Em 72% dos 62 autos de resistência em que já se envolveram os PMs que arrastaram a servente Claudia Silva Ferreira, o suspeito baleado foi retirado do local do crime pelos próprios policiais (para ser levado ao hospital), mas não resistiu. Especialistas ouvidos pelo Estado dizem que a prática da polícia de socorrer feridos em trocas de tiros é uma forma de desfazer cenas de crimes e mascarar execuções. Para eles, o Estado do Rio deveria seguir o exemplo de São Paulo e proibir que feridos sejam socorridos por policiais. Conforme o Estado noticiou nesta quarta-feira, 19, nestes 62 autos de resistência, pelo menos 69 pessoas morreram em supostos confrontos com os policiais que arrastaram Claudia numa viatura da PM por ruas da zona norte do Rio. O subtenente Adir Serrano Machado tem participação em 57 destes registros, com 63 mortos. O subtenente Rodney Archanjo aparece em cinco boletins, com seis mortos. Já o sargento Alex Sandro da Silva Alves não tinha envolvimento em nenhum auto de resistência.
A quase totalidade desses registros foram feitos em delegacias da zona norte do Rio, uma das regiões mais violentas da cidade. Analisando os 62 boletins de ocorrência da Polícia Civil, o script é quase sempre o mesmo. Eles dizem que policiais realizavam operação de combate ao tráfico numa favela, foram recebidos a tiros pelos criminosos, reagiram em legítima defesa e, depois que os tiros cessaram, encontraram um suspeito ferido, caído ao chão, normalmente em posse de armas e/ou drogas. Os policiais, então, colocaram o suspeito baleado na viatura para socorrê-lo, mas a vítima morreu a caminho do hospital. "É muito grave que um policial envolvido em um número tão alto de registros de auto de resistência continue exercendo suas funções normalmente. Os autos de resistência no Brasil são uma espécie de ''licença para matar''. A não investigação e responsabilização dos casos de mortes causadas pela polícia leva a um cenário de impunidade que alimenta um ciclo de violência na atuação das polícias no País", analisou Atila Roque, diretor executivo da Anistia Internacional no Brasil.
O ativista acrescentou: "Com muita frequência as pessoas socorridas pela polícia já estavam mortas e o deslocamento da vítima para prestar socorro é apenas uma forma de desfazer a cena do crime. Em outros casos, a vítima ainda está com vida, mas morre durante o translado, muitas vezes em circunstâncias que sugerem execução sumária". Pesquisa feita pelo sociólogo Michel Misse em todos os autos de resistência registrados em 2005 no Estado do Rio concluiu que, até dezembro de 2007, 98% dos casos haviam sido arquivados. "Fica claro que não há investigação nenhuma nestes casos. E o Ministério Público é conivente, ao não cumprir o papel de fiscalizar o trabalho da polícia". Na opinião dos dois especialistas, o socorro de pessoas feridas deve ser feito por equipes especializadas. Desde janeiro do ano passado, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo proibiu policiais de socorrerem vítimas de crimes ou feridos em confrontos com a própria polícia. A medida visa a garantir a preservação dos locais de crime para a realização de perícia, fundamental para o sucesso das investigações. E resultou na queda dos autos de resistência.
Leia mais:
Cidades brasileiras precisam se adaptar às mudanças climáticas
Sete meses após resgate no RS, cavalo Caramelo é adotado por universidade
Uber diz no STF que liberdade é incompatível com vínculo pela CLT
Olimpíadas e chuvas no Sul dominaram as buscas do Google em 2024
Depoimentos
Os PMs que participaram no domingo da operação no Morro da Congonha, zona norte, em que Claudia foi baleada, prestaram depoimento ontem na 29ª DP (Madureira). Os três policiais que estavam na viatura que arrastou a mulher por cerca de 350 metros chegaram por volta das 16h30, e não haviam saído até o fechamento desta edição. O trio está preso em Bangu 8.