Pouco mais de dois meses após tornar-se o primeiro país da América Latina a aprovar lei federal autorizando o casamento de pessoas do mesmo sexo, a Argentina está prestes a envolver-se no que deve ser uma nova e grande polêmica entre todos os segmentos da sociedade. No mês que vem, tanto a Câmara quanto o Senado argentinos colocarão em pauta a discussão sobre alterações no Artigo 86 do Código Penal, que trata dos casos em que o aborto é permitido no país.
Atualmente, a legislação argentina permite o aborto em apenas duas situações: quando a gravidez colocar em risco a saúde ou a vida de uma mulher ou em casos de estupro envolvendo mulheres mentalmente incapacitadas.
O projeto mais ambicioso está na Câmara. Apoiado pelos parlamentares de todas as bancadas, sob o comando da deputada Juliana di Tullio, da Frente para a Vitória - coalização de pequenos partidos políticos regionais que tem o apoio do governo de Cristina Kirchner -, o texto simplesmente legaliza o aborto na Argentina, deixando a cada mulher a decisão de interromper a gravidez. A única condição imposta para a realização do aborto é que a gestação só pode ser interrompida até a 12ª semana.
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Ainda não há uma data marcada para que o assunto vá ao plenário, mas deputados que participaram das reuniões sobre o tema informaram que há um forte impulso para acelerar a discussão na Câmara.
Os deputados favoráveis ao projeto dizem que confiam na pressão social para respaldar as discussões que devem envolver o país, tendo em vista que o assunto se refere não apenas a uma questão legal mas, principalmente, a vários aspectos morais e religiosos. Partidos de esquerda já estão se mobilizando para organizar manifestações favoráveis ao projeto. Está prevista para a próxima quarta-feira (29), por exemplo, uma primeira marcha rumo ao Congresso como forma de iniciar pressões populares sobre deputados e senadores que, em breve, debaterão o tema.
No Senado
No Senado, um dos projetos que modificam o artigo 86 do Código Penal é da senadora Elena Corrigido, que também integra a Frente Ampla para a Vitória. A modificação proposta pela senadora Elena Corrigido tem como base a sutil análise da palavra "saúde". Segundo a parlamentar, este conceito deve ser entendido de maneira integral como um "estado de bem-estar físico, mental e social, e não apenas pela ausência de doenças". Com essa interpretação, a senadora amplia a definição de "saúde" constante no Código Penal argentino e que remete exclusivamente a uma situação envolvendo o corpo da mulher.
O projeto também estabelece que o parecer sobre a necessidade de um aborto poderá ser assinado por qualquer médico legalmente inscrito nos órgãos federais de saúde. Este profissional não precisa ser, necessariamente, aquele que praticará o aborto. Em nenhum caso será necessária a opinião de um comitê de ética médica como determinante para a realização da cirurgia.
Outro projeto que entrará em discussão é o da senadora Adriana Bortolozzi, também integrante da Frente para a Vitória, modificando o item do Código Penal que trata especificamente dos casos de estupro de mulheres mentalmente incapacitadas. A senadora acredita que o direito ao aborto deve ser estendido a todas as mulheres cuja gravidez seja resultante da violência sexual, sem que se leve em conta sua condição mental.
Ao mesmo tempo em que esses projetos considerados progressistas estão prontos para serem debatidos, a senadora Liliana Negre de Alonso, da Aliança Frente Justicialista, caminha em direção oposta. Seu projeto reduz ainda mais os casos em que o aborto torna-se legal, estabelecendo que ele apenas pode ser realizado quando a gravidez colocar em risco a vida de uma mulher.
Nenhum dos projetos em análise no Congresso argentino tem o apoio da presidente Cristina Kirchner, ao contrário do que aconteceu com o chamado casamento homossexual. Enquanto durou o debate sobre este assunto, a presidente manifestou-se amplamente favorável à sua aprovação. No caso do aborto, Cristina Kirchner já manifestou sua oposição pessoal e política.