Falando de Literatura

Eu morei lá... (Perto de Suzano) - pela psicóloga Carla Ramos

15 mar 2019 às 16:15

Morei 2 anos em Itaquá, ao lado de Suzano, cidade do massacre da escola, e quero desabafar sobre essa adolescência perversa, que existe atualmente...

Sou Psicóloga Junguiana. Professora de Teatro. Meu sonho sempre foi fazer minha parcela de contribuição social, obtive isso, quando Psicóloga Social, fui trabalhar na Zona Leste de São Paulo, o que virou o meu Pior Pesadelo! E eu, não sabia de nada, inocente! Queria fazer a diferença, quando iniciei meu trabalho na Clínica "Mais Saúde" de Itaquaquecetuba. Atendi crianças, que falavam que não queriam "pais honestos" pois o vizinho: filho de traficante, tinham uma bola, e eles não! Atendi homens que queriam deixar " de levar vantagem em tudo" o lema atual brasileiro ao conseguirem serem honestos, eram estelionatários, fazendo vários golpes, falsificando assinaturas, conseguindo laranjas pra seus negócios escusos, e assim, no pessoal, como sintoma de seus atos virados em hábitos, não mais conseguiam falar a verdade, não eram mais honestos nem, a si mesmos. Atendi mulheres que sofriam abusos diários: psicologicos quando não físicos, que justificavam sua submissão se acomodando: "é o jeitão dele mesmo, Doutora!". Crianças com PC (Paralisia Cerebral) que ao investigar, ocorria no único hospital da cidade, quando o mesmo médico, induzia o parto, ao inves, de fazer a cesárea indicada: ainda quando explicava isso ouvia "Mas Deus quis, Doutora!" Mas esse médico ajudou por negligência ou preguiça, né! Atendi muita maternidade precoce: meninas adolescentes grávidas, e até por abuso e violência sexual do Pai! Foi um AC e DC. Um marco em minha vida de uma Antes Carla e outra Depois Carla, que não só caiu na real como foi soterrada por ela! Socorro, sem a fantasia do sonhar, por algo melhor no futuro, a realidade nua e crua, é o nosso pior pesadelo, no pessoal e no social, também. Utilizo o plural, em meu desabafo, porque alerto a perversão que se cria em nossa sociedade atualmente... Primeiro, a violência infantil inicia-se com a alimentação oferecida à criança na infância. Quando não recebe a quantidade necessária de proteína bainha de mielina não se forma normalmente nos neurônios. E esse Ser é destinado a ter um raciocínio concreto e imediatista, feito uma criança mimada durante toda sua vida. Seres limítrofes sem pensamento abstrato que o possibilite simbolizar... Já pensou como nossa sociedade já pode estar assim? Uma sociedade limítrofe, que o pensamento concreto faz com que o Ser -todos somos humanos até que se prove o contrário!- seja guiado por impulsos primitivos agressivo e sexual de satisfação imediata! Em termos psicanalíticos: Ser Perverso! Já imaginaram como é o funcionamento dessa sociedade, atualmente? Seres adolescentes mimados com necessidades agressivas e sexuais de satisfação imediata! Feitos animalzinhos soltos por aí, sem nenhum limite interior, portanto sem possibilidade de se estabelecer a convivência social!

É o que presenciei que na Zona Leste, acontece! Adolescentes Imediatistas, alto impulso de morte expresso em sexualidade exacerbada e agressividade tanto direcionada para os outros ou para si mesmo: a auto mutilação, para no concreto físico aliviar a dor emocional, num rastro em lâmina de apontador! Para apontar o quê? A família, primeira pequena sociedade, que estabelece os limites para a convivência na grande sociedade, está sem identidade, sem demarcação própria, desconhece qual o papel social que cada um de nós exerce na família nuclear. Assim, a Criança vivendo e sobre- vivendo no formato de Grande Família - que não é o programa de TV que retrata uma família de papéis estabelecidos- mas Sim, o formato num terreno abrigar gerações diferentes, formato de habitação na Zona Leste de São Paulo. Assim, a Criança Pobre ou a Pobre Criança, como preferir, numa sessão de família na clínica psicológica, pede seis cadeiras pra receber os seus pais? Como assim questionei porém deixei a pergunta pra mim e silenciosa esperei a resposta... Primeiro senta a Avó que tirou o papel de Mãe da sua filha, impedindo essa mulher de exercer seu papel, por se qualificar mais merecedora que a filha por aquela criança que na realidade por mais que ela quisesse, não é sua filha, e sim sua neta! Assim, a mãe que a pariu, perde sua maternidade frente aquele sistema familiar doentio. E passa a ser a irmã mais velha de seu filho, a comportando como rebelde, querendo disputar a atenção de sua mãe, começa a se comportar com eterna adolescente, bebendo se drogando nas baladas da Vida. Numa cadeira reservada era pro Tio. O Tio Pai porque a irmã era rebelde sem responsabilidades, e joga a Criança pra ao invés do homem que a concebeu pro Tio ser o Pai. Aí a dinâmica fica um casal: Avó e Filho. E esse filho será destinado a ser pai de seus sobrinhos e não ter família própria por ser casado com essa mãe castradora! Socorro, como uma criança pode introjetar uma dinâmica familiar dessas? Sendo que nem eu, com anos de estudo, consegui entender ou aceitar isso? Bem, aí a Criança cresce e é o adolescente Perverso, que como não tem demarcação de sua identidade e papel social externo como pode ter limites internos?

Assim, inocentemente, fui me oferecer como Professora de Teatro que sou, a fazer Arte Terapia com todos esses Jovens de Itaquá que atendia na clínica psicológica, pois vi a necessidade dessa população de ter um espaço para sonhar com sua vida futura. Qual foi minha surpresa da dificuldade ou incapacidade de sonhar de alguns de meus alunos, pois sem conseguir chegar ao pensamento simbólico, abstrato, atingia apenas o concreto. Assim, nos meus planos de aula, comecei a adequar a necessidade de cada um, levava cartas concretas que pudessem sugerir à criação imaginativa do Ser. No Brasil, só se muda uma fechadura, quando o bandido rouba a casa! Esse é o pensamento arraigado de apenas fazer os re-mendos com o que sobrou de algo. Percebendo, a necessidade de um trabalho preventivo com esses adolescentes, que atendia de manhã na Mais Saúde e à tarde na Secretaria de Cultura, quis um horário na agenda da Secretária de Ação Social, para propor o meu projeto "Os Alquimistas do Agora" para prevenir dependência química e outros conflitos de identidade nesses jovens. Qual foi minha surpresa que ao invés de ouvir um SIM, da esposa do prefeito Mamoru. Ouvi, da Mulher que tinha a possibilidade de mudar a cultura local em suas mãos: "Porque prevenir se já temos esse problema, Doutora?" Espero que acordem, enquanto ainda há tempo. Ao saber, sobre o massacre da Escola Pública, pensei e senti de coração se fosse em Itaquaquecetuba. Eu conheceria cada um dos jovens que morreram e que se mataram, também...
Eu morei lá...

Carla Ramos é psicóloga e escritora.


Continue lendo