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Audiolivros piratas se disfarçam de podcast e viralizam no streaming

20 ago 2021 às 17:31

Chiados, sotaques, pausas, respirações e até o canto de pássaros dão o tom a dezenas de audiolivros piratas que, com ou sem qualidade, estão há meses entre os títulos mais ouvidos de plataformas de streaming.


Entre as seis versões de "Harry Potter" encontradas na internet, por exemplo, apenas duas são oficiais –a narrada por Jorge Rebelo para a Editora Rocco, que saiu de linha, e a de Ícaro Silva para o streaming de audiolivros Storytel.


Outras histórias juvenis, como "Percy Jackson", que deve ganhar audiolivros oficiais em português nos próximos meses, também são campeãs de pirataria. Há ainda títulos de empreendedorismo, como "Seja Foda!" e "Mindset", além de clássicos que vão de George Orwell a J. R. R. Tolkien.


Spotify e Apple Podcasts, que são as maiores plataformas onde esse material é veiculado, não responderam aos questionamentos da reportagem acerca do problema até a publicação. Já o Deezer informou que trabalha contra a pirataria com ajuda de especialistas.


O Google, por sua vez, afirmou a que sua plataforma de podcasts, o Google Podcasts, só agrega conteúdo de outros aplicativos, motivo pelo qual, dizem, não há o que ser feito.


O YouTube, por fim, disse que depende que as editoras, o autor ou quem quer que seja o proprietário do conteúdo pirateado faça uma denúncia para que então a plataforma providencie a remoção.


A maioria dos livros são gravados por leitores quaisquer, inclusive por crianças, a julgar pelo timbre das vozes, que não se identificam. Há, ainda, artistas vocais envolvidos. É o caso da equipe do Canal da Fantasia.


A iniciativa do canal surgiu há dois anos a partir do trabalho de conclusão de curso de um estudante de letras que queria levar as obras das quais era fã a pessoas cegas.


A prática não é incomum. É tradição, por exemplo, entre os estudantes da Universidade de Ribeirão Preto, a 313 quilômetros de São Paulo, que gravam audiolivros entre o intervalo das aulas para doação.


Aquele TCC, porém, deu origem a um grupo com cerca de 80 voluntários, que, ao publicar os audiolivros na internet, extrapolou o público-alvo original, diferentemente dos universitários, que ainda distribuem as gravações em CDs diretamente a entidades assistenciais que atendem jovens com deficiência visual.


De acordo com o porta-voz do canal, Robert Johen, a equipe se preocupa com a legalidade do trabalho. "Quando percebemos que poderia ferir o direito de alguém, tomamos a posição de não fazer mais. Nunca tivemos intenção de prejudicar ninguém", diz.


Um dia após o contato da reportagem, o grupo retirou grande parte de seus títulos do YouTube e das plataformas de streaming, deixando somente os que estão em domínio público –sem considerar a possibilidade de as traduções ainda serem protegidas.


Alguns dias depois, no entanto, os audiolivros foram republicados. Johen, que é contador, mas também trabalha com locução, afirma que ingressou no projeto com objetivo de ajudar a equipe a se profissionalizar e a comercializar os audiolivros.


"Quando vi o canal, fiquei maravilhado, porque é um trabalho profissional. Falei que estava errado, porque eles não estavam se remunerando. Não é um trabalho de fã, porque estão atingindo editoras consagradas. Por causa disso, temos o projeto de pejotizar o canal. Este trabalho é uma vitrine do que podemos fazer", diz.


Nas versões publicadas no YouTube, o grupo exibe um trecho da legislação brasileira que diz que é permitida a reprodução de obras literárias em áudio ou em sistemas como o braille com objetivo de torná-las acessíveis.


No entanto, o professor de direito Antônio Carlos Morato, da Universidade de São Paulo, diz que, para isso, é necessário que o material reproduzido seja de uso exclusivo de pessoas com deficiência visual e não tenha fim comercial.


Não é o que ocorre na prática, já que os audiolivros podem ser escutados por qualquer internauta e geram receita –seja para o narrador, que no YouTube ganha com anúncios, ou para as plataformas de streaming, que lucram com assinatura ou publicidade, apesar de não repassarem a receita aos criadores.


"É uma prática totalmente irregular. O autor pode processar não só quem grava, mas a plataforma, porque quem divulga é responsável. O Marco Civil da Internet, que isenta as plataformas de serem responsabilizadas por conteúdo gerado por terceiros, não se aplica a questões que envolvem direitos autorais", diz o professor.


Diretor da Storytel no Brasil, André Palme acredita que o sucesso dos audiolivros piratas mostra que o público tem interesse pelo formato, mas pode pôr em risco o setor, que, apesar de ser incipiente, cresceu 89% em 2020, segundo a Nielsen, empresa americana especializada em pesquisa de mercado editorial.


"As pessoas sabem pouco sobre o quão prejudicial é a pirataria. Prejudica não só uma grande empresa internacional, mas toda uma cadeia de trabalhadores", afirma Palme. "Com o prejuízo, a tendência é que menos obras sejam produzidas."


Ao se tornarem cientes da prática, a Storytel, a Intrínseca, de "Percy Jackson", e a Rocco, que tem outras obras pirateadas além de "Harry Potter", afirmaram que vão acionar seus departamentos jurídicos e pedir às plataformas a remoção do material.


No entanto, nada talvez possa ser feito quanto às histórias do menino bruxo, as campeãs de pirataria, já que os direitos pertencem ao Pottermore, uma empresa da autora J. K. Rowling, que diz monitorar a pirataria, mas não detalha o que faz para contê-la.

Até alguma decisão ser tomada, os audiolivros piratas fazem aniversário no ranking dos podcasts mais ouvidos do país. Os de "Harry Potter", por exemplo, já estão por lá há mais de ano, enquanto os de outras obras, inclusive as que estão sendo lançadas agora, estreiam nas plataformas semanalmente.


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