Ser chamado de virtual era uma ofensa para qualquer governo alguns anos atrás. Na política, o termo dava conotação que o poder executivo não tinha pulso para comandar. Hoje, não ser virtual significa não ter uma estratégia para a internet. Ou seja, é habitar o jurássico mundo de papel e burocracia, sem chances de sair dele.
Do começo do ano passado para cá, o governo federal e alguns Estados deixaram a letargia que os dominava e começaram a correr contra o relógio para entrar de verdade na era da internet. Estavam animados pelos bons resultados de experiências precursoras como a da Receita Federal. Só no ano passado cerca de 11 milhões de contribuintes declararam imposto de renda pela Web, uma demonstração inequívoca de que, quando o sistema funciona, o povo adere.
Mas o que realmente tem atraído o governo foi a possibilidade de economia em escala a partir da criação de portais de e-procurement. Esses sites são usados para a aquisição de materiais e serviços de manutenção, reposição e operação (traduzido pelos especialistas pelo acrônimo MRO). Em volume, nenhuma empresa, por maior que seja, compra tanto quanto o governo. Deixar de aproveitar esse poder de barganha é exemplo de, no mínimo, má vontade.
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Só em custeio, a Federação gasta 11 bilhões de reais. O Estado de São Paulo compra aproximadamente 1 bilhão de materiais (uma lista de 85 mil itens, na qual estão incluídos do cafezinho do funcionário público ao carro oficial do chefe dele). A oportunidade para os governos comprarem mais barato tem o nome de B2G (business-to-government). Nesse tipo de iniciativa, uma ferramenta se destaca: o leilão reverso. Ele funciona da seguinte maneira: aquele que compra grande volume estipula um preço máximo e seus possíveis fornecedores, de olho na venda vultosa, baixam as margens de lucro para ganhar da concorrência.
Quando é o dinheiro público que está em jogo, esse método pode reverter, de uma maneira indireta, para mais recursos aplicados na área social. Além disso, por ser um processo transparente para todos os participantes e para a sociedade, diminui-se a incidência da grande praga nacional: a corrupção. Praticamente desaparece aquela figura sinistra do “amigo no governo”, que dava uma força para que determinada secretaria comprasse do fornecedor de seu compadre, geralmente a preços superiores ao do mercado.
Na onda do B2G, foram lançados sites em várias áreas e órgãos dos governos federal e estadual. Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil, no âmbito federal, já têm seus próprios portais de compra. Em São Paulo, a Sabesp, companhia de águas e esgotos, também já economiza nas transações eletrônicas com seus fornecedores.
Para que o sistema de compras funcione é preciso muito mais do que um site bonitinho. Por trás de tudo, deve haver uma conversa amigável entre os bancos de dados de vários órgãos. “A integração entre os sistemas usados pelos diversos ministérios tem a função de dar agilidade às operações, tornando-as mais eficientes e dispensando a burocracia”, diz Renata Vilhena, subsecretária-adjunta de Logística e Tecnologia do Ministério do Planejamento.
Com tudo azeitado, o governo deixa, por exemplo, de pedir certificações que ele mesmo fornece. O novo sistema simplifica a inscrição de uma empresa que deseje participar dos leilões. Uma vez registrada, ela poderá entrar em processos de compra públicos para qualquer órgão do governo, inserindo dados básicos, como o CGC. Os computadores interligados cruzam as informações dos bancos de dados, verificando a idoneidade da empresa. E o melhor: garante o pagamento quando a mercadoria for entregue, desmitificando a fama de mau pagador que o Estado ganhou durante décadas.
Nem todas as aquisições, no entanto, podem ser realizadas em pregões. A legislação atualmente em vigor só permite compras sem licitação de determinados tipos de produtos. A compra pelo pregão eletrônico precisou do respaldo legal e só se tornou possível, no governo federal, depois da publicação do decreto nº 3.697, de 21 de dezembro de 2000. O novo sistema permitirá que o governo divulgue cerca de cem licitações por dia. A expectativa é que pelo menos 40% dessas licitações possam ser feitas por via eletrônica.
Apenas para cumprir uma meta temporal estipulada, foi realizado pelo governo federal, no dia 29 dezembro, o primeiro leilão reverso, com a aquisição de três carros, um de passeio e dois utilitários. Além de permitir a atuação de fornecedores fora de Brasília, a operação promoveu uma redução de custo de 15,75% e 26%, respectivamente.
As taxas de redução são simbólicas e não devem se manter nesse patamar. Mas representam uma amostra da economia que é possível se obter. Pelos índices internacionais, o aumento do número de fornecedores num portal de e-procurement é da ordem de 40%, com a diminuição do custo em cerca de 20%.
As operações começam para valer com a entrada em operação do portal Comprasnet, pregão eletrônico do governo federal, cuja data de lançamento não tinha sido divulgada até o fechamento da edição. O site foi remodelado pelo Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), em parceria com o consórcio Unisys/Vesta, vencedor da licitação para a instalação do sistema.
O Estado de São Paulo também possui seu marketplace virtual, batizado de Bolsa Eletrônica de Compras (BEC). Inaugurada em regime de experiência em setembro do ano passado, a BEC foi utilizada até março por 47 unidades gestoras. Juntas, elas fizeram 168 operações de compra em sistema de leilão, do qual participaram 36 fornecedores. A economia para o Estado foi de 19,52% sobre um preço total inicial de 448 mil reais.
Para que pudesse funcionar de maneira legal, a BEC também precisou de uma atualização. No começo de março, foi publicado no Diário Oficial do Estado o decreto 45.695, de 5/3/2001, que define como devem ser feitas as compras dos diversos órgãos públicos pela bolsa eletrônica. A modernização do sistema de compras traz, de início, uma redução de custos por meio do leilão, mas significa uma economia ainda maior em comunicação, pessoal, infra-estrutura e tempo para o fechamento do negócio. Processos de compra com licitação, que duravam de 60 a 120 dias, com o auxílio da internet passam a ser efetivados no prazo de 6 a 10 dias.
É verdade que a experiência só está no começo. O montante ainda é ridículo frente aos 356 milhões de reais disponíveis para o período. A aplicação já se encontra operacional, mas não teve a adesão da maioria das 1.200 unidades que fazem compras regulares no governo estadual. Também não começou pra valer a disputa acirrada entre os cerca de 25 mil fornecedores que já possuem seus dados cadastrados nos computadores de grande porte mantidos pela administração pública estadual.
O sistema da BEC custou aos cofres públicos a quantia de 2,4 milhões de reais. Mas o retorno que a aplicação eletrônica promete deve compensar. “Pretendemos estar transacionando cerca de 100 milhões de reais até o final do ano”, estima Walter Soboll, diretor da Coordenação Estadual de Controle Interno (Ceci), ligada à Secretaria da Fazenda.
A expectativa, para ele, é conservadora quando comparada ao volume total movimentado quando a máquina estadual vai às compras. Só no ano passado os gastos com materiais foram de 950 milhões. Quando se trata do maior Estado da Federação, as cifras são mesmo espantosas. Só de cartuchos para impressora são 15 milhões de unidades todo o ano.
A economia permitida pelos leilões virtuais envolvendo os itens liberados de licitações é, no entanto, só uma das vantagens permitidas pela tecnologia. No sistema desenvolvido pela empresa catarinense Paradigma, coração da BEC, a transparência dos processos de compra é um dos pontos fortes.
Tanto o fornecedor como o governo têm facilidade para acompanhar todos os negócios que estão acontecendo. Sem contar com o cidadão, que pode ir ao site e ver, a qualquer hora, quais os itens comercializados, as empresas ganhadoras e o preço pelo qual foi fechado o negócio.
Para que todos os órgãos do governo se entendam, é essencial que seus sistemas possam trocar informações com rapidez. “Começa a ser implantada no segundo semestre a rede de alta velocidade Intragov”, anuncia Dalmo Nogueira, coordenador do Governo Eletrônico do Estado de São Paulo. Ao todo, serão 20 mil pontos interligados em todo o Estado de São Paulo. O resultado da licitação deve sair em maio ou junho.
O simples fato de colocar informações organizadas já pode estimular a realização de novos negócios. É o caso do portal www.investimentos.sp.gov.br, um projeto da Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo junto com a Imprensa Oficial. “Muitos empresários de outros Estados e países queriam investir em São Paulo e tinham dificuldade em obter as informações básicas para isso”, explica Fernando Delazoni, diretor da empresa Município Digital, responsável pelo desenvolvimento da Central Digital para o Desenvolvimento. Quando não existe a informação no site, uma equipe de 15 pessoas, trabalhando em três turnos, presta-se a ir atrás das informações.
Casos como esses mostram que o governo está aprendendo a usar as ferramentas de comunicação permitidas pela tecnologia internet. Por fornecer informações públicas de fácil acesso, o sistema virtual de compras ajuda a sociedade a controlar os gastos do governo e, por tabela, a honestidade de quem ocupa cargos públicos. Se houver adesão de todos os órgãos, o processo ganhará credibilidade aos olhos da população. Essa questão, porém, depende menos da tecnologia e mais da honestidade e vontade política de dirigentes e governantes.
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