Na semana passada uma cena comum no calçadão em Curitiba, mas ao mesmo tempo curiosa: a repórter de televisão abordava os passantes e fazia perguntas no mínimo estapafúrdias. Aquilo que poderia ser motivo de riso, é levado a sério. E os entrevistados dão suas opiniões. Alguns exemplos:
– O que você achou da decisão do governo de alugar a Amazônia para o próximo filme de Steven Spielberg? O que deve acontecer com o terrorista árabe que foi preso ontem em Curitiba por causa dos atentados nos Estados Unidos? O que a Prefeitura de Curitiba deve fazer para acabar com as piranhas que estão atacando as pessoas no lago do Barigui? O que você achou da convocação de Toninho Cereso para reforçar o meio campo da seleção brasileira?
As imagens captadas irão ao ar hoje, às 18h30, ilustrando o programa "Cidadania É", transmitido na capital pelo Canal Paraná – Canal 9 e para o resto do Estado pela Rede Paraná. O tema do programa é a mentira e as respostas do público mostram isso: há sempre uma mentira, por mínimo que seja, prestes a ser aplicada.
"A mentira é um componente do ser humano; isso ficou bem claro neste trabalho", avalia o jornalista Ney Hamilton, apresentador de "Cidadania É". Para ele a 'mentira social' é uma qualidade necessária: "Não viveríamos com a verdade absoluta. Uma pessoa assim seria insuportável". Tem mais: "A gente precisa dos códigos de polidez que se assentam também em pequenas mentiras".
O publicitário e escritor Jamil Snege diverte-se ao separar a mentira por setores. Uma delas é a piedosa, "praticada por dever de civilidade". Essa ele pregou muito a um amigo seu que queria emagrecer; a cada vez que se encontravam Snege elogiava-lhe a silhueta. "Nossa, como você emagreceu!". Era um engano necessário, assim como: "estou abatido? não, você está ótimo".
"A publicidade mente", afirma. Ela usa do artifício da construção de uma imagem substituta para vender. Quando o produto é um carro, o motorista aparece sempre cercado de belas mulheres, a mecânica da máquina perfeita, o pneu não fura, o preço da gasolina não aparece na cena. Numa propaganda de cerveja tem-se a rica vida social, os amigos reunidos, todo mundo feliz.
"Jamais a propaganda vai mostrar um cara frustrado no meio da noite, abrindo a geladeira, pegando uma latinha para voltar em frente à TV onde está passando um filme chato. É um falseamento da realidade", afirma. E a fantasia, seria uma forma de mentir? Jamil Snege acredita que não – ela seria uma projeção idealizada da realidade.
Ou, citando o poeta Coleridge, "ela exige uma suspensão temporária da incredulidade". "Não fosse assim e não nos emocionaríamos com a arte. Aliás, há uma espécie de pacto entre o artsta e o público". Sobre o comportamento dos entrevistados em se mostrarem informados – e caírem na peça pregada pela repórter – o publicitário diz que "isso é tão velho quanto o mundo. No geral as pessoas têm pudor de mostrar que não sabem".
A insegurança (ou o medo) poderia ser a mãe de todas as mentiras. O terapeuta holístico Jorge Ramalho parte da visão de que "o fingimento cria a mentira". Esta atua como uma máscara para esconder estados ou sentimentos conflitantes. "No fundo está o medo, que não fica na superfície".
O comportamento das pessoas em darem uma resposta que julgam satisfatória, mesmo sem dominar o assunto, é pelo receio de se sentirem inferiores às outras, supostamente mais bem informadas. "Medo é um sentimento básico do ser humano, mas é uma coisa que pode ser trabalhada e a pessoa sair do medo". Quanto mais usa da verdade, mais feliz ela se torna, conforme o terapeuta. Por outro lado, quanto mais presa aos temores, mais propensa está para o fingimento, o esconderijo e, automaticamente, à mentira.
Marcos Meier, psicopedagogo, assinala três tipos de mentira: a que existe pela omissão; a propriamente dita e a que usa a verdade de forma manipulada, transformando o sentido da informação. Esta é a mais sutil, e pode ser exemplificada com a história do capitão que todos os dias encontrava o imediato bêbado e avisava que iria denunciá-lo no relatório, se não se emendasse.
Depois de muito conselhos e nenhum progresso, o capitão realmente notificou os superiores sobre a embriaguês do imediato. Este esperou o dia da vingança. Na primeira oportunidade, quando foi encarregado de montar o relatório diário, anotou: "Hoje o capitão estava sóbrio". Era verdade, mas induziu o entendimento de que noutros dias o colega se encontrava embriagado.
Em toda a história da humanidade o conhecimento sempre teve alto valor, mas atualmente ele vale mais que o dinheiro, no entender de Marcos Meier. "Hoje, na sociedade, o conhecimento é tudo. Se a pessoa não tem conhecimento, não tem valor. O não saber é tido como uma falha, daí que se admite a discussão de um assunto mesmo não sabendo do que se trata", explica. Aí entra a mentira.
A escritora Regina Benitez decreta: "A verdade é tão grosseira. A mentira é bonita, enfeitada". Assim como seus textos envoltos em climas fantásticos, Regina se expressa sobre a vida: a nudez faz dela um corpo estranho, seco, sem atrativos. "Digamos que a vida tivesse o corpo de uma mulher: inteiramente nua ela seria feia, mas coberta por fieiras de pérolas, fica linda. As pérolas são as mentiras; eu a prefiro assim, insinuante sob as jóias".
Essas são as chamadas 'mentiras boas'. "Não aceito as que machucam, prejudicam a gente. Até gosto de ouvir as que nos levam para a fantasia. A linha que parte para a imaginação é como se acendesse a luz de uma sala escura. E o que está na sala é aquilo que a gente quer ver: por que ferir a imaginação?".
– O que você achou da decisão do governo de alugar a Amazônia para o próximo filme de Steven Spielberg? O que deve acontecer com o terrorista árabe que foi preso ontem em Curitiba por causa dos atentados nos Estados Unidos? O que a Prefeitura de Curitiba deve fazer para acabar com as piranhas que estão atacando as pessoas no lago do Barigui? O que você achou da convocação de Toninho Cereso para reforçar o meio campo da seleção brasileira?
As imagens captadas irão ao ar hoje, às 18h30, ilustrando o programa "Cidadania É", transmitido na capital pelo Canal Paraná – Canal 9 e para o resto do Estado pela Rede Paraná. O tema do programa é a mentira e as respostas do público mostram isso: há sempre uma mentira, por mínimo que seja, prestes a ser aplicada.
"A mentira é um componente do ser humano; isso ficou bem claro neste trabalho", avalia o jornalista Ney Hamilton, apresentador de "Cidadania É". Para ele a 'mentira social' é uma qualidade necessária: "Não viveríamos com a verdade absoluta. Uma pessoa assim seria insuportável". Tem mais: "A gente precisa dos códigos de polidez que se assentam também em pequenas mentiras".
O publicitário e escritor Jamil Snege diverte-se ao separar a mentira por setores. Uma delas é a piedosa, "praticada por dever de civilidade". Essa ele pregou muito a um amigo seu que queria emagrecer; a cada vez que se encontravam Snege elogiava-lhe a silhueta. "Nossa, como você emagreceu!". Era um engano necessário, assim como: "estou abatido? não, você está ótimo".
"A publicidade mente", afirma. Ela usa do artifício da construção de uma imagem substituta para vender. Quando o produto é um carro, o motorista aparece sempre cercado de belas mulheres, a mecânica da máquina perfeita, o pneu não fura, o preço da gasolina não aparece na cena. Numa propaganda de cerveja tem-se a rica vida social, os amigos reunidos, todo mundo feliz.
"Jamais a propaganda vai mostrar um cara frustrado no meio da noite, abrindo a geladeira, pegando uma latinha para voltar em frente à TV onde está passando um filme chato. É um falseamento da realidade", afirma. E a fantasia, seria uma forma de mentir? Jamil Snege acredita que não – ela seria uma projeção idealizada da realidade.
Ou, citando o poeta Coleridge, "ela exige uma suspensão temporária da incredulidade". "Não fosse assim e não nos emocionaríamos com a arte. Aliás, há uma espécie de pacto entre o artsta e o público". Sobre o comportamento dos entrevistados em se mostrarem informados – e caírem na peça pregada pela repórter – o publicitário diz que "isso é tão velho quanto o mundo. No geral as pessoas têm pudor de mostrar que não sabem".
A insegurança (ou o medo) poderia ser a mãe de todas as mentiras. O terapeuta holístico Jorge Ramalho parte da visão de que "o fingimento cria a mentira". Esta atua como uma máscara para esconder estados ou sentimentos conflitantes. "No fundo está o medo, que não fica na superfície".
O comportamento das pessoas em darem uma resposta que julgam satisfatória, mesmo sem dominar o assunto, é pelo receio de se sentirem inferiores às outras, supostamente mais bem informadas. "Medo é um sentimento básico do ser humano, mas é uma coisa que pode ser trabalhada e a pessoa sair do medo". Quanto mais usa da verdade, mais feliz ela se torna, conforme o terapeuta. Por outro lado, quanto mais presa aos temores, mais propensa está para o fingimento, o esconderijo e, automaticamente, à mentira.
Marcos Meier, psicopedagogo, assinala três tipos de mentira: a que existe pela omissão; a propriamente dita e a que usa a verdade de forma manipulada, transformando o sentido da informação. Esta é a mais sutil, e pode ser exemplificada com a história do capitão que todos os dias encontrava o imediato bêbado e avisava que iria denunciá-lo no relatório, se não se emendasse.
Depois de muito conselhos e nenhum progresso, o capitão realmente notificou os superiores sobre a embriaguês do imediato. Este esperou o dia da vingança. Na primeira oportunidade, quando foi encarregado de montar o relatório diário, anotou: "Hoje o capitão estava sóbrio". Era verdade, mas induziu o entendimento de que noutros dias o colega se encontrava embriagado.
Em toda a história da humanidade o conhecimento sempre teve alto valor, mas atualmente ele vale mais que o dinheiro, no entender de Marcos Meier. "Hoje, na sociedade, o conhecimento é tudo. Se a pessoa não tem conhecimento, não tem valor. O não saber é tido como uma falha, daí que se admite a discussão de um assunto mesmo não sabendo do que se trata", explica. Aí entra a mentira.
A escritora Regina Benitez decreta: "A verdade é tão grosseira. A mentira é bonita, enfeitada". Assim como seus textos envoltos em climas fantásticos, Regina se expressa sobre a vida: a nudez faz dela um corpo estranho, seco, sem atrativos. "Digamos que a vida tivesse o corpo de uma mulher: inteiramente nua ela seria feia, mas coberta por fieiras de pérolas, fica linda. As pérolas são as mentiras; eu a prefiro assim, insinuante sob as jóias".
Essas são as chamadas 'mentiras boas'. "Não aceito as que machucam, prejudicam a gente. Até gosto de ouvir as que nos levam para a fantasia. A linha que parte para a imaginação é como se acendesse a luz de uma sala escura. E o que está na sala é aquilo que a gente quer ver: por que ferir a imaginação?".