O ex-sargento da PM Jorge Luiz Martins, 42 anos, expulso da corporação há cerca de um mês, revela como funcionava o esquema de espionagem contra funcionários e clientes do HSBC. Durante cinco anos, ele trocou a farda pelos trajes civis para investigar fraudes contra a instituição.
Entre dezembro de 1994 e fevereiro do ano passado, Martins relata que percorreu agências espalhadas pelo País na tentativa de identificar os golpes. "Não tinha feriado nem final de semana. Me chamavam a qualquer hora para trabalhar. Recebi veículo, celular, uma sala e fiquei trabalhando como se fosse funcionário do banco", diz.
Martins coordenava o departamento de inteligência e informações do banco. O motivo oficial de seu desligamento da PM está ligado ao vínculo empregatício com o HSBC. Mesmo na PM, ele tinha carteira assinada como funcionário do banco, o que não é permitido pelo código disciplinar da corporação.
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No entanto, o ex-sargento garante que nunca planejou manter o salário da PM com o de funcionário do banco. Só estava lá, ressalta, por ter sido convocado pelos superiores de farda. "Apenas cumpri ordens. Todos os coronéis sabiam da minha situação. Em dezembro de 1994 fui designado para trabalhar no banco na checagem de contas de clientes e funcionários, para recuperar veículos financiados. Cheguei a fazer auditorias completas em agências. Passei a ser polícia e bancário ao mesmo tempo. Ganhava R$ 1.000,00 por mês."
Advogados de Martins entraram com um mandado de segurança na Justiça para tentar reintegrá-lo à tropa e pedir indenizações por danos morais. Desde fevereiro de 2000, quando saiu do HSBC e regressou ao quartel, ele recorda que teve o salário reduzido pela metade. Um inquérito policial militar foi instaurado para investigar seu trabalho como "bancário". "Nem farda me deixavam vestir. Ficava o dia inteiro sem fazer nada no quartel."
Ele suspeita que o inquérito militar só foi aberto por ter processado o HSBC para receber seus direitos trabalhistas. Com isso, Martins queria ser aposentado pela PM por ter ficado mais de dois anos prestando serviços fora da corporação, como prevê o decreto federal 88.777. Misteriosamente, o ex-sargento afirma que o documento com a solicitação desapareceu. "Se o decreto fosse cumprido, não teria problema nenhum, estava tudo legalizado."
Ele diz que sua situação no banco mudou quando o extinto Banco Bamerindus passou para o controle do banco inglês HSBC (Hong Kong Shangai Bank Corporation). "Quando o Bamerindus passou para o controle do HSBC, em abril de 1997, a nova diretoria quis me registrar em carteira com o conhecimento dos coronéis. Quando fui pedir os meus direitos pelos três anos que trabalhei sem registro (1994-97), fui demitido", diz Martins.
Martins foi policial durante 23 anos. Nesse tempo, afirma que nunca respondeu a qualquer processo. Durante a mudança de controle do banco, o ex-sargento lembra que o seu setor estava para ser fechado. A vinda de Lewis Keith, o militar americano, foi decisiva para manter a estrutura de inteligência na ativa. "Ele gostou do serviço e criou um departamento de segurança."
Para mantê-lo como funcionário, Martins conta que o banco repassava mensalmente cerca de R$ 15 mil à Polícia Militar. Martins diz que a Polícia Civil recebia outros R$ 5,5 mil. Segundo ele, o dinheiro também garantia uma presença ostensiva de viaturas policiais em frente às agências, principalmente, em dias de grande movimentação bancária. A relação era tão próxima, segundo ele, que o banco também financiava festas de fim de ano organizadas por policiais.
Desempregado, o ex-sargento está morando com a mulher e os filhos na casa de sua mãe num bairro da periferia de Curitiba. Desde que passou a receber apenas metade do salário, ele afirma que não conseguiu pagar as contas de casa e foi obrigado a se mudar para não ficar na rua. No processo aberto para ser reintegrado aos quadros da PM, Martins relata que outros policiais presos por fazerem "bicos" nas horas de folga não receberam mais do que uma semana de cadeia no quartel.
"Por que só eu tive que ser expulso?", indaga Martins. Ele mesmo responde: "A PM quis ajudar o banco por causa da minha reclamatória trabalhista".