Um questionamento (instrumento formalmente chamado de questão de ordem) apresentado pelo deputado estadual Campos Machado (Avante), apoiador de Alckmin, e ainda não respondido pelo presidente da Casa, Carlão Pignatari (PSDB), próximo de Doria, impediu que a CPI fosse criada até o momento.
A CPI poderia ter sido constituída por Pignatari ao menos desde abril, segundo o regimento da Casa –o que não foi feito pelo tucano.
Somente em 7 de agosto o presidente instalou três das cinco CPIs previstas para 2021, mas a da Dersa e outra comissão sobre cobrança de aluguel em moradias irregulares ficaram travadas pela questão de ordem apresentada por Campos Machado dias antes, em 3 de agosto.
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Procurado pela reportagem, Campos Machado não se manifestou. Em plenário, disse ter feito o questionamento por "absoluta ausência de fato determinado" nas duas CPIs.
"'Investigar improbidades e ilegalidades' em 'licitações e contratos', 'nessas obras viárias', não nos mostram, indubitavelmente, nenhum fato concreto, preciso ou estabelecido", disse Machado no documento protocolado à presidência da Casa.
Pignatari tem, de acordo com o regimento, 60 dias para responder ao questionamento, o que possibilitaria o avanço da CPI. Outra questão de ordem formulada neste ano sobre um tema relevante na Casa, a suspensão de Fernando Cury (Cidadania) por ter apalpado Isa Penna (PSOL), foi resolvida pelo presidente em sete dias.
O requerimento da CPI da Dersa, apresentado pela então deputada Beth Sahão (PT) em 2019, previa a análise de eventuais irregularidades praticadas por agentes públicos que "deram causa a fraude nas licitações e contratos do governo do estado".
Esses agentes públicos, diz o requerimento, são suspeitos de desviarem "recursos públicos, utilizando-se de empresas de fachada para lavagem de recursos de empreiteiras nessas obras viárias, por meio da atuação do Sr. Paulo Vieira de Souza, ex-diretor da Dersa, no período de 2007 a 2019".
Paulo Vieira, que foi diretor de Engenharia da Dersa durante o governo José Serra (PSDB), é mais conhecido como Paulo Preto. Ele já foi denunciado cinco vezes pelo Ministério Público Federal sob a acusação de irregularidades e desvios em obras públicas.
Também há suspeitas de irregularidades no trecho norte do Rodoanel, cuja obra foi iniciada em 2013, na gestão Alckmin, e ainda não foi concluída.
O sucessor de Paulo Preto na Diretoria de Engenharia da Dersa à época é Pedro da Silva, que virou réu sob acusação de fraude a licitação e falsidade ideológica. Tanto Paulo Preto como Pedro da Silva negam ter cometido irregularidades.
Segundo o regimento da Assembleia, as CPIs são instauradas na ordem em que forem protocoladas, e somente cinco podem funcionar ao mesmo tempo -pode haver uma sexta, se for aprovada em plenário. Cada comissão tem duração máxima de 180 dias.
As últimas cinco CPIs da Casa se encerraram no início de dezembro passado, e as próximas cinco da fila, inclusive a da Dersa e outras três da oposição, estavam previstas para serem instaladas neste ano. Em fevereiro, no início do ano legislativo, o então presidente Cauê Macris (PSDB) criou as cinco comissões, mas a partir daí os prazos não foram seguidos.
Pignatari substituiu Cauê em março. Após a posse da nova mesa diretora, no dia 15 daquele mês, os líderes dos partidos deveriam indicar os membros de comissões em até 15 dias -a composição das CPIs obedece a proporção das bancadas.
Após esse prazo, caso não haja a indicação pelos partidos, o regimento afirma que o presidente deve nomear os membros da comissão imediatamente, observando a representação proporcional.
Pignatari não seguiu a norma, atrasando o funcionamento da CPI da Dersa e das demais. O presidente constituiu parte das CPIs apenas em agosto –mesmo mês em que Campos Machado agiu para retardar ainda mais duas delas.
Procurada, a assessoria do presidente da Casa diz em nota que a CPI da Dersa não foi constituída por ter recebido questão de ordem "que está sob análise da equipe técnica da Casa".
Também diz que não instalou as CPIs imediatamente, conforme o regimento, porque "havia um acordo para que os líderes dos partidos indicassem os membros das CPIs, o que aconteceu no início deste semestre".
O deputado Paulo Fiorilo (PT) afirma que o partido têm questionado à Mesa Diretora sobre a demora para a instalação da CPI da Dersa e cogita, a exemplo do que ocorreu em Brasília para a instalação da CPI da Covid, recorrer ao Judiciário.
"Não tem como fugir. É um absurdo que as CPIs não tenham sido instaladas, em especial a da Dersa, para trazer informações importantes, que foram negadas até agora, sobre um esquema de corrupção histórico", diz ele.
A CPI da Dersa era uma prioridade dos petistas logo após Doria assumir o governo, e os tucanos se mobilizaram para impedi-la.
Em 2019, assessores do PSDB se revezaram durante 63 horas em uma fila dentro da Casa para solicitar outras comissões de investigação à frente, já que a ordem de instalação é a ordem de protocolo. À época, o líder do governo era Pignatari.
Naquele ano, a Assembleia aprovou um projeto enviado pelo governo Doria para a extinção da Dersa. Por questões burocráticas, contudo, a estatal ainda está em processo de liquidação.
Das cinco CPIs previstas para 2021, quatro foram propostas pelo PT, que é tradicionalmente o principal partido de oposição aos tucanos paulistas, e uma tem autoria do deputado Marcos Zerbini (PSDB) -a que investigaria cobrança de aluguel em ocupações e também foi alvo de Campos Machado.
A última CPI de autoria de petistas no Legislativo paulista foi concluída em março de 2015 e não era direcionada ao governo -tratava de trotes nas universidades.
As três CPIs de oposição constituídas em agosto tratam de licenciamento de cavas subaquáticas no estuário entre as cidades de Santos e Cubatão, violência cometida contra a mulher e benefícios fiscais concedidos pelo governo na última década.
Ainda não houve reunião para definir quem irá presidi-las e dar início aos trabalhos. O regimento da Assembleia prevê cinco dias para que o membro mais velho convoque a primeira reunião, o que não foi feito até o momento.
A paralisia das CPIs no Legislativo paulista ocorre em meio ao aumento das verbas distribuídas por Doria revelada pelo jornal Folha de S.Paulo.
O próprio PT, no ano passado, discutia tentar conseguir a aprovação em plenário de uma CPI sobre as emendas pagas pelo governador, mas não se mobilizou para isso. Depois da publicação da série de reportagens, apenas o deputado Carlos Giannazi (PSOL) pediu a instalação de uma comissão sobre o tema.
Até agora, nove deputados, além dele, assinaram: Paulo Fiorilo (PT), Raul Marcelo (PSOL), Janaina Paschoal (PSL), Coronel Telhada (PP), Gil Diniz (sem partido), Major Mecca (PSL), Conte Lopes (PP), Castello Branco (PSL) e Erica Malunguinho (PSOL). São necessárias 32 assinaturas para o protocolo.
Deputados têm dito que a falta de sessões presenciais, devido à pandemia, prejudica o trabalho da CPI –mas, no ano passado, houve CPIs conduzidas com sucesso em sessões por videoconferência.
Outro caso de relevância na Casa, a suspensão de Cury, também tramitou neste ano de forma virtual no Conselho de Ética e no plenário, com a participação da maioria dos deputados.
"A CPI pode funcionar na pandemia. A Assembleia é movida pela pressão da opinião pública", afirma Carlos Giannazi (PSOL), que vê manobras do governo para enterrar a CPI da Dersa.
"O governo sempre fez essas manobras para dificultar e atrasar a formação e o funcionamento de uma CPI. Isso é histórico, tem sido uma prática. E, quando a CPI é instalada, o governo a controla com maioria de membros, como na CPI da Merenda, que acabou não dando em nada."
Outra CPI prejudicial ao governo –que foi instalada, mas não começou a funcionar– é sobre eventuais irregularidades na concessão de benefícios fiscais. A comissão teria o objetivo de fiscalizar a renúncia de receita de R$ 115 bilhões em dez anos.
Diversos benefícios fiscais estão sob sigilo, o que gerou críticas em diversos anos de integrantes do TCE (Tribunal de Contas do Estado) durante a análise de contas do governo.
No fim do ano passado, Doria reduziu alguns desses benefícios fiscais em um projeto aprovado pela Assembleia. A aprovação do polêmico pacote, de acordo com parlamentares, motivou a distribuição das verbas políticas aos parlamentares.
O líder de governo, Vinicius Camarinha (PSB), afirmou não saber as razões do atraso na instalação das CPIs e afirmou que essa é uma prerrogativa do presidente da Casa. Questionado sobre Pignatari estar protegendo Doria de uma investigação em relação à Dersa, Camarinha negou.
"Acredito que não esteja fazendo e sequer teria razão para isso. O governador não tem o que temer de nenhuma CPI. O governador tem quase três anos de mandato sem nenhum escândalo ou corrupção. Não vamos impedir qualquer CPI. Não temos preocupação, pode instalar amanhã", disse.
Procurado pela reportagem, Alckmin não respondeu.