A Justiça Federal em Bauru, no interior de São Paulo, condenou dois empresários denunciados pelo Ministério Público Federal por aliciar e reduzir a condição análoga à de escravo 21 pessoas na zona rural de Pratânia, a 273 quilômetros da capital paulista. José Alves da Silva e Odairo da Silva convidavam os trabalhadores no interior de Sergipe, prometendo-lhes bons salários, alimentação e moradia. Porém, uma vez no município de destino, as vítimas eram submetidas a condições degradantes de trabalho, jornadas exaustivas e tinham sua locomoção restringida em razão de dívidas contraídas com os empregadores.
Os réus eram responsáveis pela empresa José Alves da Silva Hortifrutigranjeiros – ME, que atuava no serviço de colocação de frangos em gaiolas para o futuro transporte aos frigoríficos. Fiscalização do Ministério do Trabalho realizada em 2008, bem como o depoimento das vítimas, indicou que a jornada de trabalho durava de 17 a 20 horas por dia e que a empresa não fornecia, de forma gratuita, equipamento de proteção individual, como luvas e máscaras. Por conta disso, diversos trabalhadores apresentavam ferimentos pelo corpo. Eles também relataram que eram constantemente ofendidos por José Alves da Silva, que empunhava uma vara como forma de ameaça.
A fiscalização constatou ainda que o alojamento dos empregados estava em condições precárias. Os quartos não possuíam armários individuais e os alimentos adquiridos ficavam armazenados no chão. Os colchões eram de péssima qualidade e cheiravam a urina. Um dos trabalhadores dormia em uma esteira no chão. O banheiro ficava do lado de fora e não era revestido com material impermeável, o que, com o uso constante, causava bolor e umidade nas paredes.
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Dívidas e fome
A alimentação era fornecida de forma eventual e, quando concedida, era insuficiente para as necessidades dos trabalhadores, que iam trabalhar com fome. Apesar de o alojamento se localizar na zona urbana, eles ficavam restritos a adquirir os mantimentos no mercado pertencente a Odairo da Silva, pois não possuíam dinheiro em espécie para fazer compras em outros locais. Segundo os empregados, os preços no mercado do réu eram mais caros do que em estabelecimentos similares. Assim, no dia do pagamento, tinham pouco ou nada a receber, pois eram descontados os valores referentes aos mantimentos adquiridos no mercado.
Os empregadores também descontavam dos salários o valor da passagem de Sergipe para Pratânia. Por conta das dívidas contraídas com os réus, os trabalhadores não eram autorizados a voltar às suas cidades de origem, e mesmo quando eram demitidos, não recebiam pagamento nem transporte para o retorno a Sergipe. Eles relataram também que eram impedidos de sair do alojamento durante o dia sob a alegação de que precisavam descansar para o trabalho, realizado à noite.
A situação de dependência econômica era agravada pelo fato de os salários serem pagos com atraso, após o dia 10 do mês subsequente, contrariando o dispositivo legal. Os 21 trabalhadores resgatados pelo Ministério do Trabalho também não apresentavam registro em carteira e não havia recolhimento mensal do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).
Aliciamento
As vítimas eram convencidas a se deslocar de Sergipe a São Paulo com falsas promessas de receber um bom salário, de até R$ 1,2 mil, configurando o crime de aliciamento de trabalhadores de um local para outro do território nacional, previsto no art. 207 do Código Penal, pois a remuneração, na verdade, girava em torno de R$ 400,00. Segundo o motorista responsável pelo transporte, era Odairo da Silva quem providenciava os trabalhadores que seriam levados.
A Justiça Federal fixou em quatro anos e seis meses de reclusão a pena dos dois réus para o crime de reduzir os empregados a condição análoga à de escravo, previsto no artigo 149 do Código Penal, em regime inicial semiaberto. A sentença determinou ainda pena de detenção de dois anos para ambos pelo delito de aliciamento, em regime inicial aberto. Apesar de a empresa José Alves da Silva Hortifrutigranjeiros – ME ter quitado o acordo feito nos autos da ação civil pública que tramitou perante a Vara do Trabalho de Botucatu, o compromisso firmado não afetou o andamento da ação penal, visto que as esferas cível, criminal e administrativa são independentes.
(com informações do Ministério Público Federal)