Em entrevista exclusiva ao Estado, Marina Silva explica as razões para ter se filiado ao PSB e não esconde a mágoa do PT. Ela afirma que sua decisão tem semelhanças com o ousado movimento que Luiz Inácio Lula da Silva fez no final da década de 70, nas greves do ABC, e que culminaram na criação do PT. Confira os principais trechos:
"O que me levou a essa coligação programática foi a coerência. Eu sempre disse que a Rede Sustentabilidade não estava aí na lógica da eleição pela eleição, que nós desejávamos era discutir propostas e ideias, mas acho que os sinais não eram suficientes. Nós já abdicamos das eleições de 2012. O que me fez pensar essa possibilidade, acompanhada pela maioria da executiva da Rede, foi a coerência com o que nós estamos nos propondo, de que nós queremos muito mais do que eleição. Analisamos o que mantinha coerência com a visão de que o que nos interessa é uma agenda estratégica para o Brasil. Em termos de candidatura posta com a qual podemos fazer um diálogo com alguma possibilidade de prosperar era o PSB. E o PSB foi um partido que entrou com a liminar na Justiça, que quando o ministro Roberto Amaral deu uma declaração bastante dura contra a Rede, o governador Eduardo Campos fez questão como presidente de fazer uma nota dizendo que a Rede tinha direito de se constituir como partido. Então, eu vi ali a disposição para o diálogo."
Sem foco no Planalto
Alguém me perguntou: é vingança? Eu disse: não, é uma sede muito grande de esperança. Geralmente a gente vê nos outros aquilo que está dentro da gente. Alguém que tem 20%, 16% ou 26%, se dispõe a esse gesto. Isso eu acho que tem algo que fala por si mesmo. Eu não preciso dizer que é desprendimento. Acho que é uma grande ambição, de que a política pode ser melhor, de que o Brasil possa ser melhor. É uma ambição saudável e que não vou abrir mão. Foi por ela que eu saí do PT, o que passei até a decisão de conversar com o Eduardo Campos e selarmos a aliança programática não chega nem perto do sofrimento que eu passei na decisão de sair do PT. É porque eu acredito que o sonho não pode parar. A história não para. Alguém tem que continuar. É engraçado que foi muito bom poder ficar recordando esses dias todos. Quando o Lula fez o movimento no ABC e quis transformar aquele movimento em um partido político foi muito incompreendido, pelo PMDB de luta, que dizia que iria dividir as oposições, pelos partidos marxistas leninistas que tentavam rotulá-lo de ser um partido de direita para fazer o jogo da direita e era rotulado pela direita de ser um partido de esquerda que era um perigo para o Brasil. E de uma forma diferente, sem a força do Lula, a estrutura sindical, de repente eu me vi numa situação de alguma forma parecida. Uns querendo rotular a Rede Sustentabilidade como um partido frágil e outros entendendo que de fato é um esforço para criar uma instituição que dialoga com esse novo sujeito político que está surgindo e outros dizendo que não é algo diferente, é como todos os partidos. Não é a mesma coisa. Tem muita gente que discorda do que eu fiz, está me criticando fortemente, mas compreendendo e respeitando, mas dentro da Rede. Nós estamos metabolizando, debatendo. A Rede não está se fundindo com o PSB, está fazendo uma aliança programática.
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Desistência da candidatura
Qual é o problema? Não frusta porque as pessoas estavam frustradas com o que o TSE fez. Quem inviabilizou a possibilidade de a Rede ter a sua candidatura foram os cartórios reconhecidos pela Justiça Eleitoral. Não vamos deslocar o que aconteceu anteriormente ao que ocorreu posteriormente. A Rede sabe muito bem disso. A questão é, deveria ter ficado apenas dentro da Rede e não ter nenhuma incidência na conjuntura política do País, ou deveria ir para um partido, e o PPS dizia: façam a mesma filiação transitória e você tem a possibilidade de ser candidata, no meu entendimento, aí sim era dizer o mais importante era a candidatura pela candidatura, mas o mais importante é poder expor a proposta. Eu via que tinha uma torcida muito grande por uma coisa e por outra, ir para um partido para ser candidata ou me resignar na metáfora que eu fiz de ser a Madre Tereza de Calcutá da política. Eu ficaria no meu conforto e neste momento 99,9% das pessoas jovens da direção da Rede Sustentabilidade estariam felizes, teria sido uma atitude de anticandidatura e com certeza estariam dizendo que tudo que foi referenciado na plataforma Brasil que queremos, eu me omiti por vaidade, para preservar meu capital político e junto aos meus e de dar uma contribuição para o país. Eu me vi diante de uma situação que o Eduardo Gianetti diz que é de dilema, ou faz isso ou aquilo, ou vai para o recolhimento do conforto ou vai para um partido que mesmo com toda a narrativa nós podemos dizer que ela foi para uma sigla de aluguel. Era um dilema e eu tive que criar um trilema, e aí você elimina as duas possibilidades e cria uma terceira que não estava prevista por ninguém. Foi o que aconteceu. Não está previsível porque a lógica da política é: serei eu e o resto que está por aí, ninguém presta. E eu digo que tem muitas coisas dentro do PT, do PSDB, do PSB, do PPS, do PMDB. As pessoas tem o previsível porque não consideram outra possibilidade. Na conversa com o Eduardo, era muito claro para nós dois, eu não quero destruir ninguém, quero construir. Aí as pessoas dizem, vocês são a costela do Lula e eu até brinquei: a costela é uma coisa melhorada.
Decepção com o PT
Você me perguntou o que me decepciona, eu vou começar pelo que me emociona. O que me emociona no PT foi o PT ter cumprido de fato o que sinalizou na questão da justiça social, tirar 30 milhões de pessoas da extrema pobreza, que era uma promessa que o presidente Lula fazia de um jeito muito simples, no jeito dele, eu quero que as pessoas possam tomar café da manhã, almoçar e jantar, isso me emociona. Mas infelizmente o PT não foi capaz de entender que nós que fomos a força criativa, produtiva e livre que produziu um ato de mudança na década de 80 e chegou até aqui não poderíamos nos conformar com a repetição do sucesso, que é estar no poder. Isso foi aprisionando o poder nessa lógica de não conseguir ver as novas bandeiras, as novas utopias. Eu lutava muito para dizer que a sustentabilidade era a ideia cujo tempo chegou, de que era a atualização da utopia. Mas quando eu dizia isso, as pessoas achavam que eu estava querendo cacifar a minha agenda. Nas campanhas muitas pessoas diziam, você não pode aparecer, se não a gente perde voto, e eu me resignava, porque eu dizia, não quero atrapalhar. Eu me resignava porque eu dizia: não quero atrapalhar, quero que o PT ganhe, que o Lula ganhe. Só que chegou um tempo que eu comecei a ver que jamais eu ia fazer as pessoas se convencerem de que a utopia desse século que todo mundo está correndo atrás é o desenvolvimento sustentável, que é ressignificar as nossas bandeiras, ressignificar nossa utopia. Foi por isso o ato extremo de sair do PT e ir para o PV. Eu estou acreditando profundamente que o Eduardo pode dar uma contribuição para essa atualização. Nesse momento o peso está muito nos ombros dele.
Alianças regionais
As conversas que estavam postas nos Estados elas também vão participar de um processo de reelaboração e ressignificação. Porque se a aliança prospera, ela vai se adensando na direção de um novo caminho e uma nova maneira de caminhar.
Transferência de votos
Não acredito em transferência de voto porque o voto não é meu, o voto é do eleitor. E a gente tem que começar a respeitar o eleitor. Eu acho um desrespeito esse negócio de que você é dono dos votos de cidadãos e cidadãs conscientes. As pessoas votam em quem elas se convencem de votar. O eleitor, o cidadão, não quer ficar nessa posição de mero expectador, ele quer ser protagonista, autor, mobilizador. E isso ficou claro nas manifestações agora de junho. O pessoal entrou em crise, 'mas como é que tem esse bando de gente na rua e não foi um sindicato, não foi um partido, não foi a Marina, não foi o Lula'? Quem chamou foi o próprio cidadão porque ele é um novo sujeito politico, é autor, é mobilizador. É isso que temos que entender e cada vez mais vai ser assim. E vai ter que negociar com ele. Não vamos trata-lo como se ele tivesse uma atitude passiva. Tanto não tem que botou o Congresso para, envergonhadamente, enterrar a PEC 37. Botou o Congresso e o governo para, envergonhadamente, ressuscitar para em seguida matar a reforma política. Quem fez isso foi o cidadão. Ou a gente convence esse cidadão, de que essa proposta é boa para o Brasil, ou ele não vai dar o voto só porque a Marina está dizendo vote no Eduardo, no João, no Francisco ou na Maria. Vamos começar a respeitar o cidadão. Eu digo: não acredito em salvadores da pátria, eu acredito em homens e mulheres que se disponham a construir pátria. Eu não acredito que alguém propõe para um povo um destino, eu acredito em quem propõe um mundo melhor, construído por todos. É por isso que eu fiz esse gesto. E só Deus e o tempo dirão se foi para ajudar a mudar ou se foi para me vingar. E, se eu não tiver mais aqui, com certeza, como historiadora, eu ficarei feliz do mesmo jeito porque foi para construir.
Cabeça de chapa
Esse trabalho não é ele quem vai conseguir, numa aliança a gente tem que conseguir juntos. É um convencimento conjunto. Agora, para convencer os outros, a gente tem que ter o que dizer. E não só o que dizer, a gente tem que mostrar o que está fazendo. E é desse estar fazendo é que vamos mostrar muito mais pelo que fizemos do que pelo que dissermos. Mas a gente está só no começo, vamos começar o diálogo. Não tem nada impositivo. A Rede tem o seu programa, o PSB tem o seu programa, a Rede tem seus militantes, o PSB tem os seus militantes, e vamos nos comportar como um partido político. A história vai provar que o que aconteceu com a Rede Sustentabilidade é o maior paradoxo da política partidária brasileira. Tem partido que se legaliza dentro de uma pasta para tentar ganhar capilaridade social, com apoio inclusive do governo para já ter um ministério. Tem partido que tem capilaridade social, não quer um ministério para aumentar cada vez mais os gastos públicos e mesmo assim não consegue um registro legal. Eu não tenho como objetivo de vida ser a presidente da República, eu tenho como objetivo de vida um país melhor. Se para isso necessário for ser presidente da República, serei com a mesma alegria que faço como professora de história. Eu acho que as pessoas não entenderam que o meu gesto porque continuam não acreditando nisso que estou dizendo. Se o Eduardo se comprometer com essa agenda, se o Eduardo fizer um gesto de mudanças significativo que o Brasil precisa, eu não preciso ser vice dele, eu só preciso ser cabo eleitoral. Eu repito aquela história de que sábio são os que aprendem com os acertos dos outros. Estúpidos são aqueles que não aprendem nem com os seus acertos. O PT e o PSDB tem dois grandes acertos para aprender, serão estúpidos se não aprenderem com eles que podem fazer mais e melhor, podem fazer mais com sustentabilidade. Eu não tenho nenhum problema com isso se o Brasil for melhor, não tenho como objetivo de vida ser presidente do Brasil, tenho como objetivo de vida ter um país melhor.