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O povo que derrubar o regime

Por que uma animação que resgata a Primavera Árabe viralizou no YouTube

Folhapress
19 mai 2021 às 17:32
- Reprodução/ Youtube
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A população de Alephia se cansou de seu ditador. Depois de décadas de opressão, decidiu ir às ruas e exigir uma mudança. Em árabe, eles gritam coisas como "o povo quer derrubar o regime".


A situação se parece tanto com aquela vista há dez anos em alguns países do Oriente Médio, na apelidada Primavera Árabe, que é fácil se esquecer de que Alephia nem existe. É a nação fictícia retratada pelo filme de animação libanês "Alephia 2053", que se passa num futuro distópico.

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O desenho estreou há dois meses no YouTube. Visto mais de 8 milhões de vezes desde então, se tornou um desses clássicos instantâneos. Não só pelo assunto urgente, mas também por seu ineditismo. Há raras animações em árabe, da mesma forma que há poucos filmes de ficção científica nessa língua -e menos ainda retratando distopias.

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"Se você olhar para a indústria do entretenimento na região, verá que temos centenas de horas de filmes falando sobre o nosso passado glorioso, sobre como as coisas eram", afirma o produtor-executivo Rabi' Sweidan.

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Um exemplo desse cinema de viés histórico é o franco-egípcio "O Destino", de Youssef Chahine, filme de 1997 ambientado no século 12. Há também longas de sucesso sobre o presente, como o libanês "Caramelo", de 2007, obra de Nadine Labaki. "Mas não temos nada sobre o futuro. Isso ainda não tinha sido feito, e decidimos tentar", diz Sweidan.


O cineasta e seus colegas -entre eles o diretor Jorj Abou Mhaya, o produtor Marwan Harb e o roteirista Bassem Breish- criaram dessa maneira a tenebrosa Alephia. Construíram um mundo de cores amareladas, soturno, de becos vazios e com câmeras impassíveis a tudo vigiar. Sentaram um ditador voluntarioso no trono, protegido por todo um aparato de segurança violento e corrupto.

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A história que eles contam é a de um grupo de rebeldes que tentam derrubar o ditador de Alephia do poder. Sabotando a infraestrutura da nação, por exemplo, e também instigando o povo a protestar nas
ruas, mesmo exposto à violência das forças de segurança. É numa dessas cenas de protesto que "Alephia 2053" resgata um dos grandes lemas da Primavera Árabe, o brado "o povo quer derrubar o regime".


O filme, segundo o produtor-executivo, toca em questões universais. "Alephia 2053" explora, por exemplo, como ditadores usam o sistema de ensino e os veículos de imprensa para doutrinar a população.

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A animação debate, também, a cooptação da religião para fins de estado, o papel das mulheres na sociedade e o empoderamento dos indivíduos-além de temas caros à literatura, como a jornada dos heróis inesperados, aos quais cabe a tarefa de lutar contra forças maiores.


Nenhuma dessas questões diz respeito apenas ao Oriente Médio, mas o fato de que "Alephia 2053" é uma produção falada em língua árabe -e o uso de slogans da Primavera Árabe- faz com que parte do público associe a trama àquela região. Em parte, porque está acostumado a ver países de cultura árabe no noticiário sempre sob essa lente de episódios de violência, terrorismo e intolerância.

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Mas "Alephia 2053" não é um filme sobre o Oriente Médio, Sweidan insiste. Há, afinal, exemplos de líderes autoritários se afastando de instituições democráticas em todo o mundo -na América do Sul, inclusive. O longa de animação, diz, "é sobre todos e sobre ninguém ao mesmo tempo".


A decisão de não atrelar o filme a um lugar específico explica a língua que os personagens falam em "Alephia 2053". Ao contrário do português ou do inglês, existem diversos idiomas árabes no mundo. As pessoas costumam falar mais de um deles. O árabe formal da literatura e do jornalismo convive lado a lado com dialetos, como o levantino, falado na Síria e no Líbano.

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Todos os habitantes da fictícia Alephia falam uma versão formal do árabe, que soa pouco natural a alguém habituado à vida cotidiana. Isso faz com que pessoas ao redor da região -do Marrocos ao Iraque- possam entender tudo com mais facilidade. A neutralidade da fala também reforça a vontade de Sweidan de que o público não associe aquela distopia a nenhum país em especial. Que entenda que a mensagem é universal.


Embora a distopia de "Alephia 2053" seja uma exceção no cinema do mundo árabe, a literatura já trata desse tema há alguns anos, em especial no Egito. É o caso dos romances "Otared", de Mohammed Rabie, e "Usando a Vida", de Ahmed Naji, ambos lançados em 2014. Quiçá o fenômeno se explique, ali, pela profunda decepção vivida pela população depois de ter derrubado um regime há uma década e visto o país rumar de volta ao autoritarismo com o golpe militar de oito anos atrás.

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"As pessoas estão ansiosas no mundo todo", diz Sweidan, o produtor. "E é nesse momento que a distopia aparece."


O gênero permite, ele afirma, imaginar o pior que pode acontecer -com a esperança de que nunca aconteça. Talvez venha daí a imagem das prisões de Alephia, feitas de vidro para que a população testemunhe a punição dos rebeldes.


"Quisemos retratar o extremo, a banalidade da violência, da tortura, mas esperamos nunca chegar a essa brutalidade transparente."


Na superfície, o futuro imaginado por Sweidan não parece esperançoso. Alephia é um lugar horrível, empobrecido, autoritário, amarelado. O produtor, no entanto, discorda. Há esperança no filme. Porque, apesar de tudo, o povo ainda assim vai às ruas. Quer derrubar o regime.


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