A lei que criou o fundo eleitoral representa a maior distribuição de recursos públicos a um mesmo segmento sem cautela nem restrições da história recente do Brasil. A opinião é do procurador regional eleitoral de São Paulo, Luiz Carlos dos Santos Gonçalves. Segundo ele, o Ministério Público Federal não tem ferramentas para fiscalizar as chamadas vaquinhas eleitorais durante a campanha e o WhatsApp será o "valhacouto" para disseminação de mentiras.
Qual o impacto da criação do fundo eleitoral nas eleições deste ano? Como fica, por exemplo, o repasse obrigatório de 30% para candidatas mulheres?
Não me recordo de situação na história recente do País na qual se deu tanto dinheiro a um determinado segmento exigindo tão pouca coisa em troca. Não sou contrário ao pleito dos partidos, mas causou espécie o repasse de R$ 1,7 bilhão com critérios de distribuição que a própria direção partidária vai decidir. Isso é inédito. É muito poder nas mãos das direções partidárias. E, no caso das mulheres, pode acontecer de o partido escolher uma candidata e depositar todos os 30% só para ela.
Há falhas na lei?
Essa lei é muito peculiar. É muito dinheiro público dado sem cautela e sem restrições.
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Como o MP vai fiscalizar as vaquinhas eleitorais?
Há cerca de 40 empresas realizando este procedimento de arrecadação. Algumas são tecnologicamente sofisticadas. Soubemos de uma em que a pessoa tem de dar uma prova de vida para fazer doação. O programa filma você dando tchauzinho. Outras empresas não têm este requinte. Pode acontecer a doação transversal, em que o doador verdadeiro é um e quem empresta o CPF para registrar a doação é outro. Há como fazer a verificação ao final da eleição. Durante não tem. Mas essa foi uma boa inovação. Quanto mais o eleitor financiar seu candidato, melhor.
Uma legislação mais rigorosa ajudaria a coibir distorções?
Eu me preocupo com o exagero de regramentos da lei. Temos uma lei que chega ao ridículo de definir o tamanho do cartaz que o cidadão pode botar na janela. Ela estabelece um sem número de disposições para tentar controlar. Não sou favorável a este movimento, a essa redução no tempo de campanha. Isso é uma coisa que ajuda só quem é conhecido. Parece que são regras feitas só para reeleger as pessoas, não para eleger, porque um candidato novo vai ter poucos dias para se fazer conhecer, divulgar seu programa. Essa minúcia exuberante acaba escondendo os grandes abusos.
Como o MP vai coibir as fake news nestas eleições?
Não existe um aparato. O candidato que se sentir ofendido pode ir à Justiça Eleitoral pedir providências. Mas a gente tem acompanhado este assunto. A avaliação que ouvi de especialistas é de que, mesmo que montássemos um aparato enorme, não faríamos frente à quantidade, volume e intensidade dessas publicações. É uma preocupação nossa, mas não temos uma estrutura.
Há como impedir essa prática pelo WhatsApp?
Se você está em um grupo fechado, é muito difícil identificar a proliferação dessas mentiras. Mesmo que você vá ao Judiciário e peça uma ordem judicial, é muito difícil. O WhatsApp hoje é o melhor valhacouto para fazer esse tipo de propagação mentirosa.
Alguns grupos como o Movimento Brasil Livre (MBL) foram proibidos de pedir votos mesmo no período da campanha.
No caso do MBL, não posso me pronunciar porque é objeto de processo na Procuradoria.
De forma geral?
As pessoas jurídicas no Brasil estão proibidas não só de doar dinheiro em espécie, mas bens estimáveis em dinheiro que podem ser em serviços, uma utilidade, um favor. Isso não é cerceamento porque as pessoas físicas têm direito de opinião.
Existe alguma possibilidade de alguém que foi condenado por órgão colegiado ser candidato?
Depende da condenação. Não é todo e qualquer crime que gera inelegibilidade. Há um rol da Lei da Ficha Limpa. Se a pessoa for condenada por um desses crimes e não tiver obtido a suspensão da inelegibilidade, pode ficar inelegível. Mas existe uma cláusula na própria lei que prevê a suspensão da inelegibilidade. Ou seja, neste momento é só conjectura. Dizer em junho que alguém vai estar inelegível em agosto é um exercício que a gente não faz.
É possível a Justiça decretar a inelegibilidade antes do registro da candidatura?
Há uma única possibilidade. Se houver uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral, a pessoa pode ser condenada a ficar inelegível em casos de abuso do poder econômico, político ou dos meios de comunicação. Nas demais hipóteses, a inelegibilidade é sempre indireta. Se a pessoa é condenada criminalmente, a sentença não pode mencionar a inelegibilidade. Este exame vai ser feito no momento do registro da candidatura. O resto é futurologia. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.