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Brasil pode ter apagão de dados sobre fatores de risco para a saúde

Ana Bottallo - Folhapress
06 jul 2021 às 09:46
- Pixabay
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Além das mais de 524 mil vidas perdidas pela doença do coronavírus, do desemprego alarmante e da queda de quase 50% nas consultas de atenção primária, a pandemia da Covid pode trazer ainda falhas no sistema de informação do Ministério da Saúde sobre fatores de risco para a saúde e, assim, levar a um apagão desse tipo de dado de 2019 a 2021.

Isso porque o Vigitel (Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico) 2020, uma das pesquisas realizadas pelo Ministério da Saúde para colher informações sobre a saúde da população, incluindo consumo de bebidas alcóolicas e de cigarro, não foi divulgado até agora. Tampouco foi fechado contrato para a pesquisa de 2021 até o momento.

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A pesquisa, criada em 2006, tem como objetivo indicar os principais fatores de risco para as doenças crônicas não transmissíveis (NCDs, na sigla em inglês) a partir do perfil da população brasileira nos 26 estados e no Distrito Federal, traçado por meio de entrevistas telefônicas.

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Sua relevância é, principalmente, na formulação de políticas públicas de combate ao tabagismo, ao consumo excessivo de álcool, à falta de atividade física e à desnutrição, além de ajudar a avaliar o avanço do país no Plano de Ações Global para a Prevenção e Controle das NCDs, da OMS (Organização Mundial da Saúde).

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Com a previsão de entrevistar mais de 27 mil pessoas até junho do ano passado, a última edição, cujos resultados ainda não foram divulgados, conseguiu ouvir apenas metade do esperado, de janeiro a abril, em um período em que a pandemia ainda estava no começo no país -sem refletir, assim, a mudança drástica comportamental dos brasileiros no último ano.


Para Deborah Malta, pesquisadora e professora da Escola de Enfermagem da UFMG e ex-coordenadora do Vigitel de 2006 a 2015, a falta da pesquisa referente a 2020 deixa um vazio de informações de saúde da população no período da quarentena por parte do poder público.

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Malta diz que durante os anos que coordenou o programa, as licitações feitas com as empresas contratadas para realizar os inquéritos telefônicos duravam cinco anos, e que ao sair, em 2015, sua equipe deixou pronta a licitação para realização de 2015 a abril de 2020, mas que em 2020 era esperado um novo contrato.


"Fazer uma licitação demanda tempo e organização, porque é preciso lançar o plano de ação e o edital com pelo menos um ano de antecedência. Normalmente, o preço da pesquisa era mantido nos editais com o ajuste da inflação. O que ocorreu em 2019 foi que o Ministério lançou o edital com o preço unitário de pesquisa em um valor 80% menor do que o gasto no ano anterior, inviabilizando a realização da pesquisa", afirma. "Ou seja, a licitação ou não ia ter concorrentes, porque era impossível realizar com esse valor, ou ia levar uma empresa que não pudesse realizar e o contrato seria cancelado. E foi isso que ocorreu."

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Malta e outros pesquisadores da UFMG, Fiocruz e Unicamp se uniram para realizar uma pesquisa virtual sobre os comportamentos da população adulta durante a pandemia. De abril a maio de 2020, foram ouvidas cerca de 45 mil pessoas com mais de 18 anos.


Dados do estudo divulgado ainda em 2020 apontaram que mais de um terço dos fumantes aumentou o consumo de cigarros durante a pandemia. O consumo de álcool também apresentou aumento de 18%.

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"Todos os indicadores de NCDs tiveram piora: aumentou o consumo de cigarro e de álcool, reduziu-se a atividade física pela metade, aumentou o sedentarismo, alimentação também piorou... O que nos dá uma perspectiva muito ruim para as doenças crônicas nos próximos anos", afirma a pesquisadora.


Ser portador de doenças crônicas não transmissíveis, como diabetes, obesidade e hipertensão, é considerado um fator de risco para doenças infecciosas, como a Covid. Por essa razão, colher esses dados seria essencial até mesmo para a pasta programar e avaliar as medidas de prevenção nesse grupo para a condução da própria pandemia.

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Segundo apurou a reportagem, o Ministério da Saúde buscou um acordo com a Opas (Organização Pan-Americana de Saúde, braço da OMS nas Américas) para realizar o Vigitel 2021, mas esse contrato ainda não foi firmado.


Em nota enviada à reportagem, a pasta da saúde diz que os dados do Vigitel 2020 estão em processo final para publicação e se encontram disponíveis no site do Ministério da Saúde para análise técnica e consulta de gestores e especialistas da área.

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Em relação à edição de 2021, a pasta informou que um novo processo de licitação está em andamento, mas não deu detalhes. Afirmou também que "o Ministério da Saúde compromete-se a manter a série histórica da pesquisa e dotar o país de informações relevantes para a prevenção e controle de doenças crônicas não transmissíveis e seus fatores de risco na população".


Além do Vigitel, o ministério realiza a cada três anos uma pesquisa chamada Viva (Vigilância de Acidentes e Violências), com dados das unidades de pronto atendimento (UPAs) e PenSe (Pesquisa Nacional de Saúde Escolar). A última pesquisa Viva foi feita em 2017, e não foi realizada a edição em 2020.


"A nossa pesquisa apontou que as pessoas pararam de se consultar e de procurar serviços de saúde, exames, até cirurgias programadas foram reduzidas. Ocorreu ainda aumento do desemprego e redução da renda. Outras pesquisas apontaram o aumento da insegurança alimentar das famílias. E esse cenário é muito ruim para o país."


A Pesquisa Nacional de Demografia em Saúde, coordenada pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, que colhe dados de crianças e mães a cada dez anos, também está atrasada e não é realizada desde 2006. "Perdemos aí informações importantes sobre crescimento e desenvolvimento, monitoramento de indicadores das crianças e dos jovens, desnutrição e obesidade", diz.


Em contrapartida, o IBGE realizou no último ano a Pnad-Covid-19, que trouxe informações importantes, principalmente sobre desemprego e perda do poder aquisitivo durante a pandemia. Para Malta, firmar parcerias com o IBGE para outras pesquisas seria uma forma de manter os estudos sobre agravos de saúde, violência e fatores de risco para NCDs nos próximos anos.

"As pesquisas de indicadores de saúde precisam de sustentabilidade e planejamento a longo prazo. Espero que em breve isso seja reparado para o Brasil não perder essa informação valiosa", diz.


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