Mesmo faturando R$ 200 milhões por ano e com expectativa de ganhar um contrato de R$ 480 milhões com a Petrobras, a Multitek Engenharia resolveu cancelar obras e demitir 1,7 mil empregados. Nos próximos dias, entrará na Justiça contra a gigante estatal, sua única cliente.
Segundo a empresa, a atitude radical foi a única saída para evitar a falência e contornar dificuldades que se tornaram comuns a muitos prestadores de serviço e fornecedores da estatal. As demissões da Multitek serviram de estopim para protestos no Complexo Petroquímico do Estado do Rio (Comperj) na semana passada.
Dependência excessiva nos contratos com a estatal, projetos malfeitos, incapacidade financeira de fornecedores, além de mais rigor e demora da Petrobras nas negociações estão entre os motivos para falências e dificuldades na cadeia de petróleo e gás. Por trás disso, está o aperto de caixa: com o preço dos combustíveis defasado e necessidade de investir, a Petrobrás resolveu secar a torneira em projetos que costumavam ficar mais caros que o previsto.
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O movimento foi acentuado na gestão da presidente Graça Foster, iniciada há um ano e meio. A Petrobras diz que "o procedimento de análise e tratamento de alterações contratuais é o mesmo desde 2002".
Uma das primeiras prestadoras de serviços a quebrar, em novembro passado, a Tenace atribuiu a falência, em carta ao mercado, à "danosa relação contratual estabelecida com a Petrobrás" e à mudança de postura da estatal. A empreiteira, com 25 anos e 3 mil funcionários, perdeu R$ 800 milhões em contratos, 90% deles com a petroleira.
Dois meses depois foi a vez da GDK, cujo pedido de recuperação judicial foi aceito em 10 de janeiro, minando novos contratos. A GDK perdeu, por exemplo, a disputa por obras de duas plataformas (P-74 e P-76) no início do ano. TKK, Delta e Egesa também estão entre as que enfrentaram dificuldades.
Mudança. As dificuldades começaram com uma mudança da Petrobras na análise dos pedidos de aditivos aos contratos. Até 2011, eram analisados de forma descentralizada e menos burocrática, com gerentes dando aval a mudanças e permitindo às empresas tocar as obras com caixa próprio na quase certeza de aprovação. Após a mudança, cada contrato passou a ser analisado com lupa.
Paralelamente, a Petrobras voltou a investir em megaobras, de interesse do governo. É o caso da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, investimento de US$ 20 bilhões, e do Comperj, de US$ 13 bilhões. Ambos estão atrasados, têm custos explosivos e vaivém na definição.
As prestadoras de serviços lamentam que a Petrobras tenha "endurecido" as negociações, especialmente quanto a custos surgidos durante as obras. Reclamam que, muitas vezes, eles decorrem de mudanças dos projetos em relação ao edital.
Há vários aditivos de obras contratadas pela Petrobras contestados pelo TCU por superfaturamento. O objetivo, segundo já disse Graça, é não repetir exemplos como o da Abreu e Lima, cujo orçamento inicial era de US$ 2,3 bilhões, quase 10% do atual. No mês passado, auditoria do TCU determinou que a Petrobrás cobre a devolução de R$ 69,6 milhões de um consórcio de grandes empreiteiras nas obras de terraplenagem.
A Petrobras também quis mudar uma prática comum: prestadores e fornecedores entram na licitação com preço abaixo da realidade e compensam depois com os aditivos. Prestadores médios e pequenos, em geral, negam a prática, mas um engenheiro que já trabalhou no Comperj e prefere não se identificar diz que ela "faz parte do jogo".
Nessa mudança, não há falta de pagamento da petroleira. Apenas menos disposição para aceitar aumento de custos. A situação é mais complicada para pequenos e médios prestadores de serviço.