Paraná

Temas de trabalho escolar polêmico foram escolhidos por alunos, diz diretor de colégio

30 out 2017 às 11:45

O diretor auxiliar do Colégio Estadual Dom Geraldo Fernandes, de Cambé, Reginaldo Rodrigues Galvão, disse nesta segunda-feira (30) que os assuntos abordados no trabalho de Artes que provocou a ira de pais na sexta-feira (27) foram levantados a pedido dos próprios alunos, a partir das angústias que sentem no cotidiano, e que o objetivo é refletir e prevenir, ao invés de fazer apologia. A mesma justificativa foi dada à Polícia Civil, neste domingo (29), quando a diretoria e a professora foram ouvidos pelo delegado Roberto Fernandes.

O trabalho escolar de alunos do 3º ano do Ensino Médio provocou polêmica ao trazer imagens que remetem a suicídio, ao aborto e até a críticas às religiões, com uma bíblia rasgada e queimada com manchetes de padres envolvidos em casos de pedofilia. Nesta segunda, a chefe do Núcleo Regional de Educação (NRE), Lucia Cortez, disse que o trabalho será investigado em um processo administrativo.


Segundo Reginaldo, para desenvolver o trabalho, a professora perguntou quais as angústias da comunidade. "Os alunos disseram que os assuntos que deviam ser abordados são a questão de aborto, de pedofilia, de suicídio", diz. A professora, então, dividiu os estudantes em grupos para que fizessem pesquisas e promoveu debate em sala de aula. "Em seguida, fizeram os trabalhos e quiseram expor", conta.


O trabalho foi feito ao tratar do assunto arte conceitual, que aborda temas atuais, e o conceito desta arte tem um objetivo mais reflexivo que estético ou sensorial. "Quando houve a exposição, a professora chamou os alunos, explicou o que leva a isso [aos temas abordados]. Explicou a mortalidade de mulheres que fazem aborto no Brasil e é algo que ocorre na nossa comunidade, também", justifica o diretor auxiliar.


Com a discussão do assunto em sala de aula, o objetivo do trabalho não foi fazer apologia, mas uma prevenção para a pessoa não chegar a essas práticas. "A imagem é chocante? Sim, é. Mas, por trás dela, existe uma realidade que não some se não for discutida", afirma. O posicionamento da escola está em uma carta aberta, que será divulgada para a comunidade (leia no fim da reportagem).


Depoimento


Tanto o diretor quanto a professora prestaram depoimento neste domingo (29) à Polícia Civil de Cambé. De acordo com o delegado-chefe da 10ª Subdivisão Policial de Londrina, Osmir Ferreira Neves, os servidores esclareceram que desejavam promover uma "reflexão por parte dos alunos de condutas tidas como ilícitas, como intolerância religiosa, práticas abortivas e instigação ao suicídio. O objetivo foi desestimular os estudantes de tais hábitos", comentou. Mesmo assim, afirma o delegado, a Polícia Civil de Cambé vai apurar o caso "com tranquilidade, mas com rigor".


Leia a carta aberta da direção e professores do Colégio Estadual Dom Geraldo Fernandes


AOS PAIS, ALUNOS E COMUNIDADE DO COLÉGIO ESTADUAL DOM GERALDO FERNANDES


Vimos através desta esclarecer à sociedade sobre os recentes acontecimentos envolvendo nossa comunidade e o desenvolvimento do processo ensino aprendizagem em nosso colégio.
Na última semana do mês de outubro, mais especificamente no dia 26/10, os alunos do Colégio Dom Geraldo Fernandes realizaram a montagem de uma instalação nas dependências do colégio, baseada nas reflexões feitas em sala a partir do conteúdo estabelecido pelas Diretrizes Curriculares da Educação Básica.


Por uma interpretação equivocada do trabalho, a postagem de um vídeo e fotografias sobre a instalação vincularam na internet gerando interpretações das mais variadas possíveis.


As acusações, críticas, desabafos e insultos que estamos sofrendo geraram a necessidade de um esclarecimento mais aprofundado sobre o que realmente aconteceu na escola com vistas a tranquilizar pais, alunos e comunidade.


Esclarecemos que os trabalhos foram realizados pelos alunos do 3o ano do ensino médio dentro da matéria de artes no tópico arte conceitual que aborda temas atuais, fazendo com que o espectador possa refletir sobre eles.


O conceito de arte que se quer representar nesse contexto é mais reflexivo do que estético ou sensorial.1 Durante as aulas, a docente procurou apresentar a proposta dessa corrente artística, pedindo aos discentes que escolhessem temas que lhes incomodassem em seu cotidiano, promovendo a reflexão filosófica, histórica, sociológica e a mediação didática sobre eles.


Os temas escolhidos pelos estudantes foram: a pedofilia, o suicídio e o aborto dentre outros. Após a seleção dos assuntos a serem tratados, a turma realizou pesquisas e debates pertinentes, com posterior montagem da instalação que representava a síntese de todo o processo realizado. A linguagem utilizada estava adequada para a idade/série envolvida, sendo que, a partir da exposição deste trabalho, pretendia-se que houvesse um desdobramento da temática, com adaptações para cada faixa etária, uma vez que a docente atua em todas as turmas do ensino regular.


Cabe lembrar que os assuntos não foram escolhidos de forma aleatória, mas representam problemas cotidianos enfrentados pela comunidade escolar, que lida diariamente com episódios como automutilação de alunos, gestação na adolescência, casos de abortos relatados pelas alunas, discentes com tendências suicidas, relatos de assédio e abuso sofridos pelos menores em ambientes diversos.


Dessa forma, evidencia-se que a intenção da escola era prover o corpo discente de instrumentos para lidar com essas situações.


A pertinência dos temas debatidos justifica-se pelos alarmantes dados do Ministério da Saúde que aponta um aumento de 12% dos casos de suicídio no Brasil, na faixa dos 15 aos 29 anos, sendo a quarta maior causa de morte entre jovens e que 66,1% dos casos ocorrem por meio do enforcamento.


Como forma de combate, no ano de 2003, a Associação Internacional para a Prevenção do Suicídio e a Organização Mundial da Saúde criaramo mês de prevenção ao suicídio, relembrado em setembro, pois, segundo a OMS, todos os anos morrem cerca de um milhão de pessoas por esta causa.


O trabalho também foi influenciado pelo slogan da campanha do setembro amarelo "Falar é a melhor solução".


O tema do aborto, também foi trabalhado principalmente porque segundo a OMS, a cada dois dias uma mulher morre no Brasil em decorrência de abortos clandestinos, sendo as maiores vítimas mulheres pobres, negras e moradoras das áreas de periferia, sendo este justamente o público atendido pelo Colégio.


Neste trabalho, ao contrário do que vem se espalhando pelas redes sociais, não existe incentivo algum e sim evidenciar de que é proibido por lei, da agressividade e risco de vida que representa às gestantes.


Destaque-se que a comunidade escolar busca trabalhar firmemente a ideia da prevenção da gravidez, orientando sempre a busca de profissionais especializados para orientá-las, evitando que nossas alunas cheguem a esse ponto extremo.


Sobre o específico trabalho que abordou a pedofilia os estudantes tentaram expressar por objetos de forma visual que muitos dos casos foram reconhecidos pela igreja levando o Papa Francisco no ano de 2014 a pedir perdão formal às vítimas de pedofilia praticada por muitos sacerdotes contra fiéis, reconhecendo o problema e a necessidade do debate e de investigações sobre os casos, para que haja solução para esta chaga social.


Ao abordar o tema, o colégio e os alunos não tiveram intenção de tornar as instituições religiosas em um alvo para discriminação, mas discutir um problema social do qual nossas crianças não estão seguras.


Por todas estas razões, nosso pronunciamento tem como objetivo prestar esclarecimentos à sociedade, mediante toda a repercussão negativa promovida por pessoas estranhas à comunidade escolar, que contribuíram para a exposição dos alunos envolvidos e o julgamento moral da professora por indivíduos não qualificados profissional ou hierarquicamente para julgar o fazer docente.


Como dito a mostra do trabalho dos alunos abordou temas atuais e polêmicos e nao teve intenção alguma de induzir, incentivar, fazer apologia e nem de desrespeitar nenhuma religião.
A comunidade toda pode continuar confiando em nosso trabalho porque jamais realizaremos qualquer atividade que não tenha o objetivo acadêmico.


Não somos criminosos nem ativistas!
Somos professores com muito orgulho!

(Atualizado às 12h42)


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