Um email avisava a Mariangela Hungria que a World Food Prize Foundation queria falar com ela. Toda empolgada, imaginava que seria para dar uma palestra sobre o avanço dos biológicos no Brasil, durante uma semana de discussões realizada pela fundação nos Estados Unidos.
Ao receber a ligação, foi logo disparando que aceitava e que seria muito importante relatar o bom momento desse produto no Brasil. Mariangela não parava de falar, até que foi interrompida pelo outro lado. Não, você não vai ser palestrante. Você ganhou o Prêmio Mundial de Alimentação de 2025, o World Food Prize. "Comecei a chorar, e não acreditava no que estava ouvindo."
Leia mais:

Paraná registra temperaturas negativas em 15 estações meteorológicas nesta terça

Maringá convoca 156 novos professores aprovados em concurso público

Cambé faz acolhimento emergencial para pessoas em situação de rua por conta do frio

Constrangimento de vendedor por causa de cabelo rosa resulta em indenização em Curitiba
Assim Mariangela ficou sabendo que estava sendo laureada com um prêmio entregue a poucos e aos que realmente tenham desenvolvido inovações importantes para a aceleração da produção de alimentos, mas com sustentabilidade.
Sementes e solos
Quando a World Food Prize colocou Mariangela na mira do prêmio, reconhecido como o "Nobel da Agricultura", levou em consideração o trabalho de uma microbiologista e cientista que desenvolveu dezenas de tratamentos biológicos de sementes e de solos que ajudam a planta a obter nutrientes por meio de bactérias do solo. Essa ação aumenta a produtividade de importantes culturas agrícolas e reduz a necessidade de fertilizantes sintéticos.
Há 43 anos na Embrapa, Mariangela está sendo reconhecida por sua trajetória dedicada ao desenvolvimento de tecnologia em microbiologia do solo. Isso permite aos produtores rurais a obtenção de altos rendimentos com custos menores e mitigação de impactos ambientais.
O seu trabalho visa ao aumento da produção e da qualidade dos alimentos, por meio da substituição dos fertilizantes químicos por microrganismos portadores de propriedades como fixação biológica e solubilização de fosfatos e rochas potássicas.
Sustentabilidade
Somente em 2024, o uso da inoculação na soja com bactérias fixadoras de nitrogênio gerou uma economia de US$ 25 bilhões, ao dispensar o uso de adubos nitrogenados. Essa tecnologia, desenvolvida pela microbiologista, evita a emissão de mais de 230 milhões de toneladas de CO2 por ano.
Inicialmente na Embrapa Agrobiologia, em Seropédica (RJ), a pesquisadora mudou para a Embrapa Soja, em Londrina (PR), em 1991. Além da soja, o trabalho de Mariangela contribui para a produtividade de trigo, milho, arroz, feijão e melhorias nas pastagens.
Ela diz que refletiu muito sobre o porquê do prêmio. "Acho que foi pela persistência e nunca me desviar do caminho que acreditava". Conta que quando fez agronomia, no final dos anos 1970, era o período da Revolução Verde, e só se falava em químico, químico e químico.
"Tive poucas aulas de microbiologia na Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da USP), mas era o que eu queria desde criança. Acreditei nos biológicos logo cedo, mas eles eram muito desmerecidos".
Mariangela ouvia dos colegas que não teria futuro com os biológicos, e que isso era coisa de hortinhas, orgânicos e de produtos de pequena escala. Mesmo assim, seguiu em frente e fez mestrado em biológicos.
As pesquisas desenvolvidas por ela começaram a indicar altos rendimentos, possibilitando a substituição parcial e até total dos químicos nas lavouras. Esse foi o diferencial do trabalho, acredita ela.
"Se eu falar para o agricultor, vamos melhorar a saúde de seu solo, vamos deixar um legado para as futuras gerações, vamos comer um alimento saudável, e não apresentar um produto com rendimento igual ou até superior, ele não vai aceitar", diz ela. O diferencial foi colocar o biológico para todos, inclusive para o grande agronegócio, afirma.
Aumento do uso de biológicos
O uso dos biológicos tem aumentado no mundo todo, e cresce em ritmo mais acelerado do que o dos químicos. No caso do Brasil, esse avanço é ainda maior. A pandemia e a invasão da Ucrânia pela Rússia aceleraram o processo. A dependência brasileira de fertilizantes químicos deixou muitos produtores preocupados, e uma das saídas foram os biológicos.
O consumo explodiu, e os produtores aumentaram a demanda, abrindo uma janela de oportunidades para diversos produtos. A pesquisa acelerou e houve uma melhora nos diversos processos, inclusive nos voltados para as mudanças ambientais, afirma.
O uso dos microrganismos, no entanto, requer conhecimento, e a pesquisadora diz que um dos grandes problemas do setor é a falta de recurso humano qualificado. "Tem gente oferecendo uma carga horária de apenas 20 horas para o aprendizado, enquanto no curso de mestrado que dou na Universidade Estadual de Londrina são necessários, no mínimo, dois anos para a formação de um microbiologista de pós-graduação".
Ela não deixa de criticar a Lei dos Bioinsumos. As principais recomendações da Embrapa ficaram fora da lei. Entre elas, uma lista de microrganismos, ter um responsável técnico para a produção dos bioinsumos e a necessidade de um cadastro de quem está produzindo.
O anúncio do Prêmio Mundial de Alimentação foi feito nesta terça-feira (13) no estado de Iowa, Estados Unidos, na sede da Fundação World Food Prize, criada por Norman Bourlaug, pai da Revolução Verde e Prêmio Nobel da Paz em 1970.
Mariangela receberá o prêmio em 23 de outubro deste ano. É a terceira vez que ele é concedido a brasileiros. Em 2006, para os agrônomos Edson Lobato e Alysson Paolinelli. Em 2011, para Luiz Inácio Lula da Silva.
Leia também:
