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O santo de casa

Zeca Corrêa Leite - Folha do Paraná
18 fev 2001 às 16:54

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Há quase 20 anos atuando em defesa dos povos indígenas, o advogado paranaense Carlos Marés teve essa dedicação reconhecida com o Prêmio N"Aitum, concedido pela Corporação Cultural de Artistas Pro Ecologia, do Chile. "Para mim foi surpresa total. Chegou um comunicado dizendo que eu tinha sido escolhido, foi assim que fiquei sabendo", disse ele para a Folha 2. "N"Aitum" significa "deixar livre", e no caso do troféu (que será entregue dia 24, na casa onde morou Pablo Neruda, em Isla Negra) é uma homenagem para quem luta pela liberdade não só do homem, mas da natureza como um todo. "Tomo o prêmio com muita honra e o compartilho com todas as pessoas, inclusive os próprios indígenas, com quem tenho convivido e aprendido muito". Ex-presidente da Funai, Carlos Marés perdeu o cargo ao aposentar o sertanista Orlando Villas-Boas, no ano passado, mas ele não vê esta homenagem como uma resposta ao episódio. É, isto sim e tão-somente, o reconhecimento ao seu trabalho.

Não é irônico o sr. ganhar um prêmio internacional, sem ter recebido nenhuma distinção em seu próprio País?

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Acho que santo de casa não faz milagre. Se eu recebesse um prêmio de uma ONG local, acharia que estava acontecendo uma proteção. No caso deste o que mais emociona é que ele veio através de pessoas totalmente fora do dia-a-dia em que a gente vive. Essa é a característica mais importante.

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Na sua opinião a questão indígena tem solução?

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Tem solução fácil e barata. Só não se resolve porque realmente falta decisão política, determinação, plano a longo e médio prazos, etc. Isso é que falta. Acho mais fácil para um governo que esteja preocupado com questões sociais resolver primeiro as questões indígenas do que a questão fundiária, que é muito complicada.


Essa é uma possibilidade para qual governo?

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Eu estou seguro que para este governo não. Até não gosto de dizer, porque parece presunção minha, mas eu ofereci as soluções para o governo, ele as teve na mão, mas demonstrou que trata a questão indígena com profundo descaso. Aliás, o que aconteceu na Bahia foi um descaso total. Então acho que essa esperança é, pelo menos, para o próximo governo.


Seja esse governo de que partido for?

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Seja ele de que partido for, mas é claro que se for uma continuidade do governo Fernando Henrique provavelmente não atenderá às questões sociais. Porque o atendimento a elas não é apenas discurso, é a prática. No discurso todos querem atender a questão social, mas transformar esse discurso em prática não é para um governo de continuidade de Fernando Henrique.


Então sua passagem por Brasília foi benéfica para se ter uma visão mais clara do gerenciamento da questão indígena?

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Foi benéfica e influiu muito. Eu sempre fui advogado de povos indígenas, mas com alguns povos. Em Brasília estive em contato com um universo muito maior de indígenas brasileiros; conheci mais de perto alguns problemas que eu tinha conhecimento superficial, de literatura. Outros problemas eu nem imaginava que pudessem existir; e outros ainda que, embora imaginasse, não conseguia dimensioná-los. Por exemplo, algo que eu não imaginava é a existência na Amazônia de concentrações indígenas formando verdadeiras cidades. Lá, os territórios indígenas estão passando por um processo de urbanização, como se fosse um êxodo rural. Então, nesses territórios demarcados, a população começa a se concentrar em lugares onde o Estado está presente. Em Belém de Solimões tem 4 mil índios numa única aldeia. Ora, é uma cidadezinha de porte razoável.


O Estado dá assistência a esses núcleos?

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Não dá. Então é uma cidade com problemas de saneamento, de arruamento mas sem as soluções devidas porque se trata de uma aldeia. Esse tipo de problema eu não imaginava existir no Brasil. Outros eu sabia existir, mas não tinha noção da sua dimensão, como o caso dos índios do Nordeste. Por exemplo: tem mil índios pankararu, migrados de Pernambuco, que estão vivendo em favelas de São Paulo e mantendo as tradições de seu povo ali dentro. Fui me encontrar com suas lideranças e discutimos qual seria a solução para esse grupo. Como a população pernambucana de pankararu é de aproximadamente 3 mil índios confinados num pequeno território, os mil de São Paulo não cabem lá fisicamente. Os líderes me disseram que o sonho deles era ter um sítio, uma chácara em São Paulo onde pudessem desenvolver seus cantos, danças, tradições. Estou dando exemplo do que me fez repensar conceitos que eu tinha sobre territorialidade.


A questão indígena teve mais apelo popular em outros tempos que agora. Atualmente é o MST que ocupa maior espaço da mídia. Como está a questão indígena hoje?

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Acho que a questão indígena não tem hoje a visibilidade que teve em alguns momentos da história do Brasil. Mas o assunto influi nos governos que querem fazer determinadas coisas de olho na visibilidade internacional. Com o governo Fernando Henrique aconteceu exatamente o contrário: ao reprimir os índios ele ganhou visibilidade internacional negativa; enquanto que Fernando Collor ao criar o Parque Ianomami, teve uma perspectiva positiva internacional. O jogo de mídia existe, mas o problema é algo mais concreto e local. Por exemplo, um governo que se disponha a trabalhar seriamente em relação à população indígena, tem que dar solução aos índios de Roraima. A política local pressiona para que o problema não se resolva, para que não se criem reservas, etc. Como Roraima continua com votos no Congresso e como temos um governo que se deixa pressionar pelo Congresso, o problema continua. Então acho que a visibilidade não é o mais importante neste momento, mas tentar resolver as questões locais, com as forças locais.


Através do seu trabalho dá para sentir ganhos, avanços, maior conscientização das autoridades, da justiça?


Há avanços e recuos, mas a gente pode medir os avanços por decisões que se tomam em determinados momentos. Há alguns momentos marcantes e talvez o maior de todos foi em 1988 com a Constituição Brasileira. Foi um movimento extraordinariamente grande e forte para mudar a Constituição no sentido de garantir que os índios pudessem ser índios para o resto da vida e acabar com os 500 anos de integração. A partir daí todo trabalho que faço junto com meus colegas, juridicamente falando, é no sentido de aplicar essa Constituição, torná-la uma verdade prática. Não tem sido fácil, mas há ganhos.


Essa é uma luta de visionários, humanistas, idealistas? Que luta é essa?

Acho que é uma luta muito parecida com outras, ou seja, não consigo diferenciar a luta pelos direitos indígenas daquela pelos direitos humanos, da luta contra a fome, contra a miséria, pela justiça social. Todas são muito parecidas, e agora se agrega mais uma - a luta pela manutenção do ambiente. É a mesma coisa a gente defender a vida dos pobres, deles comerem, terem seus direitos e dos índios viverem no seu território. Todas elas têm um inimigo em comum, que é a concentração do capital. No fundo o que magoa, o que causa danos, seja às populações indígenas, às populações pobres ou ao meio ambiente é a acumulação do capital. Acho que antes de humanistas, visionários ou idealistas, somos todos uns lutadores por justiça social, para que a lógica das coisas não seja o lucro, mas a própria vida humana. Eu vejo assim, porisso estou metido em tantas lutas indígenas, quanto das de meio-ambiente e de questões sociais. Acho que são todos parentes da mesma luta.


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