No apagar das luzes, o governo Luiz Inácio Lula da Silva autorizou o pagamento de uma bolada de R$ 44,6 milhões à União Nacional dos Estudantes (UNE), como reparação pelos danos causados à entidade durante a ditadura militar (1964-1985). A primeira parcela, de R$ 30 milhões, caiu na conta da entidade na sexta-feira, 17, mesmo, depositada pela Comissão da Anistia, escalada para saldar a conta. Os R$ 14,6 milhões restantes entrarão no orçamento de 2011.
O dinheiro, segundo compromisso da direção da UNE, será integralmente aplicado na construção da nova sede, projetada pelo arquiteto Oscar Niemeyer. Com 13 andares, o prédio será erguido no mesmo terreno, no Aterro do Flamengo, onde o antigo foi metralhado e incendiado em 31 de março de 1964, dia do golpe militar. Doado à entidade pelo ex-presidente Getúlio Vargas em 1943, o local é hoje um dos endereços mais caros do País.
A pedra fundamental da obra será simbolicamente lançada em alto estilo na próxima segunda-feira, às 17hs, com a presença de autoridades, artistas e intelectuais de todo o País. Com dinheiro em caixa, a construção será iniciada no primeiro semestre em 2011 e a inauguração está prevista para 2013. Esta é primeira indenização coletiva paga pelo governo brasileiro por danos da ditadura.
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A lei da anistia (1979) só ampara reparações de caráter pessoal a familiares e vítimas da repressão política. A reparação decorre de lei (número 12.260), proposta pelo Executivo e aprovada pelo Congresso em junho passado. Responsável pelo presente natalino, o presidente de Lula é o convidado de honra e deverá estar presente. Todos os ex-presidentes da entidade foram convidados, entre os quais o ex-governador de São Paulo José Serra, que está em viagem ao exterior e não confirmou presença.
A medida abre um precedente para indenização institucional a outras entidades civis, religiosas e políticas que sofreram perseguições nos anos de chumbo. Mas elas terão de se articular e seguir o mesmo caminho da UNE para aprovação de lei no Congresso. "É justo do ponto de vista político e histórico e totalmente defensável do ponto de vista jurídico", afirmou o secretário nacional da juventude, ligado à Secretaria-Geral da Presidência, Beto Cury, que coordenou a tramitação do processo na comissão que fixou o valor.
O presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão, explicou que a maioria dos países até prefere fazer reparações coletivas, sobretudo os que tiveram massacres de comunidades inteiras. É o caso do Chile, Peru, Colômbia, Bolívia e El salvador. "No caso da UNE, a agressão transpassa o dano individual, pois todo brasileiro estudante na ditadura foi subtraído no seu direito representativo", explicou. "Aquele incêndio simboliza tudo o que foi ceifado em termos estudantis no país".
Com a reparação, segundo Abrão, o estado democrático reconhece a importância do movimento estudantil na vida do país. "Além disso, o Brasil ganha mais um patrimônio histórico de um ícone da arquitetura mundial", disse ele, referindo-se a Niemeyer. "Vamos causar inveja ao mundo, pois não haverá outra entidade estudantil no planeta com uma sede desse porte", acrescentou. Segundo o dirigente, a nova sede será uma referência cultural dos tempos pré-64 e simbolizará a retomada do protagonismo do movimento estudantil na vida da nação.
Mas a conquista abre espaço, a seu ver, para correção de uma das maiores injustiças do País: a reparação coletiva devida a centenas de camponeses atingidos pela guerrilha do Araguaia, apanhados no fogo cruzado entre guerrilheiros e as forças da repressão. Até agora, apenas 44 agricultores tiveram reconhecido o direito a uma modesta pensão mensal de três salários mínimos (R$ 1.545), além de uma indenização retroativa de menos de R$ 100 mil para recomposição patrimonial.
Aprovada há mais de um ano, a reparação até agora não foi paga porque a justiça federal do Rio concedeu liminar suspendendo o benefício, em ação popular movida por um deputado carioca. "A ditadura causou danos significativos a vários segmentos da sociedade, mas entre os mais injustiçados, sem dúvida, estão os camponeses do Araguaia", afirmou.
Nos anos 80, ainda na ditadura, o escombro da antiga sede da UNE foi demolido e em 1987 o terreno foi invadido por um grileiro, que explorou o espaço até 1994, quando o presidente Itamar Franco devolveu a escritura à entidade. Em meio a uma disputa judicial, a UNE invadiu o terreno em 2007 e iniciou o trabalho político para reconstrução da sua sede.