O filósofo alemão Theodor Adorno disse certa vez que fazer poesia depois de Aushwitz é um ato de barbárie. Certamente teria gostado de “A Zona de Interesse”, um dos raros, raríssimos filmes mais prosaicos sobre o Holocausto.
Não há nenhum traço visual de violência ou sofrimento ou dor em suas imagens. Não há explicitude. Mas da mesma forma, sem dúvida, é um dos mais angustiantes e assustadores.
É protagonizado pela numerosa família Höss, que vive numa magnífica casa com jardim no bucólico campo polaco, o que também é muito prático para eles. Do outro lado de um dos muros que o delimitam, ocorre o pior genocídio já orquestrado, e o patriarca da prole é o responsável por supervisioná-lo.
Leia mais:
Peões choram e fazem suposições após saída de Raquel Brito em A Fazenda 16
SBT comunica que não foi notificado de quebra contratual de Cléber Machado
Raquel Brito é eliminada de A Fazenda 16 por recomendação médica
Novo filme de Pedro Almodóvar estreia em outubro
A ideia de recriar uma família pequeno-burguesa alemã que vive idilicamente com os filhos numa casa quase parede e meia a um campo de extermínio (o canto dos pássaros no início) vai ao encontro do conceito de Hanna Arendt de banalizar o Holocausto de forma profissional e burocrática, alheio a qualquer questão ética ou moral.
Quando o comandante de Auschwitz, Rudolf Höss, recebe a visita de dois colegas com planos que explicam como tornar os fornos crematórios mais funcionais, ou seja, obter maior produtividade para maior eficiência, é um sinal de que os seus responsáveis viam os campos como um interesse industrial.
Glazer utiliza um esquema formal austero e rigoroso para oferecer um retrato fragmentado da vida familiar. Os Höss vão ao rio tomar banho. O pai lê uma história (João e Maria) para as filhas na cama. A mãe cuida das flores, que de vez em quando aparecem manchadas de cinzas. Ele discute com alguns empresários o projeto de um novo crematório. Ela distribui amostras de lingerie que confiscou dos prisioneiros.
Diante do espelho prova o batom e o casaco de pele de alguma judia. O casal conversa sobre o spa que visitaram na Itália, fazendo promessas de voltar um dia. Ao fundo, ouvem-se com frequencia gritos e tiros, o som da maquinaria da morte. “Nossa vida de sonho é uma realidade”, diz ela. Justapostas, essas cenas resultam em uma obra que não é apenas incrivelmente destemida e provocativa, mas também muito urgente.
A REPRESENTAÇÃO DO HOLOCAUSTO
A questão Holocausto é ferida que se estende por décadas e continua a sangrar até hoje. Em 1945, quando a Segunda Guerra Mundial estava prestes a terminar, o exército de libertação entrou em vários campos de concentração e extermínio nazis. A situação é tão devastadora quanto indescritível.
Por que então o filme de Glazer começa com o som suave dos pássaros? Os pássaros cantaram em Auschwitz ? A grande questão, depois de tornar visível para o mundo um extermínio realizado com precisão, era discutir como o irrepresentável poderia ser representado, já que todas as imagens e registros de arquivo eram posteriores aos acontecimentos. Estamos atrasados, citou Godard.
As imagens de arquivo e algumas gravações evidenciavam o que acontecia apenas em alguns campos; porém, no que diz respeito ao filosófico, artístico e cultural, abriu-se um debate estético e ético quanto à sua representação.
Leia a reportagem completa na FOLHA DE LONDRINA: