Em ocupações irregulares nos limites da periferia de Londrina, o barulho da água correndo é constante. Sem rede de esgoto e usando ligações clandestinas de água, os moradores destes locais improvisam tubulações para escoar nas ruas todo o líquido que foi utilizado nos chuveiros e na cozinha. Pessoas que moram no Jardim União da Vitória 6, no extremo sul de Londrina, relatam que só canalizam para as fossas construídas nos quintais os resíduos dos vasos sanitários.
"Se a gente jogar tudo na fossa, enche muito rápido", justificam a dona de casa Eliane Gazabini, 27, e o pedreiro Claudinei dos Santos, 31, que se mudaram há um ano e meio para a ocupação após passarem uma temporada trabalhando em uma fazenda no Paraguai. Na casa da família, um cano escoa para a parte da frente do imóvel toda a água que não é da descarga. Sair de casa com as filhas Clara, 9, e Alice, de 4 meses, é sempre complicado. "Carrinho de bebê não passa e a gente se suja muito. A casa não para limpa", lamenta a mãe. Ela teme que as meninas adoeçam, visto que em algumas áreas da região a água das fossas acaba vazando para a rua, criando longos leitos de esgoto à céu aberto. Além disso, são sempre rondados pelo risco da dengue. "Aqui tem muito criadouro de mosquito, sempre tem vizinho doente. Ficamos com medo", revelam.
Na mesma rua, a diarista Raquel Pereira de Oliveira, 54, acabou de se recuperar de uma diarreia que durou oito dias. "Com certeza é por causa da sujeira", lamenta ela, que não consegue manter a casa limpa. "Se tem seca, a poeira levanta. Se chove, a enxurrada invade a casa", denuncia. Os netos bebês são privados de engatinhar pelo chão ou brincar ao ar livre. "A gente tem medo que eles fiquem doentes. Quando alguém passa mal aqui, é complicado porque a ambulância não entra", relata ela, que já ficou 15 dias de cama por causa da dengue.
Outra reclamação da moradora é com relação à coleta de lixo. Como o caminhão não consegue entrar no bairro, o serviço não funciona a contento. Quem mora por ali muitas vezes precisa levar os dejetos domésticos para uma rua próxima. "O problema é que nem todo mundo leva, alguns põem fogo", diz. Comparando com a realidade das casas onde trabalha fazendo limpeza, Raquel resigna-se. "Fico pensando que a vida só funciona depois do asfalto", diz.
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Escorpiões, cobras e aranhas também ameaçam os moradores, além dos temidos caramujos africanos que tomam conta dos quintais. "Eu gostava de plantar verduras e legumes, mas parei porque esses bichos atacam tudo. O pior é que as crianças acham bonito e pegam na mão para brincar", preocupam-se.
Revoltados com a situação, os moradores contam que já apresentaram um ofício pedindo providência à prefeitura. Apesar de terem sido recebidos, lamentam que não houve qualquer iniciativa para melhorar a qualidade de vida da população local. "Estamos cansados. Se nossos pedidos não forem atendidos, tem gente ameaçando interditar a rodovia", avisa.
Por falta de condições financeiras para pagar o aluguel em um bairro urbanizado de Cambé, o pensionista Luís Maurício dos Santos, 61, comprou um barraco no União da Vitória 6 e vive no local há 8 meses. Sem esgoto, ele está preocupado que a fossa encha demais e ele não possa abrir outro compartimento no quintal por dificuldade de furar a pedra. "Esperamos que tragam o esgoto, mas sinceramente, acho difícil. Apesar de morar sozinho, ele se preocupa com as crianças dos vizinhos, que andam descalças pela sujeira depositada nas ruas. "É um perigo para a saúde."
ZONA NORTE
Do outro lado da cidade, em uma ocupação batizada de Marieta, a situação é parecida. A dona de casa Talita Aparecida Souza da Silva, 26, teve que abrir um buraco em frente de casa para evitar que a enxurrada invada o imóvel. Apesar de depositar toda a água da casa na fossa do quintal, ela sofre principalmente com os animais peçonhentos que rondam a região. "Tem sapo, aranha, cobra e caramujo", denuncia ela, que lava a casa todos os dias antes dos três filhos voltarem da creche para que eles possam ficar no chão.
Apesar do cuidado, o filho do meio foi picado por uma aranha e, por causa da infecção, perdeu a unha. "É muito perigoso, ele teve até que tomar antibiótico", conta ela, que veio de um bairro urbanizado e estranhou o jeito de viver nas invasões. "É mais complicado, mas não reclamo porque estou junto com os meus filhos", resigna-se.
A aposentada Maria Ilza Alves, 62, também acabou na invasão por falta de condições de pagar a prestação da casa onde morava em um bairro próximo. "Me separei e não consegui mais dar conta da despesa", diz ela, que vive com medo que a fossa do quintal "desbarranque". Também tem muita água parada por aí, fico preocupada por causa da dengue", diz ela, que não tem perspectivas de voltar para o antigo bairro. "Enquanto a situação não melhora, vou ficando por aqui."