Via de regra, o empregador possui ampla liberdade e autonomia para gerir seu negócio, segundo seus próprios critérios de auto-organização, desde que não ultrapasse os limites do seu poder diretivo e não haja ilegalidade. Entretanto, existem casos em que ocorre abuso de poder e a prática de atos ilícitos por parte do empregador, em clara ofensa à honra, à imagem e à dignidade dos empregados. Frequentemente, a Justiça do Trabalho mineira é chamada a se pronunciar em ações que denunciam esse tipo de situação.
A conduta patronal ilícita, se comprovada, pode ser considerada violação aos direitos da personalidade previstos nos artigos 11 a 21 do Código Civil. Esses direitos são atribuídos aos cidadãos de uma maneira geral, mas costumam ser sonegados quando o empregado atravessa as portas do local de trabalho. Essa realidade precisa ser modificada, tendo em vista que os direitos da personalidade acompanham o trabalhador e preexistem ao estabelecimento do vínculo de emprego. Portanto, ser trabalhador não significa perder a cidadania. Esse foi o entendimento expresso na sentença do juiz Marcelo Furtado Vidal, titular da 16ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte.
O juiz identificou um caso de violação aos direitos da personalidade, em que a empregadora adotava uma degradante política de administração de pessoal, criando um ambiente de trabalho hostil e inseguro. Ficou comprovado que não só a reclamante, mas também os demais empregados, corriam risco de terem a saúde mental e física comprometida pela simultânea atribuição de tarefas distintas, impossíveis de serem corretamente executadas ao mesmo tempo, tudo sob a ameaça de punição, como, por exemplo, desconto salarial, que pode nada representar para o empregador, mas significa o sustento do empregado.
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De acordo com a lista de atribuições apresentada pela própria empresa, ficou comprovado que a trabalhadora era obrigada a executar, dentre outras, as seguintes funções: atendimento, registro de produtos e informações no caixa, recebimento de todas as formas de pagamento, organização, atendimento e limpeza na perfumaria, orientação e ajuda ao cliente, reposição e arrumação dos produtos, remarcação de preços, fiscalização, arrumação, organização e limpeza das dependências internas da loja, realização de entregas nas residências de clientes cadastrados, estoque de mercadorias e abastecimento de todas as gôndolas. Depois de analisar a lista que revela o rigor excessivo da empregadora, com cobrança de tarefas simultâneas, o juiz observou que a empresa tentava "imputar à reclamante e a todos os empregados um dom atribuível somente aos santos, ou seja, o dom da ubiquidade ou de estar presente em vários lugares ao mesmo tempo".
Além disso, ficou comprovado que a empresa possuía um sistema de promoções, sem critérios objetivos, o qual privilegiava empregados novatos enquanto os mais antigos eram discriminados e ficavam na fila de espera. As testemunhas confirmaram ainda que a loja mantinha os trabalhadores em estado de ansiedade permanente, obrigando-os a ficar em casa aguardando ordens, na expectativa de serem ou não convocados para trabalhar em plantões. Como se não bastasse, a reclamante ainda tinha que assinar vales de descontos salariais, quando era a própria empresa que a obrigava a se ausentar do caixa, já que ela não tinha função específica, tendo que realizar múltiplas atividades ao mesmo tempo.
Conforme observou o magistrado, até mesmo o consumidor foi atingido pela desorganização da loja, pois, frequentemente, os clientes entravam no estabelecimento e não encontravam empregados para atendê-los ou receber os pagamentos nos caixas, fato que se tornou público. Assim, concluindo que esse estranho mecanismo de gestão de pessoal foi ofensivo à trabalhadora, o juiz sentenciante declarou a rescisão indireta do contrato de trabalho, determinou a devolução dos descontos salariais indevidos e acolheu o pedido de pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 9.300,00, tal como reivindicado pela empregada. (Fonte: TRT 3)