O presidente substituto da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Ivo Bucaresky, disse que a agência estuda reclassificar o canabidiol como medicamento. Ele explicou que levantamentos de estudos científicos feitos pela Anvisa mostram que "não há evidência na literatura [científica] que ele causa dependência ou que deixe as pessoas 'doidonas'", disse. O canabidiol é uma substância, presente na folha da maconha (Cannabis sativa), que é usada para tratamento de doenças neurológicas, câncer, mal de Parkinson, entre outras.
"Por ser um derivado da cannabis, o canadibiol estava incluso na Lista E, que é a lista de plantas que podem originar substâncias entorpecentes e psicotrópicas, e na Lista F, que são substâncias de uso proscrito no Brasil, de entorpecentes e psicotrópicos", disse Bucaresky. Caso seja reclassificado, ele vai para a "Lista C1, que é uma lista de [remédios] controlados que envolve uma série de medicamentos, sejam medicamentos de grande grau de risco e, por isso, têm que ter controle, sejam medicamentos novos, que têm que ir testando". Segundo o Bucaresky, a reclassificação promete facilitar a importação da substância por pessoas jurídicas e para pesquisas científicas.
Desde abril deste ano, a Anvisa recebeu mais de 200 pedidos para importação do canabidiol. Segundo Bucaresky, dos pedidos, 184 foram liberados e os demais aguardam análise. Bucaresky falou hoje (18) em audiência pública na Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados. Ainda segundo ele, o deferimento dos pedidos está ocorrendo em até nove dias.
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Durante a audiência, pesquisadores defenderam o uso medicinal da substância. A legislação brasileira considera ilegal a importação do canabidiol, mas, recentemente, após uma família ter obtido na Justiça o direito de importar a substância, a Anvisa passou a liberar a importação após análise caso a caso.
Pais de Anny, Katiele e Noberto Fisher, ficaram conhecidos no país, após a Justiça conceder, em abril, a autorização para a importação do canabidiol. A criança, com 5 anos, sofre de uma rara doença chamada síndrome de Rett CDKL5, que chegou a causar cerca 60 crises convulsivas em um único dia.
"Ela foi um bebê superplanejado, nós planejamos essa gravidez desde que nasceu a nossa primeira filha. Eu estava com ela no colo quando teve a primeira convulsão. Com 3 anos, ela conseguiu andar, mas em decorrência da síndrome, em quatro meses ela perdeu tudo o que ela tinha conseguido em três anos", disse Katiele durante a audiência. Após ter o conhecimento da substância, os pais de Anny chegaram a "traficar" a substância para medicar a filha. "O que ela perdeu nesse período, o canabidiol recuperou em nove semanas", disse Katiele.
Durante a audiência, pesquisadores defenderam a reclassificação do canabidiol por parte da Anvisa. Segundo eles, o uso medicinal da substância tem efeitos positivos relevantes em pacientes com autismo, esclerose múltipla, dores neuropáticas, câncer, epilepsia, mal de Parkinson e não causa efeitos psicoativos ou dependência. "Reclassificar o canabidiol, tirando da condição de substância proscrita, é imprescindível", disse o professor da Universidade de Brasília (UnB), Renato Malcher, que disse que desde 1843 há registros do uso medicinal da cannabis em pacientes com crises convulsivas.
Segundo o professor e pesquisador da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Elisaldo Carlini, o efeito positivo do canabidiol é reconhecido há pelo menos 20 anos em países como Estados Unidos, Canadá e também no Reino Unido. Há mais de 50 anos ele acompanha pesquisas com canabinoides (substâncias extraídas da maconha). "Por que é tão difícil conseguir um medicamento que há 20 anos muitos países já estão utilizando, muitos laboratórios já estão produzindo?", questionou o pesquisador, que foi duas vezes presidente da Anvisa. "Mesmo estando lá, a gente não conseguia fazer nada, dada a pressão que existia sobre isso".
Ainda de acordo com Carlini, a proibição da utilização medicinal do canabidiol tem atrapalhado as pesquisas científicas no país. Há 40 anos, ele começou a estudar o uso da substância com doentes epiléticos adultos, mas as dificuldades em conseguir a liberação da substância afetaram sua pesquisa.
Para Carlini, caso não houvesse a proibição, as descobertas relatadas em outros países poderiam ter sido feitas no Brasil. "[Com este atraso,] nós estamos, como cientistas, atrás de saber se o cavalo tem rabo ou não", reclamou. O presidente da Anvisa também reconheceu que a carência de pesquisas científicas interfere no uso do canabidiol em diversos tipos de tratamento. "As pessoas não sabem a dosagem correta para dar e tem que ficar testando", disse.