Febre, dor de cabeça, dor no corpo... Quando estes sintomas aparecem, comuns à maioria das doenças, muitos brasileiros têm o hábito de "correr à farmácia mais próxima". Este comportamento - que parece simples, mas pode tornar-se perigoso - é reforçado pela indicação de um medicamento por um amigo, a vontade de livrar-se rapidamente do incômodo da dor e a facilidade de se comprar alguns remédios sem receita médica ou odontológica. Uma das conseqüências mais freqüentes de atitudes como essas é a intoxicação pelo uso inadequado de medicamentos.
"O medicamento, se utilizado de forma inadequada, pode causar mais danos do que benefícios", alerta o diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Dirceu Raposo de Mello, que, no último mês, participou de audiência pública no Congresso Nacional sobre a Política de Medicamentos Fracionados.
O uso indevido de remédios é considerado um problema de saúde pública não só no Brasil, mas mundialmente. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) revelam que o percentual de internações hospitalares provocadas por reações adversas a medicamentos ultrapassa 10%. De acordo com o Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox), só em 2003, os medicamentos foram responsáveis por 28,2% dos casos de intoxicação registrados no país. Os analgésicos, antitérmicos e antiinflamatórios são os mais usados pela população sem o atendimento às recomendações médicas. Por isso, são também os que causam mais intoxicação.
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Consumir medicamentos de forma inadequada ou usá-lo de forma irracional também pode causar dependência, reações alérgicas e até a morte. Além disso, a combinação errada de medicamentos diferentes também oferece riscos à saúde, já que um medicamento pode anular ou potencializar o efeito do outro. "A automedicação leva ao agravamento da doença, já que a utilização inadequada de medicamentos pode esconder determinados sintomas e fazer com que a doença evolua de forma mais grave", observa Mello.
Antibióticos
Esse é o caso do uso indiscriminado de antibióticos, que merece atenção especial entre os medicamentos. O uso abusivo destes produtos pode facilitar o aumento da resistência de microorganismos, o que compromete a eficácia dos tratamentos.
Um estudo feito pela Anvisa em 64 hospitais de todo o país, entre julho de 2006 e o início deste ano, identificou casos de resistência a antibióticos nas Unidades de Terapia Intensiva (UTI). A pesquisa revelou, por exemplo, que um dos antibióticos recomendados para o tratamento de infecção urinária, a ceftriaxona, só fez efeito em 30% dos pacientes estudados. Já a oxacilina, um dos principais medicamentos utilizados no tratamento de pneumonia, só foi eficaz em 38% dos casos.
Intoxicações
O consumo inadequado de medicamentos (inclusive de produtos vencidos) é responsável por 28,2% dos casos de intoxicação no país, conforme apontou o Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox), em 2003.
As crianças são vítimas potenciais de acidentes ocasionados pela estocagem de medicamentos. Segundo o Sinitox, a maioria das intoxicações com medicamentos registradas em 2004 foi em crianças entre um e quatro anos (21,88%).
Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) mostram ainda que, durante 2004 e 2005, mais de 1,5 mil crianças com menos de dois anos de idade foram tratadas nos departamentos de emergência dos Estados Unidos devido a eventos adversos relacionados a medicamentos, incluindo overdoses causadas pelo consumo excessivo de remédios para gripe e tosse.
Na medida certa
Levantamento da Anvisa aponta que o registro de apresentações de medicamentos fracionados triplicou no último ano. Em maio de 2006 eram 167 apresentações registradas na Agência; no mesmo mês de 2007, esse número saltou para mais de 500.
Uma pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde, em 2005, revelou que 86% dos entrevistados eram favoráveis à venda de medicamentos na forma fracionada. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelam que o brasileiro com salário até R$ 400 gasta, em média, 25% da renda com medicamentos.
O fracionamento permite que o paciente leve para a casa apenas a quantidade do medicamento necessária para o tratamento prescrito pelo médico ou odontólogo. Além de reduzir os gastos, o fracionamento evita a armazenagem de remédios em casa, evitando a automedicação e os acidentes com esses produtos.
Educação sanitária
O governo federal, por meio da Anvisa (criada em 1999), desenvolve outras diversas medidas voltadas à promoção do uso correto de medicamentos; entre elas, ações que incentivem a prescrição apropriada, a dispensação em condições adequadas e por profissionais habilitados e o tratamento nas doses indicadas pelo médico ou odontólogo.
Uma destas medidas é o Projeto de Monitoração de Propaganda de Produtos Sujeitos à Vigilância Sanitária, cuja terceira fase foi lançada no último dia 22 de junho, resultado de uma parceria entre a Anvisa e instituições de ensino superior (Ifes) de todas as regiões do país. O objetivo do projeto é analisar as propagandas de medicamentos que, muitas vezes, tornam-se um dos principais meios de incentivo ao uso irracional de medicamentos.
Monitoramento
A partir deste mês e até dezembro deste ano, as Ifes ficarão responsáveis pela monitoração da propaganda publicitária de medicamentos, alimentos e produtos para saúde feita por 250 diferentes veículos de comunicação, entre emissoras de rádio e de televisão, revistas e jornais, além de hospitais, clínicas, farmácias, supermercados e congressos realizados na área da saúde.
As peças monitoradas serão submetidas à Anvisa para análise e possível aplicação de medidas legais cabíveis em casos de inadequações à legislação atual. O projeto prevê ainda ações de educação sobre a propaganda de produtos sujeitos à vigilância sanitária para a comunidade acadêmica, os profissionais de saúde e a sociedade civil.
Vigilância em saúde
Outra medida estratégica da Anvisa de incentivo ao uso racional de medicamentos é o desenvolvimento de ações na área de farmacovigilância por meio do projeto Rede de Hospitais-Sentinela. Ele reúne um grupo de hospitais e unidades de saúde colaboradoras, em todo o país, preparados para notificar efeitos adversos ou quaisquer problemas relacionados a medicamentos.
Cada hospital integrante da rede possui um "gerente de risco", ou seja, o meio de ligação da unidade hospitalar com a Anvisa. Durante o ano passado, o programa foi fortalecido com novas adesões. Atualmente, 186 hospitais estão credenciados para notificar, à Anvisa, eventos adversos e queixas técnicas relativas a produtos para a saúde, insumos, medicamentos e equipamentos médico-hospitalares. Em 2005, a Rede de Hospitais-Sentinela contava com 160 unidades credenciadas.
Diferença entre automedicação e uso indiscriminado de medicamentos
Embora tenham relação entre si, a automedicação e o uso indiscriminado de medicamentos são considerados duas práticas diferentes:
Automedicação: é a utilização de medicamentos por conta própria ou por indicação de pessoas não-habilitadas para tratamento de doenças cujos sintomas são "percebidos" pelo usuário, mas sem a avaliação de um profissional de saúde.
Uso indiscriminado: é mais amplo; está relacionado à "medicalização", ou seja, uma forma de encontrar a cura para doenças e promover o bem-estar usando exclusivamente medicamentos, o que pode levar ao consumo excessivo e constante destes produtos.
Cuidados com o uso de medicamentos
- Quando você achar que tem algum problema de saúde, procure um médico;
- Evite recomendações de vizinhos, amigos, parentes ou mesmo de balconistas de farmácias ou drogarias. Não confunda o balconista da farmácia com o profissional farmacêutico;
- Na consulta médica, informe se você já utiliza algum medicamento e se faz uso freqüente de bebidas alcoólicas;
- No momento de adquirir medicamentos de venda livre (aqueles considerados de baixo risco para tratar males menores e recorrentes, como dor de cabeça), procure orientações de um farmacêutico. Esse profissional também tem um importante papel dentro do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária. Ele deve notificar às autoridades de saúde a ocorrência de qualquer efeito adverso não esperado pelo uso de medicamentos.
Fonte: Ministério da Saúde