Uma pesquisa realizada no interior paulista constatou uma prevalência de automedicação entre crianças e jovens. A partir de entrevistas feitas nas zonas urbanas dos municípios de Limeira e Piracicaba, foi constatado que 56,6% de crianças e adolescentes consumiam remédios sem prescrição médica.
Segundo o estudo, os maiores responsáveis pela automedicação e indutores seriam as mães (51%) e funcionários de farmácias (20,1%). O objetivo do trabalho foi identificar a prevalência e o uso de automedicação em comparação com indivíduos da mesma faixa etária que consumiram medicamentos com prescrição médica.
De acordo com Fábio Bucaretchi, professor do Departamento de Pediatria da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e orientador da tese de doutorado de Francis Tourinho Pereira que deu origem à pesquisa, um dos aspectos que chamaram a atenção foi a constatação do alto consumo de antiinflamatórios não-hormonais nesse grupo etário.
"É um fato preocupante diante dos riscos associados ao consumo desses medicamentos. E esse alto consumo decorreu não somente da automedicação, mas também da prescrição médica, que é 3,6 vezes maior do que na Holanda, por exemplo", afirmou Bucaretchi.
O estudo, publicado no Jornal de Pediatria, considerou uma amostra aleatória de 772 moradores procedentes de 85 áreas censitárias. Os participantes foram divididos em dois grupos: os que se automedicavam e os que consumiam medicamentos sob prescrição médica.
Segundo Francis Tourinho Pereira, professora do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Santana Catarina (UFSC), que desenvolve pesquisa de doutorado no Departamento de Pediatria da Unicamp, o consumo de medicamentos por conta própria é considerado um indicador indireto de qualidade dos serviços de saúde.
"A automedicação pode levar ao aparecimento de diversas enfermidades de conseqüências iatrogênicas [que causa danos em decorrência de procedimentos cirúrgicos ou terapêuticos], como resistência bacteriana, reações de hipersensibilidade, dependência, sintomas de abstinência", disse Francis.
A automedicação pode levar também ao mascaramento de sintomas de doenças em evolução, atrasando o diagnóstico e tratamento corretos, além de oferecer risco para o uso de doses tóxicas. "É um problema de saúde pública com necessidade de prevenção", afirmou.
Os resultados apontaram prevalência de automedicação de 56,6% entre os entrevistados que consumiram medicamentos nos últimos 15 dias. As principais situações que motivaram a automedicação foram tosse, resfriado comum, gripe, congestão nasal ou broncoespasmo (17,2%), seguido de febre (15%), cefaléia (14%), diarréia, má digestão e cólica abdominal com 9%.
A pesquisadora cita como fatores que influenciam o uso da automedicação a grande disponibilidade de medicamentos, a publicidade indiscriminada, a qualidade da assistência de saúde, a dificuldade de acesso aos serviços e a venda livre de medicamentos nas farmácias.
"O medicamento é visto como símbolo da recuperação e obtenção de saúde. Mas vale ressaltar que a automedicação apresenta alta prevalência no Brasil e em todo o mundo", explicou Francis.
O levantamento destacou que os medicamentos ingeridos sem prescrição médica foram indicados pela mãe (51% dos casos) e pelos pais (7,8%). Os funcionários de farmácia se destacam como principais indutores. Cerca de 20,1% dos entrevistados disseram ter ingerido medicamentos sugeridos pelos farmacêuticos e 15,3% consumiram medicamentos a partir de prescrições médicas antigas. Mas, para surpresa dos pesquisadores, somente 1,8% disseram ter ingerido medicamentos por influência da mídia.
"Achamos que esse dado não retrate a realidade. Muitas vezes as pessoas não percebem a influência da publicidade no seu dia-a-dia. As propagandas de medicamentos muitas vezes só trazem informações gerais, não apresentando riscos e restrições do uso dos mesmos, mostrando uma falsa realidade de segurança", disse Francis. Celso Stephan e Ricardo Cordeiro, ambos professores do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Unicamp, contribuíram nas análises estatísticas do estudo.
A pesquisa observou que a freqüência do uso de analgésicos e antipiréticos e antiiflamatórios não-hormonais foi significativamente mais elevada nos usuários de automedicação, ao passo que o uso de antibióticos sistêmicos, vitaminas e antianêmicos e antagonistas H1 da histamina foi mais elevado entre aqueles com prescrição médica.