Que o mundo intelectual costuma empinar o nariz para a programação da TV aberta, não é nenhuma novidade. Também não é novidade que as emissoras abusam da paciência de seus críticos ao colocar atrações de quinta categoria no ar. Quando estrearam no País, em 2001, os reality shows foram os alvos da vez dos articulistas.
O Big Brother Brasil, por disparar na audiência, canalizou a aversão dos detratores. Muito se escreveu contra o programa, cuja sétima edição estreou esta semana na Globo. O BBB atraiu vasto público superando aos antecessores ''No Limite'' e ''Casa dos Artistas''. No recém-lançado livro ''Por Que os Reality Shows Conquistam Audiências?'', a autora Cosette Castro propõe examinar o fenômeno de outro ângulo.
Em vez de atacá-lo, ou de discutir a qualidade dos programas do gênero, tenta compreender o porquê de tal formato cativar diferentes telespectadores em mais de 30 países, para além das teorias simplistas sobre a falta de educação ou cultura dos brasileiros. ''É exatamente nos países desenvolvidos onde este tipo de formato faz mais sucesso'' - constata ela.
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Cosette é doutora em Comunicação e Jornalismo pela Universidade Autônoma de Barcelona (Espanha). Atualmente é pesquisadora na Universidade de Brasília (UNB). Seu livro tem formato de bolso e faz parte da coleção ''Questões Fundamentais da Comunicação'' da editora Paulus. Nas primeiras páginas, ela arregimenta um batalhão de pesquisadores-pensadores para situar o leitor no longo percurso de relações que a sociedade ocidental estabeleceu com os diferente meios de difusão, comunicação e cultura.
Cita um comentário de Leslie Fiedler que, em 1975, atacou a ditadura do bom gosto ao denunciar a hipocrisia que consiste em desdenhar em público aquilo que as pessoas gostam no âmbito privado. Para Cosette, em uma democracia, todos os gostos devem ser considerados legítimos e levados em consideração para garantir uma política cultural da diversidade. Caso contrário - assinala - ''corre-se o risco de estabelecer - como fizeram muitas ditaduras - as noções de bom ou mau gosto sem levar em conta as audiências''.
Ao focar o Big Brother, ela enumera várias razões que explicam o sucesso do programa, entre elas a natureza humana com sua eterna curiosidade em relação aos outros (vizinhos, parentes, desconhecidos, personagens famosos) e a mistura de formatos já conhecidos e aprovados pela audiência (como as telenovelas, os programas de auditório ou os documentários).
Na afirmação mais controversa do volume, Cosette salienta que o ''BBB'' tornou-se ''um clássico'' estabelecendo ''um antes e um depois na televisão mundial'': ''Desde Big Brother, a televisão mundial encontra-se em um novo momento: o da pós-televisão, uma televisão que se dirige a públicos cada vez mais diversificados, rompendo com o modelo cristalizado que a televisão generalista e aberta construiu há algum tempo. Os programas estão cada vez mais híbridos e a ficção está constantemente misturada à realidade, assim como a realidade à ficção, utilizando diferentes recursos tecnológicos como a TV aberta e a por assinatura, seja analógica ou digital, a telefonia fixa ou celular, e também a internet''.
Embora pequeno, com pouco mais de 70 páginas, o teor do livro vai além dos tópicos abordados nesta resenha propondo uma reflexão mais ampla sobre o papel que a TV tem desempenhado em nossas vidas, seja em termos de entretenimento, de produção de cultura ou como espaço educativo.
‘Num mundo que se prepara para inserir-se no modelo digital, como é o caso do Brasil, os reality shows têm grande perspectiva de continuidade e longa vida. Eles incluíram novas tecnologias digitais e possibilitaram o uso de várias delas ao mesmo tempo através da convergência – como é o caso da TV aberta e da por assinatura, do uso da telefonia fixa, celulares e também da Internet. Também possibilitam a identificação de diferentes camadas da população, independente de idade, gênero, religião, educação, língua, cultura ou nível socioeconômico, neste tipo de gênero e seus formatos híbridos. Já não é possível afirmar – como tentaram apressadamente alguns pesquisadores latino-americanos – que quem assiste a reality shows são pessoas com problemas econômicos, culturais ou educativos, pois os reality shows seduzem as audiências de diferentes idades, culturas e níveis socioeconômicos em mais de 30 países. E é exatamente nos países desenvolvidos onde este tipo de formato faz mais sucesso.’ (Trecho extraído do livro ‘Por Que os Reality Shows Conquistam Audiência?, de Cosette Castro)
Serviço: Livro ''Por Que os Reality Shows Conquistam Audiências?'', de Cosette Castro. Editora: Paulus (www.paulus.com.br), 74 páginas, R$ R$ 10,50.