A Organização Internacional do Trabalho (OIT) está investindo US$ 2 milhões no Programa de Prevenção e Eliminação da Exploração Sexual Comercial de Crianças e Adolescentes na Tríplice Fronteira, região onde características sócio-econômicas fizeram o problema tomar proporções alarmantes.
A constatação de que Foz do Iguaçu, Ciudad del Este (Paraguai), Puerto Iguazú (Argentina) e cidades vizinhas haviam se tornado território de uma rede de exploração foi constatada pelas investigações de duas Comissões Parlamentares de Inquérito, uma da Assembléia Legislativa e outra da Câmara Federal, em meados da década passada.
A partir daí, a região entrou no mapa das preocupações de organizações não-governamentais e de organismos internacionais. Segundo levantamento da própria OIT, são 3.500 vítimas. Entrevistadas por consultores, a maioria das vítimas informou que esta rede seria formada por empresários, autoridades e traficantes.
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Domingo passado foi lançada uma campanha para mobilizar a sociedade civil, uma tentativa de fortalecer políticas de prevenção e de punição aos culpados.
Na prática, o programa atende crianças e adolescentes em três níveis. Já foram gastos US$ 200 mil em ''atenção direta''. No primeiro nível, educadores de rua do Programa Sentinela percorrem as ruas de Foz (há um trabalho similar em Ciudad del Este).
Os casos suspeitos são relacionados. Meninas e meninos recebem orientação sobre o programa e os familiares são contactados. Em caso de reincidência, é feito o encaminhamento ao Conselho Tutelar.
No segundo nível, a criança que aceitou o auxílio do programa é encaminhada ao Poliambulatório, uma unidade de tratamento médico-psicológico (são muito comuns vítimas em alto grau de dependência química, principalmente de crack) mantida pela Sociedade Civil Nossa Senhora da Aparecida. O terceiro nível é um centro de convivência, chamado REDEscobrir, onde as vítimas em processo de recuperação recebem reforço escolar e fazem atividades artísticas-culturais. A administração municipal é sócia no esforço e cedeu funcionários para o atendimento.
O programa começou a ser implantado em dezembro e deve terminar em agosto do ano que vem. O objetivo é recuperar pelo menos 300 crianças e adolescentes. Até agora cerca de 200 vítimas passaram pelo primeiro nível. Atualmente, 40 adolescentes estão no terceiro nível.
Suely Ruiz é coordenadora do programa em Foz do Iguaçu. Para ela, o desafio da OIT é conseguir garantir a continuidade das políticas de prevenção e combate depois que o programa for concluído. Confira os trechos da entrevista dada por Suely à Folha.
Folha Porque a Tríplice Fronteira se tornou um pólo de exploração sexual comercial infantil?
Suely Ruiz Nós vivemos em uma região onde predomina a economia informal. A informalidade leva ao trabalho infantil, que leva a uma das piores formas do trabalho infantil que é a exploração sexual. A falta de renda e perspectiva tornam estas crianças muito vulneráveis a ação de aliciados.
Folha E como foi decidido a forma de agir?
Suely Fizemos estudos de campo justamente para estar embasando a intervenção direta. Nós tínhamos muitas informaçöões, mas eram informações dispersas. É um fenöômeno muito invísivel, as pessoas têm medo, envolve tolerância social. A comunidade incorpora como se isso fosse algo da paisagem da cidade, como algo natural que aconteça.
Folha Quem fez o trabalho de pesquisa?
Suely Consultores especialmente contratados para esta tarefa. Também foi feito um estudo da capacidade institucional de cada cidade. Estudamos o que a cidade tem e que poderia ser articulado no enfrentamento do problema. No caso de Foz o estudo mostrou que já existia uma rede de combate, de vários serviços, tanto da área governamental quanto da não-governamental. O que precisava justamente era estar articulando estes serviços em uma grande rede.
Folha Como a indústria do turismo acaba se envolvendo na rede de exploração?
Suely Não podemos generalizar: nem todo turista que vem para Foz vem em busca do turismo sexual. Mas chegando aqui ele encontra um ambiente permissivo, um ambiente favorável para isso. Temos grandes eventos, com muitos homens desacompanhados, que encontram terreno favorável para cometer este tipo de crime.
Folha Como é enfrentar esta rede?
Suely Esta rede se articula e por isso a idéia de ter um trabalho em toda a fronteira, porque se ela é uma rede ela também se move. Se tivemos um trabalho só em Foz do Iguaçu, a rede tende a se articular em Ciudad del Este e Puerto Iguazú. É neste sentido que a OIT interfere. Trabalhando com os três ''Ps'': proteção, prevenção e punição. Em relação a proteção nos temos três centros de referência, funcionando em Foz. A idéia é prestar atendimento nas áreas de saúde, educação, profissionalização, apoio familiar. Quanto à prevenção: iniciamos no ano passado um trabalho com a rede estadual de ensino, voltado para alunos, professores e pais. Deste trabalho já surgiu um grupo - Protagonistas Juvenis - que já está em ação.
Folha E a punição?
Suely Durante muito tempo, as pessoas diziam: ''Não adianta a gente fazer nenhum trabalho de resgaste com estas crianças porque amanhã elas voltam para a rua''. A gente ouvia isto de policiais, de autoridades e até de profissionais que atuam na área. Com a estrutura de prevenção e proteção praticamente consolidados, iremos partir para o trabalho de punição, que será intensificado. Nós já articulamos algumas reuniões com a força-tarefa, que reúne todos as forças de segurança da fronteira, e eles já fazem alguns trabalhos de fiscalização permanente dos locais. Além de tirar a criança da rua, a preocupação maior é identificar os exploradores mas a gente encontra muitas dificuldades por conta da nossa legislacão. As sanções são mais claras para o explorador, mas para aquele que a gente chama de cliente, muitas vezes fica difícil de estar qualificando o que está sendo feito.
Folha O que pode mudar esta situação?
Suely No Brasil, existe uma frente parlamentar envolvida com o tema e há 57 projetos de lei que visam alterar o código penal nesta área. A gente trabalha também a idéia de ter um acordo trilateral que facilitaria a fiscalização. Hoje, a gente tem uma aduana que fiscaliza mercadorias mas não fiscaliza pessoas. É preciso intensificar o trabalho nesta faixa de controle porque as crianças são mais vulneráveis. Isto está começando com o intercâmbio entre os três comitês do programa.