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Relatório OTA sobre quadrinhos

23 abr 2007 às 11:00

"Gibi era barato e ficou caro e o que sobrevive são os mangás e revistas de super-heróis, sustentadas pelos mesmos nerds que compram tudo"
- Divulgação
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Curitiba - Mad foi um marco nos quadrinhos norte-americanos e brasileiros. Nasceu com a intenção de questionar os costumes da sociedade conservadora e obrigar muita gente a rir de si mesma. A brincadeira deu certo e pela Mad passaram diversos artistas, que viriam a redefinir o humor gráfico em ambos os países nos anos seguintes.

Quem tem perto de 30 anos deve se lembrar com clareza de seções como O Lado Irônico, Dobradinha da Mad, Relatório Ota e Respostas Cretinas para Perguntas Imbecis, além das paródias de filmes e a famosa seção de cartas com leitores chatos, a exemplo de Welberson e o Annuza. A revista, sucesso absoluto nos anos 70, seguiu com um considerável número de leitores nos anos 80 e chegou à decadência durante os 90. Agora, não se sabe qual será o futuro da mesma.

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A coluna entrevistou quem esteve no comando editorial da Mad do início, nos anos 70, até recentemente. Otacílio D'Assunção, ou Ota como é conhecido, falou um pouco mais dessa experiência, do atual panorama do mercado nacional e seus próximos trabalhos.

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Fale um pouco do seu início, como é que começou a produzir e quando é que entrou para o mercado editorial nacional.

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Comecei a trabalhar com 15 pra 16 anos na Ebal, no início de 1970. Fui fazer um estágio lá e viram que eu tinha jeito e me contrataram. Fiquei cuidando da parte editorial das revistas e aprendi o que sei nessa área. Paralelamente, comecei a publicar meus desenhos nessa mesma época. Em 72, fazia duas tiras diárias em dois jornais cariocas. Em 73, saí da Ebal e surgiu uma oportunidade de ir trabalhar na Vecchi, que ia abrir uma frente de quadrinhos e precisava de alguém pra ser o editor. Eles tinham comprado umas 16 revistas diferentes e foram lançando pra testar o mercado: a primeira foi Eureka, que não deu certo (era nos moldes da Linus e Eureka italiana).


Lançaram também um monte de infantis, Brasinha, Gasparzinho etc. Essas venderam bem. Mas a coisa arrebentou quando saiu o Mad, aí sim meu emprego ficou garantido porque virou o carro-chefe da editora. Pouco depois o Tex, que eles já publicavam mas era produzido pela editoria de fotonovelas, passou também pra minha mão. À medida que as revistas iam dando certo eles aceitavam minhas sugestões e lançaram também as revistas de terror - Spektro, Pesadelo, que hoje são cult e revelaram um monte de talentos nacionais. Na Vecchi teve uma época que a minha editoria chegou a produzir perto de 500 páginas nacionais por mês. O problema é que a Vecchi faliu e tudo foi por água abaixo. Mas eles não faliram por minha causa, na verdade as revistas em quadrinhos eram as que dava mais lucro.

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A experiência na Mad com certeza deve ter tido altos e baixos. Gostaria que você resumisse um pouco como foi trabalhar com a revista no Brasil, as coisas legais, as decepções...


Não fiquei até o fim da primeira série da Mad. Me demitiram durante a
crise da Vecchi. As pessoas que ficaram no meu lugar não souberam fazer direito e as vendas caíram. Com a falência da editora, a Mad ficou sem sair algum tempo, mas depois a Record comprou e voltou a vender bem. Eu trabalhei em todos os números da Record. As coisas legais eram que, como vendia bem, eu tinha um bom orçamento e podia pagar bem todo mundo. O problema é que as vendas foram caindo por causa das inúmeras crises financeiras do Brasil. Depois do Plano Collor , as vendas de gibis caíram como um todo e nunca mais se levantaram. A Record largou a Mad por causa disso, não interessava mais pra eles. A Mythos pegou mas com um orçamento muito baixo que nãio dava pra fazer uma revista legal. É horrível ver uma revista que chegou a vender perto de 200 mil exemplares na década de 70 ter caído à ridícula venda de 5 ou 6 mil exemplares por mês.

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E os malas, como o Welberson e o Annuza?


Os malas existem de verdade. Pensam que o Welberson é inventado mas infelizmente ele existe, o Annuza também. Eles me enchem o saco até hoje. Quer dizer, enchiam porque eu não trabalho mais na revista.

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Uma vez li de você mesmo em seção de cartas que se não houvesse pagamento a revista não sairia. Era mesmo assim?


Tudo que saía na Seção de Cartas era cascata. então esse lance que eu
fugi pro Uruguai vestido de mulher, que não ia sair revista se não me
pagassem, era invenção. Cada hora eu inventava uma coisa, teve uma época
que mafiosos tomaram conta da revista e depois matei todo mundo num
desastre de avião.

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Como você compara o panorama do mercado editorial brasileiro dos anos 80, 90 e atual?


O panorama editorial tá um desastre. Quando comecei as revistas não podiam encalhar mais de 20%. Hoje o encalhe que as editoras aceitam é de 80%. Isso puxa o preço pra cima e vende ainda menos. Com a concorrência de RPG, jogos, tevê a cabo e outras coisas que surgiram o povo foi parando de comprar gibi, que não é mais a única diversão de massa como naquela época. Além do mais a classe média empobreceu. Gibi era barato e ficou caro e o que sobrevive são os mangás e revistas de super-heróis, sustentadas pelos mesmos nerds que compram tudo. As editoras sobrevivem porque lançam uma tonelada de títulos.

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Você sempre viveu desse mercado? É comum você criticar muita coisa do mercado, o que te deixa mais irritado?


Sempre vivi do mercado de quadrinhos. Até ontem. Aliás até hoje também. Eu ainda faço a produção das reedições do Asterix (que estão sendo passadas pro formato digital) e as tiras, duas: o Dom Ináfio no Jornal do Brasil e o Concursino na Folha Dirigida. O Dom Ináfio criei logo que o Lula foi eleito e já tá no segundo mandato. Começou no Pasquim e depois foi pro Jornal do Brasil. Faço ilustrações e tiras pra jornais de sindicatos, o que pinta. Roteiros pra revistas do Maluquinho e vou fazer Sítio também. Eu tenho facilidade pra bolar roteiros e trabalho como ghost-writer (escritor que não aparece no crédito da edição) quando pinta oportunidade. Até Recruta Zero já fiz e adaptei Paulo Coelho para quadrinhos. Escrever roteiros é moleza, sento pra escrever e não sei como a história vai terminar mas vou escrevendo, é quase mediúnico.


Infelizmente o mercado tá uma porcaria. Não há condições de criar nada novo, só publicar quadrinhos estrangeiros que são baratos. Os talentos se dispersaram porque com as vendas baixas como estão, as editoras não podem pagar o que seria justo. Vai daí que outras mídias estão absorvendo os bons profissionais.


Que autores você mais gosta? E quais acha mais picaretas?


Eu gosto de um monte de autores, dos mais variados gêneros. Desde o Carl Barks, Asterix da época que o Goscinny escrevia, Neil Gaiman, Jeff Smith (Bone), Irmãos Hernandez (que eu praticamente lancei no Brasil), Crumb, Shelton e dos brasileiros todos os Quatro Amigos, Ziraldo, Jaguar etc. Não considero ninguém picareta. Alguns autores fazem um produto pra agradar as massas e é uma coisa rasteira. De vez em quando surge alguém muito bom, como foi o caso do Neil Gaiman na década de 80 e o Bone nos Anos 90. Alguém que reinventa a linguagem e cria uma coisa original. Já gostei de super-heróis, não gosto mais. Complicou muito. Eles fazem de um jeito que a gente tem que acompanhar todas as revistas porque os personagens se misturam. E o nível é muito desigual. Tem autores bons mas muita procaria no meio. Mangá é outra coisa que tá na onda mas não consigo entender. Na verdade tenho que confessar que não estou mais lendo muitos quadrinhos, antigamente eu lia atudo agora parei de ler. A não ser as tiras da Folha e do Jornal do Brasil.


O que uma revista precisa ter para ser bem-sucedida no mercado editorial?


Pra uma revista sem bem-sucedida precisaria de um investimento que ninguém está disposto a fazer. Pra Mad voltar a dar certo precisaria que se investisse uma grana estúpida em publicidade pra chamar de volta o público, pois todo mundo pensa que acabou. E uma verba decente pra se poder fazer as coisas funcionarem. Os últimos números da Mythos eram só repetições das capas americanas. Se a revista ainda estivesse saindo, por exemplo, colocaria o Alemão do Big Brother na capa. E faria uma matéria dentro. Isso custa caro. Teria que te ruma equipe maior pra ajudar na parte criativa. Não dá pra fazer tudo sozinho.


E os novos projetos? Por que saiu da Mad e o que vem fazendo?


Saí por dois motivos. Primeiro porque a Mythos perdeu a concessão. Mas eu não sei se continuaria lá. O que eu recebia tava congelado há uns cinco anos e eles enrolando sempre, as despesas aumentam, então cada vez eu conseguia fazer um produto mais pobre. Trabalhava muito a troco de nada, porque quando tinha algum número mais caprichado custava mais caro fazer. Fazendo as contas, estava trabalhando de graça nos últimos anos. Aí foi pra Panini. Não me contataram diretamente, mas veio uma insinuação que o cachê seria ainda menos. Trabalhar de graça já era complicado, pagar pra trabalhar eu não tenho como fazer. E eles não se preocuparam em me arranjar outra coisa pra fazer enquanto a revista ficou sem sair. Aí é muito fácil né, de repente a Panini resolve lançar, eles chamam e falam: "Ota a gente vai pagar menos do que você recebia antes". Daqui a um ano ou dois eles perdem a concessão, outra editora pega e oferece menos ainda... Cada vez eu estava me enterrando mais e resolvi parar.

Nisso surgiu uma oportunidade de fazer um trabalho completamente diferente numa nova mídia, pagando bem, com chances de crescer. Não posso falar o que é porque o projeto ainda é secreto, mas vai ser uma coisa ligada às novas tecnologias onde penso botar um pouco da linguagem de quadrinhos, só que de outro jeito. É um grande desafio.


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