. "Passados mais de cinco anos do início daquela prática, verificamos que os sonegadores se adaptaram, criando novos métodos, o que tornou pouco eficiente a lacração. Não há previsão de retornar às lacrações".
Mudança na tributação
Quanto à concentração do recolhimento nas usinas, o inspetor da Receita Estadual também descartou esta possibilidade, afirmando que a medida não resolveria o problema porque há muitas usinas inadimplentes. "Além disso, se alguma distribuidora vende álcool sem nota fiscal é porque a aquisição também se deu sem nota fiscal. Caso contrário, a distribuidora é autuada para se exigir o imposto sonegado. A prática sugerida não traria nenhum reflexo expressivo na arrecadação do setor".