Um relatório desenvolvido por organizações de saúde (OPAS/MS, UNICEF E UNFPA), divulgado em 2018, aponta que a taxa brasileira de gravidez na adolescência é de 68,4 nascimentos para cada 1.000 adolescentes. Esse número coloca o Brasil no topo do ranking quando falamos sobre meninas que se tornam mães precocemente na América Latina. No panorama mundial, nosso país está em segundo lugar. Apenas a África supera nossas estatísticas nesse quesito.
Para tentar reverter esse quadro, o novo Estatuto da Criança e do Adolescente (artigo 8º A) inclui a Lei nº 13.798, sancionada em janeiro desde 2019, que prevê a realização da Semana Nacional de Prevenção da Gravidez na Adolescência. Nesta ocasião, deverão ser realizadas atividades de caráter preventivo e educativo, desenvolvidas em conjunto com o poder público e organizações da sociedade civil para disseminar informações que contribuam para a redução da gravidez precoce no Brasil. Desde o ano passado, o dia 1 de fevereiro foi escolhido para dar início à Semana Nacional de Prevenção da Gravidez na Adolescência.
A especialista em sexualidade, a psiquiatra Alessandra Diehl, apoia a iniciativa e acredita que as políticas públicas voltadas para a prevenção são o principal método para diminuir os índices de adolescentes grávidas. No hall das políticas públicas, a educação sexual é a principal ferramenta para que os jovens tenham um comportamento sexual com responsabilidade e segurança, segundo ela.
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"Estudos apontam que a promoção de uma educação sexual compreensiva, inclusiva e amigável é a melhor forma para reduzir as estatísticas que permeiam as adolescentes grávidas. A informação continua sendo o pilar de sustentação de programas, ou seja, de ações continuadas que visam a prevenção, mostrando que a relação sexual deve ser um ato responsável. Não adianta falar para os jovens não transarem, pregar a abstinência e acreditar que eles vão obedecer a essa ordem. Eles precisam, sobretudo, conhecer as formas de prevenção, para que a iniciação sexual seja feita de forma segura e autônoma”, afirma Alessandra.
Ela acrescenta ainda que pesquisas apontam que os jovens que recebem educação sexual postergam a primeira vez. Já aqueles que vivem sem informações de qualidade acabam tendo taxas mais altas de iniciação precoce, bem como de comportamentos sexuais não seguros. "Por isso, investir em políticas públicas que ofereçam conhecimento para que esse público crie consciência das consequências do sexo sem proteção, é de fundamental importância”, enfatiza a psiquiatra.
Educadores e profissionais da saúde estão na linha de frente da prevenção na África
A psiquiatra cita experiências bem-sucedidas realizadas em outros países que usaram a educação sexual como antídoto para evitar a gravidez precoce. Em Gana, um país pobre da África, pesquisas constataram que a prevenção da gravidez na adolescência deve ser um compromisso político, realizado em união entre a classe que atua na saúde pública, pais, educadores e campanhas midiáticas.
Tais estudos procuram determinar a influência do acesso a informações e serviços de prevenção da gravidez na adolescência no município de Komenda-Edina-Eguafo-Abrem (KEEA), na região central de Gana. Os pesquisadores mapearam adolescentes do sexo feminino com idade entre 15 e 19 anos no município. Os resultados das análises bivariada e multivariada revelaram que as adolescentes não grávidas tiveram duas vezes mais chances de ter acesso a informações sobre prevenção da gravidez por profissionais de saúde em comparação com adolescentes grávidas. Além disso, as adolescentes não grávidas tiveram duas vezes mais chances de receber informações sobre prevenção da gravidez na escola em comparação com as adolescentes grávidas.
O estudo desvenda ainda outra informação importante, que mostra o enfraquecimento da mídia quando o assunto é a educação sexual: as adolescentes grávidas tiveram cinco vezes mais chances de ter acesso à informação sobre essa temática nos veículos de comunicação, em relação as não-grávidas. "Fica aqui nosso questionamento para as autoridades: há algum embasamento científico que norteia as campanhas publicitárias que sugerem a abstinência sexual como solução para as adoelscentes que não desejam ficar grávidas?”, diz Alessandra Diehl.
A psiquiatra se refere à campanha desenvolvida pelo Ministério da Família e dos Direitos Humanos, em parceria com o Ministério da Saúde, que prega a abstinência sexual entre os adolescentes. As peças publicitárias, que seriam veiculadas nesse mês de fevereiro, iriam fazer parte das ações realizadas na Semana Nacional de Prevenção da Gravidez na Adolescência e também cairiam como uma luva, na visão das autoridades competentes, para chamar a atenção desse público durante o Carnaval.
"Apenas o caminho da proibição, definitivamente, não é a melhor escolha para reduzir as taxas de gravidez na adolescência. Fomentar a abstinência sexual com estratégia única de prevenção e promoção de saúde é uma medida ingênua e perigosa. É na adolescência, com as transformações do corpo e os hormônios à flor da pele, que começam a aparecer os primeiros desejos sexuais e em geral , as primeiras experiências sexuais. Por isso, precisamos quebrar esse tabu e conversar com esse público sobre a sexualidade para que cada jovem possa de forma responsável escolher como, onde e quando vão iniciar sua vida sexual, inclusive, respeitar quem desejar não iniciá-la nesta fase da vida” salienta Alessandra.
Políticas públicas precisam se adequar à realidade
Voltando ao estudo africano, as conclusões dos cientistas é de que é necessário investir em políticas públicas para incentivar o treinamento específico de profissionais de saúde. Outro ponto levantado por eles é a necessidade de redesenhar as instalações de saúde. A ideia é promover um ambiente de trabalho mais amigável para o usuário adolescente, com melhorias no designer da estrutura para tornar o local mais acolhedor, privativo e confidencial para o atendimento a esse público.
Os programas de divulgação na mídia também precisam ser refeitos e devem combinar outros eventos de nível comunitário, como discussões em grupos focais, que permitem o aprendizado participativo nas escolas, por exemplo.
Na Colômbia, alías, foram ações realizadas dentro da sala de aula que diminuíram os casos de gravidez na adolescência. A capital Bogotá, com sete milhões de habitantes, conseguiu reduzir em quatro anos (2014-2018) de 417 nascimentos anuais de mães de 10 a 14 anos a 274, e de 16.747 mulheres de 15 a 19 anos a 10.675. O resultado positivo é fruto do trabalho comandado pelo professor Luis Miguel Bermúdez, que se doutorou com uma tese sobre o assunto.
Na sequência, ele colocou o estudo em prática e incluiu a educação sexual no programa do colégio Gerardo Paredes, em um bairro problemático de Bogotá, que tinha um panorama desolador. Em média, 70 adolescentes, sem conhecimento sobre sexo, viam seu futuro travado por uma gravidez não desejada, fruto, muitas vezes, de uma relação violenta – a educação sexual é também, um bom remédio para diminuir casos de estupro. O autor da iniciativa enumera as melhorias no colégio: com menos gravidezes a evasão escolar diminuiu, menos garotas trabalham e a convivência melhorou. O modelo do professor colombiano foi exportado para países como a Espanha.