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Durante pandemia de Covid-19, cardiologista aplica método antifumo que associa medicação a 'castigo'

31 mai 2021 às 11:18


Fumar desacompanhado, em pé, olhando para a parede, longe de celular e TV e até mesmo de comidas e bebidas pode auxiliar o paciente a largar de vez o cigarro.

A técnica, denominada "fumar de castigo", que associa a incorporação dos comportamentos acima à medicação, foi testada na telemedicina e apresentou bons resultados.


Criado pela médica Jaqueline Scholz, assessora científica da Socesp (Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo) e diretora do Programa de Tratamento do Tabagismo do InCor (Instituto do Coração) do Hospital das Clínicas de São Paulo, consiste em liberar o paciente para fumar quando tiver vontade a partir do oitavo dia de uso da vareniclina [que bloqueia o prazer de fumar], desde que cumpra algumas regras rígidas.


"É uma forma de dissociar o ato de fumar com atividades prazerosas, sem a presença de qualquer gatilho que motive o vício. Se a pessoa não tiver apta, preparada, motivada a querer parar de fumar que pelo menos não aumente o consumo. Já é uma grande coisa", explica Scholz.


A partir de 15 de março de 2020, os pacientes que buscaram o programa para abandonar o vício puderam optar pelo tratamento à distância ou presencial, no ambulatório. A única diferença entre a teleconsulta e o atendimento remoto foi a impossibilidade de medir o monóxido de carbono.


Os resultados apontaram para uma taxa de sucesso de 63,6% no grupo presencial, em que prevaleceu idade mais avançada, e de 71,4% no online, com maioria jovem.


Entre os que iniciaram o processo, mas não conseguiram parar de fumar, a taxa foi 9% no presencial e 14% no remoto.
Dos que largaram o cigarro, mas recaíram antes de completar 52 semanas 27% tiveram atendimento presencial, no consultório, e 14% de forma online.


"Se uma criança faz alguma coisa errada, os pais a mandam para o cantinho do castigo pensar no que fez. Não é assim? Foi a forma que encontrei para os fumantes perceberem o que estavam fazendo, porque quando você está sentado tomando uma cerveja ou um café, mexendo no celular ou no computador, ou dirigindo seu carro é automático, ou seja, você não percebe que está fumando", diz a médica.


"Quando eu pedia para o paciente fumar olhando para a parede, ele perdia o atrativo e prestava atenção no que estava fazendo. Além disso, sob efeito de medicação, as pessoas não sentiam necessidade de fumar. A vontade vinha por uma lembrança cognitiva, afetiva ou comportamental, mas não por um desejo", explica.


O assunto foi discutido no Congresso da American Heart Association e terá estes resultados apresentados no 41º Congresso da Socesp, entre 10 e 12 de junho.


Para a especialista, a pandemia serviu como alavanca para um processo de motivação para quem queria parar de fumar.


"Quem aderiu ao tratamento percebeu o controle sob o desejo de fumar e soube lidar com a lembrança. É um novo paradigma. Esperamos que outros médicos possam adotar essa técnica. O método pode ser aplicado para quem quer parar definitivamente com o vício ou apenas controlá-lo durante a pandemia.


Segundo dados divulgados pela Fiocruz em 2020, 34,3% dos fumantes brasileiros aumentaram o consumo de cigarros durante a pandemia de Covid-19, 12% afirmaram fumar menos e para 54% não houve alteração no hábito.


O sentimento de isolamento, a tristeza, a depressão, a ansiedade, o medo, a pior qualidade de sono e a perda de rendimentos foram algumas das justificativas para este acréscimo.


Na Itália, o tabagismo cresceu 9,1%, desde o início da pandemia. "Historicamente, tanto na Itália como nos Estados Unidos há comprovações de maior consumo de cigarro durante recessões econômicas, atribuídas a problemas financeiros e de desemprego", explica.


Na Austrália, cuja prevalência de fumantes é de 11% –no Brasil é 12%–, o aumento entre aqueles que já fumam foi de 6,9%.
Se infectado pelo coronavírus, quem fuma tem o dobro de chance do agravamento do quadro clínico e de necessitar de intubação. O cigarro inflama as mucosas das vias aéreas e prejudica os mecanismos de defesa do corpo, transformando o fumante num alvo fácil para infecções.


Ele fica mais suscetível a desenvolver doenças cardíacas e pulmonares, que estão entre os principais fatores de risco associados a mortalidade pelo coronavírus.


Mesmo com todas as ameaças à saúde o cigarro ainda é mais atraente do que as complicações e o risco de morte.


"Aí que entra o poder das drogas psicoativas, da nicotina. Por mais consciência que o indivíduo tenha, quando está diante de uma dependência não existe livre-arbítrio. É a própria demanda psíquica dele, em função de tudo: medo, desespero, questões financeiras...A pandemia não trouxe só a Covid-19, mas várias outras situações ruins para a sociedade como um todo."
Para Ana Lucia Martins, coordenadora do serviço de psicologia do hospital Albert Einstein, o cigarro é a principal válvula de escape fácil e acessível para quem já tinha o hábito de fumar ou convivia com tabagista desde o início do distanciamento social.


"Quem deixou de fumar e recaiu deve se perguntar o motivo. Se já fuma deve identificar em quais momentos aumenta esse consumo. Uma alternativa é tentar uma negociação consigo –vou esperar mais dez minutos, mais meia hora–, estabelecer um número de cigarros e distribuí-los ao longo do dia", orienta Martins.


Tabagismo em números De acordo com o Inca (Instituto Nacional do Câncer), o tabagismo e a exposição passiva ao cigarro são responsáveis por 428 mortes diárias no Brasil e aproximadamente 156 mil óbitos anuais.


O tabagismo ativo e passivo são os principais fatores de risco para o desenvolvimento do câncer de pulmão.


Para o Brasil, estimam-se, para cada ano do triênio 2020-2022, 17.760 casos novos de câncer de pulmão em homens e 12.440 em mulheres. Esses valores correspondem a um risco estimado de 16,99 casos novos a cada 100 mil homens e 11,56 para cada 100 mil mulheres.


O número de casos novos de câncer da cavidade oral esperados para o Brasil, a cada ano do mesmo triênio será de 11.180 casos em homens e de 4.010 em mulheres. Esses valores correspondem a um risco estimado de 10,69 casos novos a cada 100 mil homens, ocupando a quinta posição. Para as mulheres, corresponde a 3,71 para cada 100 mil mulheres, sendo a décima-terceira mais frequente entre todos os cânceres.

Em 2020, o tabagismo foi responsável por pelo menos161.853 mortes, 444.953 novos casos de doenças cardíacas, 433.729 novos casos de DPOC, 52.737 AVCs, 40.261 novos diagnósticos de outros cânceres e 26.126 novos diagnósticos de câncer de pulmão.


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