Depois de quase quatro décadas na IBM, o cientista brasileiro Jean Paul Jacob diz que conseguiu convencer a gigante da informática a pagá-lo para ler, assistir televisão, conversar com os colegas, e dar palestras ocasionais em conferências especializadas. Em resumo, o trabalho perfeito. Mas como ele conseguiu isso? "Ficando velho", responde.
"Cada vez mais, apenas pessoas jovens podem fazer pesquisas", explicou o engenheiro elétrico que também é professor adjunto na Universidade da Califórnia, em Berkeley. "Eles são todos técnicos. O que eu tenho que eles não têm? Eles não são muito bons em olhar para o futuro."
Jacob conseguiu suas credenciais ao publicar diversos textos técnicos em periódicos de matemática e sendo co-autor de um livro sobre teoria de sistemas e controle publicado pelo MITI (Ministério do Comércio e Indústria Internacional do Japão). Ele ajudou a estabelecer o primeiro centro de pesquisa da IBM no hemisfério sul, no Brasil, como também outros centros similares em Paris e na Cidade do México.
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Hoje seu título oficial no Centro de Pesquisas Almaden da IBM em San Jose, Califórnia, é gerente de relações técnicas exteriores. Mas a equipe que ele gerencia resume-se a duas pessoas - sua secretária pessoal e um colega que o ajuda a criar suas apresentações.
O que Jacob realmente faz é olhar para o futuro. A IBM parece ter a noção de que se você tem uma dúvida importante sobre o que está por vir, faz sentido olhar para o passado. Não é de admirar que, no auge das mudanças trazidas pela Internet que estamos encarando no século 21, o importante historiador Stephen Ambrose acaba de lançar um livro sobre a ferrovia transcontinental dos Estados Unidos, considerada por muitos como tendo sido a chave para o avanço tecnológico que tornou possível "o século americano". Se você quer um futurólogo, provavelmente faz sentido procurar alguém com aquele ar arrogante de um sábio mitológico como Joseph Campbell (autor americano que ficou conhecido por seus trabalhos no campo da mitologia comparativa).
O lugar de onde Jacob contempla nosso futuro lembra mais o cineasta Alfred Hitchcock do que Joseph Campbell. Ao sair de São Francisco (Um Corpo que Cai), você segue para o sul passando pelo Vale do Silício, pelo centro de San Jose, até encontrar a rodovia de três pistas que se transforma numa estradinha que leva a uma área rural isolada da Califórnia (Os Pássaros). Você chega a um ponto com guaritas, mas sem guardas. Você dirige por uma estrada ladeada por cercas de arame, limitada por pastos e um celeiro caindo aos pedaços. Quando você chega à parte elevada do centro de pesquisa, você se sente como se estivesse para se hospedar no Bates Motel, onde Janet Leigh foi morta na famosa cena do chuveiro em Psicose.
Jacob tem mais em comum com o legendário diretor do que poderia inicialmente parecer. Uma barriga proeminente significa que Jacob pode ser comparado com a conhecida silhueta de Hitchcock. Como o cineasta, que trocou a Inglaterra por Hollywood, Jacob deixou seu país natal, o Brasil, para morar no epicentro da Califórnia, em uma das indústrias mais dinâmicas de seu tempo, que muito influência não apenas os Estados Unidos, mas a cultura e a sociedade globais. Ele tem um senso de humor malicioso, irônico e uma autoconfiança suficiente que algumas vezes leva à petulância. Finalmente, como Hitchcock, Jacob tornou-se um profundo estudioso e intérprete da natureza humana.
Esta última característica pode não parecer um desenvolvimento natural da educação de Jacob: ele graduou-se em engenharia elétrica no Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), em São José dos Campos, São Paulo. Ainda cedo decidiu que apenas a tecnologia avançada, como a ensinada em lugares muito competentes como o ITA, poderia ser a única coisa capaz de resolver os incontáveis problemas do Brasil. "Me impressionava como os cientistas enxergavam a tecnologia para o bem da tecnologia, em vez de ver como aplicar a tecnologia no Brasil", diz ele, acomodado em seu modesto escritório de Almaden.
"Durante 40 anos, tenho acreditado em algo que apenas agora começa a ser compreendido. É a idéia de que a tecnologia e a ciência são apenas ferramentas para solucionar problemas humanos de quatro naturezas: social, cultural, econômica e política", diz.
Julgando que a cultura européia é mais similar à brasileira do que a dos Estados Unidos, o jovem Jacob partiu para o velho continente em busca de um contexto adequado para sua formação tecnológica. Ele continuou seus estudos enquanto trabalhava como trainee na IBM na utilização da computação para o controle do espaço aéreo e industrial na França e na Holanda. Depois de um tempo como pesquisador no Nordic Lab da IBM em Estocolmo, foi transferido para San Jose. Pouco depois, conseguiu uma dispensa para fazer doutorado na UC Berkeley.
Em 1982 o talento de Jacob para a futurologia já era evidente. João Portinari, filho do pintor Cândido Portinari, tinha sido seu colega em Paris. "Vamos digitalizar essas coisas", Jacob sugeriu ao amigo. Não existiam scanners como hoje, mas Jacob conseguiu acesso a alguns equipamentos avançados da IBM. "Talvez um dia possamos fazer tudo isso", ele previu. Menos de 15 anos depois, João e seu Projeto Portinari estavam trabalhando duro em um dos primeiros catálogos de obras de arte online do mundo. (ver http://www.portinari.org.br )
Jacob adora provocar os demais com seus prognósticos - tanto antes como depois que eles se tornam realidade. Seu favorito, talvez, tenha sido o fim do disco de vinil. Durante as seções de perguntas depois de suas palestras, as pessoas costumavam levantar para defender emocionadas suas adoradas "bolachas". Mas mesmo essas pessoas hoje ouvem CDs. "Existe uma resistência à mudança", observou Jacob.
Jacob acredita que a mesma hostilidade contra a inovação emerge agora no debate sobre o futuro do livro impresso. "O livro é burro", diz. "Não tem luz própria. Agora está sendo desenvolvido o e-ink (a tinta eletrônica). O livro vai desaparecer, e os jovens estão pouco preocupados com isso."
Uma coisa que Jacob acredita que nunca irá pegar é o videofone. A tecnologia já existe há muito tempo, e durante 35 anos os pesquisadores têm tentado convencer a todos da popularidade iminente do equipamento. Cerca de 60 modelos já foram lançados no mercado. No Brasil, os bancos uma vez deram de presente videofones aos seus clientes mais queridos - mais para solidificar o tradicional relacionamento cliente-gerente do banco. Nem as gratuidades funcionaram. "Continuo dizendo que ninguém quer isso", diz Jacob. Por que não? "Porque as pessoas estão sempre fazendo outra coisa enquanto estão no telefone, e elas não querem que a pessoa que está do outro lado veja isso."
Tudo isso reforça o preceito fundamental seguido por Jacob. O sucesso ou o fracasso dos equipamentos inovadores depende mais dos fatores sociais, culturais, econômicos e políticos do que apenas da praticidade tecnológica.
Os cientistas, acredita ele, vêem tudo isso de forma inversa. Seu trabalho é tentar levá-los para a direção certa. "Existe uma cadeia alimentar na qual a ciência gera tecnologia que é parte de produtos que são partes de soluções para problemas", diz. "Eu vejo isso de outra maneira. Tento descobrir quais são os problemas que queremos solucionar em dez anos, então tento trabalhar para determinar qual tecnologia e qual ciência serão necessárias."
BOLA DE CRISTAL
O futuro de acordo com Jacob
Algumas previsões tecnológicas do cientista.
A indefinição parece estar na moda em alguns círculos científicos nos dias de hoje, então pode parecer apropriado que o efeito da futurologia de Jacob no trabalho prático da IBM pareça ser um pouco não-linear. Mas ele não tem uma visão clara do que acha que o futuro reserva, e a evidência disso pode muito bem ser encontrada em diversos projetos de pesquisa da IBM.
"Ambientes se tornarão mais direcionados para os humanos", Jacob prediz. Por exemplo, as pessoas poderão eventualmente carregar aparelhos que podem ser programados com o tamanho de roupa que usam e suas preferências de design. Quando estiverem passeando pelo shopping, as pessoas podem então ser alertadas quando se aproximarem de uma loja que venda as roupas que atendem às suas necessidades.
Os pesquisadores de Almaden estão trabalhando em diversos projetos que seguem essa tendência, um setor conhecido como computação penetrante. Um deles está desenvolvendo um dispositivo diminuto que colocaria o poder da computação em uma jóia. Se o seu estilo de moda não suporta esses adornos, você pode até encontrar um computador usável que satisfaça melhor suas preferências, embutido, por exemplo, em relógios ou óculos. "O mundo será dominado por pequenos aparelhos, coisas que você pode colocar no bolso", diz Jacob.
Outra iniciativa espera equipar computadores com um banco de dados de conhecimento comum que permitiriam a essas máquinas interpretar com sucesso a fala humana.
Usuários freqüentes de ferramentas de busca ficarão contentes ao saber que um projeto gestado em Almaden poderá transformar a frustrante experiência de encontrar (ou não) o que você quer na Internet. O PC seria equipado com uma pequena câmera para rastrear suas pupilas. E você teria algo chamado um mouse de emoções, um mouse comum, equipado com um dispositivo similar a um detector de mentiras que mediria seu estado de agitação por meio de sua mão. Enquanto você olha os resultados iniciais da busca, o computador poderia sentir quais itens interessam a você e automaticamente buscar mais referências relacionadas.
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