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Desemprego camuflado

Informalidade e aplicativos viram única opção para garantir renda

João Pedro Pitombo e Ana Luiza Albuquerque - Folhapress
07 out 2021 às 12:17
- Emerson Dias/N.com
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Aos 42 anos, Nadja Almeida já trabalhou como atendente em lanchonete e em lojas de vestuário. Mas desde o início de 2020 seu único sustento tem sido o trabalho informal na praça do Relógio de São Pedro, no centro de Salvador.


Ela trabalha como ambulante vendendo cuecas. Seu patrão é o concessionário do ponto: um homem que compra o estoque, recolhe os lucros e lhe paga uma comissão semanal.

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Em um mês bom, sua renda chega a R$ 800 por mês, dinheiro com que sustenta a filha de 10 anos e põe comida na mesa da casa onde vive no bairro de Cosme de Farias, na periferia.

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"Estou trabalhando para me alimentar e pagar conta. A realidade é essa, a gente está vivendo desta forma", afirma Nadja, que tem que deixar a filha sozinha em casa para trabalhar.

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Nadja tem ensino médio completo e vasta experiência no comércio formal, onde ganhava um salário mínimo, tinha plano de saúde e incrementava a renda com comissões. Mas a falta de empregos a empurrou para a informalidade da praça, onde trabalha de segunda à sábado, oito horas por dia.


Entre amigos e vizinhos, carteira assinada é uma raridade: a maioria migrou para o comércio informal e enfrenta dificuldades. A situação piora com o aumento da inflação.

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"Hoje você vai em um supermercado, gasta R$ 200 e sai com meia dúzia de sacola nas mãos se perguntando onde é que gastou tanto", diz Nadja.


Na banca ao lado, Laine Brito dos Santos, 27, vende brinquedos e água mineral. Seu marido, também ambulante, vende armações de óculos em outra banca.

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Laine já trabalhou com carteira assinada, mas há três anos está desempregada e sua única opção tem sido a informalidade.


Com as vendas em baixa, a renda familiar raramente passa de R$ 1.000. A maior parte vai para o aluguel e, o que sobra, vai para a comida.

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Laine estudou até o ensino fundamental e deixou a escola aos 17 anos para cuidar do primeiro filho. "É uma loucura. Filho chora, cliente vêm, tudo ao mesmo tempo. Não tem como se dividir, não", afirma.


Na banca adiante, Edimário de Jesus Andrade, 53, trabalha como vendedor de camisas e bermudas em uma barraca na praça.

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Ele é caldeireiro, eletricista e armador, mas a sua carteira de trabalho foi assinada pela última vez em 2014, quando atuou em uma obra para a mineradora Vale, em Minas Gerais. Na época, passou um ano longe de casa, mas conseguiu juntar dinheiro e dar um pouco mais de conforto para mulher e filhos.


Desde então, distribuiu currículos em diversas empresas e recrutadoras, mas o telefone não tocou. Sete anos se passaram e Edimário segue no mercado informal.

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Em meses com datas festivas, como Natal, São João e Dia dos Pais, consegue ter uma renda de cerca de R$ 2.000. Nos meses mais fracos, o lucro das vendas não chega a R$ 700.


A situação é difícil até para quem tem um alto nível de escolaridade, caso de Joélia Borges, 50. Ela é formada em administração e tem mestrado na mesma área na Universidade Federal da Bahia. Mas os estudos não impediram que ela enfrentasse uma situação de vulnerabilidade.


Está desempregada há cerca de um ano, quando foi demitida de uma empresa terceirizada que prestava serviços para a prefeitura de São Francisco do Conde, cidade da Grande Salvador.


Desde então, tem sobrevivido com suas economias e com a ajuda de sua companheira. Para ter renda 

extra, passou a vender máscaras de proteção contra a Covid19 para vizinhos no bairro do Engenho Velho da Federação.


Com a reserva de dinheiro chegou ao fim, Joélia foi até à prefeitura-bairro do Centro pleitear um benefício do Bolsa Família. A inscrição no Cadastro Único do governo federal também vai possibilitar que tenha acesso à tarifa social na conta de energia elétrica, programa voltado para famílias de baixa renda.


Seu maior medo, diz, é não conseguir arcar o financiamento da casa, que ela paga religiosamente há 12 anos. Também afirma que está cada vez mais difícil colocar comida na mesa com alta no preço dos alimentos.


"Como a gente vive em um país desse? Como a gente consegue ficar feliz? Só de falar nisso sinto uma tristeza enorme", diz Joélia.


Além da informalidade, a chamada economia dos aplicativos tem sido opção crescente para quem não consegue emprego formal.


Quando se formou na universidade no Rio de Janeiro, Lucas Amaral, 32, acreditava que conseguiria um cargo de liderança, "de coordenação para cima". A crise econômica que atingiu o país, porém, interrompeu seus planos. Hoje ele trabalha como motorista de Uber para conseguir até R$ 2.500 por mês.


Graduado em Gestão Financeira pela Estácio de Sá e com domínio do inglês, Lucas trabalhava em uma operadora de seguros, mas foi demitido em 2016. A partir dali tentou encontrar uma nova colocação, na mesma faixa salarial, mas não conseguiu.


Ao final de 2018, teve que recorrer às corridas por aplicativo para "voltar com algum dinheiro para casa". "É um esforço gigantesco que se faz, mas meio que uma garantia. Embora as coisas atualmente estejam mais difíceis dado o aumento dos combustíveis, ainda assim é melhor ir para a rua e voltar com alguma coisa do que ficar na esperança de um reingresso no mercado", afirma.


Lucas mora com a companheira, que atua como cabeleireira, e a filha, de um ano e três meses, em uma casa alugada em Nilópolis, na Baixada Fluminense.


Juntos, somam uma renda mensal de cerca de R$ 4.000. Ele conta que a sala do imóvel se tornou o salão de beleza da mulher. "É nessa pegada que a gente está fazendo, para otimizar ao máximo", diz.

O motorista afirma estar frustrado por não ter conseguido ainda desenvolver sua carreira, "assim como muitos de sua geração".


"Tenho um amigo engenheiro químico dando aula particular de inglês. Há pouquíssimas pessoas trabalhando na mesma área de formação, a maioria correndo por fora. Só está faltando o mercado retribuir com oportunidades", diz.


Estudante de Letras na faculdade UniCesumar, Jonatas Oliveira, 26, tentou algumas oportunidades de estágio na sua área de atuação, mas não teve sucesso. Para garantir uma renda de cerca de R$ 1.200 por mês, faz entregas por aplicativo, como o Ifood.


Morador de Mesquita, na Baixada Fluminense, Jonatas trabalha na cidade, de bicicleta, de 12h às 16h e de 19h à meia-noite. No intervalo, se alimenta e descansa. Durante a manhã tem aulas à distância na 

universidade.


Nas sextas-feiras e nos sábados costuma ir para a zona sul, onde consegue ganhar mais dinheiro com as entregas. Aluga uma bicicleta do Itaú por meio de um plano para entregadores -R$ 10 reais semanais para usar o transporte por até 8h diárias. Na quarta-feira não trabalha, e no domingo só às vezes.


"Aí consigo estudar um pouco, conciliar com a faculdade. Tenho amigos que trabalham bem mais, tiram R$ 2.000, mas trabalham o dia todo, vão para a zona sul todo dia, de manhã até a noite", diz.

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