Evidências indicam que as clínicas clandestinas de aborto ainda existem no Paraná. E continuam ativas. Porém, de acordo com especialistas ouvidos pela Folha, adolescentes e mulheres que optam por interromper uma gravidez estão recorrendo cada vez mais a medicamentos à base da substância misoprostol, que só podem ser comercializados no Brasil de forma especial, com uso restrito a estabelecimentos hospitalares devidamente cadastrados nas entidades sanitárias.
O mais conhecido desses medicamentos é o Cytotec, originalmente produzido para prevenção de úlcera gástrica e duodenal, mas que age sobre a musculatura uterina estimulando a contração.
Em todo o Estado, comerciantes informais faturam revendendo o medicamento que pode ser adquirido com extrema facilidade no Paraguai. Conforme comprovou reportagem da Folha, uma cartela com dez comprimidos sai por R$ 70 em Ciudad Del Este. Em Londrina, quatro comprimidos chegam a custar R$ 300.
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A prova do estrago que faz o Cytotec aparece nas estatísticas. Há quatro anos, Foz do Iguaçu figura em segundo lugar - perdendo somente para Curitiba e superando outros municípios mais populosos como Londrina e Maringá - no número de curetagens - procedimentos feitos após aborto espontâneo ou induzido - em hospitais. Só em 2009 foram 444 procedimentos desse tipo na cidade da fronteira.
Segundo o diretor clínico do Hospital e Maternidade Cataratas, Carlos Alberto Araújo, um dos motivos seria a facilidade das mulheres em comprar o medicamento do outro lado da Ponte da Amizade.
‘Se em outros municípios já é fácil conseguir o medicamento, aqui se torna ainda mais fácil. Temos também o grande número de brasiguaias -brasileiras que moram no Paraguai - que vêm buscar atendimento’, acrescenta o médico. A grande procura é de mulheres com faixa etária até 30 anos de idade ‘principalmente a de garotas que não tomam precaução contra a gravidez.’
Araújo estima que, do total de curetagens realizadas, 20% a 30% seja decorrente de abortos provocados. ‘É muito difícil identificar quando as mulheres induzem o aborto, e se torna ainda mais complicado com o uso do Cytotec, já que quase não deixa vestígios. A não ser que encontremos um comprimido na cavidade vaginal. Contudo, o índice não deixa de ser grande.’
Comercialização livre no Paraguai
O comércio de medicamentos abortivos, notadamente o Cytotec, no Paraguai acontece como o de qualquer outro produto - lícito e ilícito - nas ruas, becos e vielas entre as barracas de camelôs de Ciudad Del Este. Da mesma forma que disputam e praticamente obrigam os visitantes a comprarem todo tipo de quinquilharias, os ambulantes também oferecem os remédios e até ensinam como usá-los.
Na última semana, a Folha visitou o país vizinho. Há poucos metros da aduana paraguaia, um entregador de panfletos de lojas de eletrônicos se aproximou com a intenção de atrair mais um cliente. Diante da recusa por aquele tipo de mercadoria, ele se adiantou: ''O que está procurando? O que quer? Fala que eu arrumo?'' Ao ouvir que estávamos à procura do abortivo, ele fez sinal com a cabeça e indicou para segui-lo.
Alguns metros adiante, na porta de um dos shoppings mais visitados de Ciudad Del Este, ele inquiriu um outro ambulante que vendia meias. O homem pegou uma sacola numa floreira da entrada lateral do shopping e passou para o colega paraguaio, que indicou para que o seguíssemos até uma praça próxima. ''Quantos precisa?''
A reportagem comprou uma cartela com dez comprimidos por R$ 70 (cerca de US$ 40). Questionado sobre os riscos, ele alertou que era preciso tomar um comprimido. Caso não surtisse efeito, era para aguardar 24 horas e tomar outro. E emendou: ''leva uma caixa com 30 e faço por US$ 100 para você''. Diante da recusa, virou as costas e desapareceu em meio à multidão. Toda a negociação durou cinco minutos.
A compra do medicamento foi feita a poucos metros de policiais fardados. Na aduana, tanto paraguaia quanto brasileira, a fiscalização não ofereceu qualquer tipo de dificuldade para ingressar no Brasil com uma cartela de abortivo.
Encomendas pela internet
Comprar o medicamento Cytotec pessoalmente pode ter ficado mais difícil nas grandes cidades devido ao aumento de fiscalização. No entanto, qualquer um com acesso à internet consegue, com uma pesquisa simples, encontrar vendedores do medicamento proibido no Brasil pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) desde 1998.
Os anúncios são encontrados principalmente em sites de classificados gratuitos. A negociação acontece por e-mail ou em programas de bate-papo on-line. O vendedor não se identifica totalmente nem informa de onde é.
Também é possível encontrar sites com informações e orientações sobre procedimentos de aborto. Em um deles, de uma vendedora do Cytotec, ''clientes'' deixam depoimentos sobre o processo. Além de agradecerem a ''ajuda'', muitas informam que pretendem recomendar o serviço para amigas.
Algumas chegam até a relatar a experiência: ''Fiz conforme as instruções e duas horas depois já estava sangrando, mesmo assim, introduzi os outros dois. Umas cinco horas depois, comecei a sentir dores fortes, mas tomei um 'buscopan' e a dor passou e não voltou mais. Fui ao médico e já pedi uma ecografia''.
Outro site, de uma organização sediada na Holanda, mas com versão em português, oferece consulta on-line. O processo, supostamente, seria acompanhado por um médico. Após responder uma série de perguntas sobre o estado de saúde, a gravidez e o psicológico, a ''paciente'' é informada que receberá os comprimidos por uma doação de 70 euros.
Sem se identificar, os administradores do site informam ser um ''serviço de aborto médico exclusivo para mulheres que vivem em países onde não existem serviços de aborto seguros''. (Marian Trigueiros, Wilhian Santin e Luciano Augusto/Folha de Londrina)