Quadrinhos

Sensualidade em aventura mutante

07 dez 2010 às 17:53

Ao folhear alguma das milhares de revistas já lançadas com as aventuras mutantes dos X-Men, fica difícil não pensar como é que os colegas de Vampira, Kitty Pride, Psylocke, Tempestade, Fênix, entre outras, conseguem conviver diariamente sem notar que elas são voluptuosas. Bem, o mestre do quadrinho erótico italiano Milo Manara percebeu com seu notável talento para a lascividade que as personagens têm essa capacidade incomum para seduzir. E isso está no especial ''X-Men: Garotas em Fuga'', que sai no Brasil pela Panini Comics.

Antes de mais nada, é preciso dizer que, apesar de não ser um roteirista de mão cheia, Milo Manara nunca deixou que seus minuciosos e sugestivos traços fossem apenas belas imagens coladas em um emaranhado de palavras sem sentido. Se o forte não são seus diálogos, pelo menos o artista consegue encontrar premissas que fortaleçam suas propostas. Em sua série ''O Clic'', por exemplo, sua Claudia Christiani não atrairia tantos leitores se não fosse pela personalidade construída pelos textos.


Pois bem, em ''Garotas em Fuga'', a ''desculpa'' de Manara é que Vampira recebe uma herança em uma ilha grega e leva as amigas Psylocke, Kitty Pride, Tempestade e Rachel Summers para festar no local paradisíaco. É claro que no meio da bagunça entre as musas mutantes aparece um vilão - neste caso um homem capaz de anular os poderes mutantes - a ser batido pelas heroínas.


Manara gosta de ''landscapes'', cenários cheios de paisagens tropicais e consegue contar boas histórias com ambientes. Por isso esse clima festivo lhe dá vantagem na atmosfera sensual do paraíso grego. É notável sua habilidade com o traço fino em pena com nanquim. Não é à toa que chamam o artista, que esteve recentemente no Brasil, no Rio Comic-Con, de mestre. A suavidade e a força de suas mãos experientes se destacam no papel, mesmo em uma história com contornos heróicos, tema que não é sua praia.


Seu maior talento está mesmo em mexer com as mulheres. Note que a história reúne estereótipos cheios de possibilidades. Uma personagem é norte-americana texana, outra tem traços asiáticos; a seguinte tem visual afroamericano, ao lado de um ruiva e da mais jovem, de cabelos encaracolados castanhos.


É o suficiente para Marana jogar com a imaginação, brincar com modelitos, caras e bocas. Sugerir posições, beijos não roubados, toques não realizados. Tudo sem ser chulo, sem ser ofensivo. Há uma beleza em seu erotismo que é mais comum nos trabalhos europeus e poderia ser rotulado de inapropriado por aqui.


Bem, em ''X-Men: Garotas em Fuga'', os leitores não vão ler as incomuns peripécias de um perturbado grupo mutante contra inimigos esdrúxulos, o que fez de Wolverine e sua turma um sucesso desde os anos 60. Porém, poderão apreciar um quadrinhista de mão cheia brincando com personagens populares, que ganham ainda mais graça, em versões inusitadas.



LANÇAMENTOS EM CURITIBA


O número de títulos independentes no mercado nacional de quadrinhos vem crescendo muito nos últimos anos, isso não é novidade. O que surpreende é como os criadores têm conseguido juntar esforços para colocar suas obras nas prateleiras dos mais diversos locais do Brasil inteiro, já que a distribuição é sempre a maior dificuldade nessa seara. E um bom exemplo disso acontece nesta quarta-feira (08/12), a partir das 19h, no lançamento das revistas ''Rua!'', ''Promessas de Amor a Desconhecidos Enquanto Espero o Fim do Mundo'' e ''O Monstro Souza'', em Curitiba.


Tal surpresa acontece porque as três revistas vêm de lugares e cenas distintas de produção de quadrinhos. ''Rua!'' é criação do curitibano André Caliman, já conhecido no Paraná por seus trabalhos na revista ''Quadrinhópole'' e ''Avenida''. A edição traz uma história produzida de forma experimental, simultânea aos acontecimentos narrados na mesma.


''Promessas de Amor a Desconhecidos Enquanto Espero o Fim do Mundo'', de Pedro Franz, faz uma espécie de análise gráfica sobre como as pessoas reagem e refletem sobre imposições em situações limítrofes. A independente, de Santa Catarina, traz forte influência do Lourenço Mutarelli noventista.


''O Monstro Souza'' é uma espécie de obra coletiva, um livro quase no formato de peça literária, a partir da organização de textos de Bruno Azevedo e Gabriel Girnos. A história, que nasceu nos bancos da Universidade Federal do Maranhão, parte do absurdo escatológico de um monstro em forma de cachorro-quente. E daí prosa, recorte, quadrinhos e, claro, criatividade, misturam-se.


Em tempo: ''Rua!'' tem 20 páginas no formato 22 x 31 cm e custa R$ 5; ''Promessas de Amor a Desconhecidos Enquanto Espero o Fim do Mundo'' tem 55 páginas no formato 18, 2 x 25,3 cm, a R$ 20; e ''O Monstro Souza'' traz 240 páginas no formato 16 x 12,3 cm, a R$ 20.


Serviço - Lançamento das revistas independentes ''Rua!'', ''Promessas...'' e ''O Monstro Souza''. Nesta quarta (08/12), a partir das 19h, na Itiban Comic Shop (Av. Silva Jardim, 845), em Curitiba. Entrada franca. Mais informações pelo telefone (41) 3232-5367.


CAFÉ ESPACIAL No. 7


Se você disser por aí pra qualquer um que goste de ler e escrever para apostar em uma publicação em papel sobre quadrinhos e cultura pop, provavelmente essa pessoa vai ficar meio em dúvida sobre o sucesso da mesma. Isso porque a velocidade e o espaço ilimitado da internet oferece muitas possibilidades a relativos custo baixo e alcance maior do que o impresso. No entanto, o pessoal da independente ''Café Espacial'' parece não estar nem aí. Vem conquistando prêmios e leitores a cada edição e vai garantindo mais espaço em sua sétima edição.


Mas o que tem demais a ''Café Espacial''? Bem, na verdade, não tem nada demais. E começa por aí o sucesso da publicação. Sérgio Chaves e Lídia Basoli, mentores do projeto, têm ''apenas'' um bom olho para curadoria de bons trabalhos e jovens talentos, que, reunidos, têm feito a diferença diante do sumiço de projetos como esses nas prateleiras. Sem muita ''decoração'', pretensão ou afetação.


Os colaboradores quadrinhistas, claro, têm papel fundamental nessa empreitada. A história de André Diniz, ''Três Rios'', por exemplo, embarca em uma certa ''brasilidade'' ao contar por meio de uma arte de xilogravura e literatura de cordel um desses contos populares; já Bruno Azevêdo e Mario Cau partem para uma narrativa simples e cativante, com ''Hoje é dia do cachorro'', em que um aparente mendigo torna-se um trovador urbano.


O trunfo diante da velocidade das notícias da internet está na capacidade de colaboradores de diversas áreas em processar, digerir e opinar com alguma densidade o material que fatalmente tem sido engolido sem o menor sabor por muita gente por aí. Assim, é possível ver o roteirista Lielson Zeni fazer uma fotoentrevista com os conterrâneos da Banda Gentileza; a jornalista Lídia Basoli fazer uma matéria de nosso cinema e a escritora Jana Lauxen produzir um conto literário.


''Café Espacial'', que numa hora dessas já deve estar perto da edição número oito - os organizadores trabalham rápido e sempre estão com algo no gatilho para a próxima edição -, sendimentou-se num cenário improvável de sucesso e mesmo assim não para de ganhar leitores. Talvez, pelo menos por isso, valha a atenção de quem gosta de quadrinhos, cinema, fotografia e música, enfim, de arte.



RELEITURA DE HERÓIS DC COMICS


Se você um dia amarrou uma toalha no pescoço e saiu pulando gritando ''Shazam!'' ou imaginou ser o Superman, então vai entender exatamente o sentimento que o roteirista e editor Estevão Ribeiro teve ao idealizar o projeto ''Pequenos Heróis''. A publicação, lançada pela Devir Livraria, homenageia ícones da DC Comics por meio do imaginário infantil, em versões ''fofinhas'' de super-heróis como Batman, Superman, Lanterna Verde, entre outros.


Ribeiro convidou diversos artistas do cenário nacional para contar suas versões de Superman, Batman, Mulher-Maravilha, Lanterna Verde, Aquaman, Flash, Caçador de Marte e Canário Negro. Tudo para mostrar, de forma apaixonada, porque é que os heróis e super-heróis encantam tanto até hoje.


Na história do ilustrador Mário César, por exemplo, o resgate de uma pipa transforma-se em um ato heróico digno de Superman; na de Raphael Salimena, um grupo de amigos defende uma amiga e insiste em não deixá-la solitária com ecos dos contos dos Lanternas Verdes; já Fernanda Chiella usa a Mulher-Maravilha para narrar a relação entre duas irmãs.


Tudo é contado de forma bastante estilizada, com narrativas simples e referências gráficas em cores e formatos que lembram todos os heróis originais. A exemplo do que fizeram os gêmeos e Moon nos primeiros trabalhos que levaram para convenções gringas, ''Pequenos Heróis'' não tem balões para facilitar o entendimento de quem não sabe ler em português.


A edição não somente valoriza alguns nomes fora do grande circuito comercial como também deixa bem clara essa intenção de exibir o trabalho desses artistas lá fora, por isso mesmo todos os textos são bilíngues, em português e inglês. A expectativa, agora, é que saia um segundo número, desta vez com destaque para os heróis da Marvel Comics.



MONDO URBANO


A dobradinha entre rock e quadrinhos existe já há muitos anos e, de tempos em tempos, como tudo na cultura, é revisitada, ganha o frescor e o vigor de cada geração. E ''Mondo Urbano'' é um bom exemplo disso. Vindo do cenário underground nacional, o livro, lançado recentemente pela Devir Livraria, compila em único volume as revistas produzidas pelos artistas Mateus Santolouco, Eduardo Medeiros e Rafael Albuquerque, proles da mais nova leva de quadrinhistas nacionais em ascensão.


As histórias reunidas em ''Mondo Urbano'' foram lançadas separadamente, de forma independente, entre 2008 e 2009. Basicamente, conta a trajetória do grupo DE-MO e as várias fases de seu mítico líder, Van Hudson, que se tornou uma espécie de lenda urbana, o que é comum aos grandes frontmen de bandas ícones do rock'n'roll. Baladas, drogas, relacionamentos, enfim, as agruras dos jovens de grandes centros urbanos da virada do século estão todas reunidas por aqui.


O roteiro não traz nada de novo e por muitos até foi associado aos arcos de Scott Pilgrim, já que ambos foram lançados lá fora pela mesma editora, a Oni Press. A ideia é a mesma, a de retratar o universo roqueiro com pitadas de cultura pop, através de um personagem tão falível quanto carismático.


O grande lance da revista são mesmo as ilustrações. Rafael Albuquerque, que atualmente se dedica a desenhar o novo Superboy e a série ''American Vampire'', de Stephen King, promove uma verdadeira ''correria'' entre os quadros, em uma proposta de narrativa veloz, com soluções espertas entre traços que vão do simples ao rebuscado em poucas linhas. O que agrada em cheio os norte-americanos.


Mateus Santolouco, que também atua no mercado gringo, via Marvel Comics e agora como colaborador de ''American Vampire'', é especialista em pin-ups, ilustrações solo, e usa uma configuração mais tradicional em seus painéis. Assim como Rafael, tem um traço estilizado homogêneo e bem resolvido entre as páginas, e usa a arte-final a serviço de sua narrativa. O terceiro componente do trio gaúcho é Eduardo Medeiros, que vai no caminho mais cômico, usa modelos aparentemente mais simples, quase na linha infantil, possivelmente influenciado por mangás.


O resultado é um mosaico gráfico bastante interessante e a proposta monocromática com arte-final cheia de retículas ajuda a compor uma identidade visual sem grandes rupturas entre um artista e outro. Só por isso, já vale a olhada. As histórias de DE-MO e Van Hudson, claro, também são bacanas. O suficiente pra torcer para que o já anunciado segundo volume apareça logo nas prateleiras.



SERVIÇO
- ''X-Men: Garotas em Fuga'' tem 68 páginas coloridas no formato 18 x 27,5 cm, com capa cartonada, e custa R$ 14,90.


- ''Café Espacial'' número 7 tem 60 paginas no formato 14 x 21 cm, com capa colorida e miolo em preto e branco, a R$ 6. Mais informações sobre a revista e como comprá-la estão disponíveis no site www.cafeespacial.com.


- ''Pequenos Heróis'' tem 104 páginas coloridas no formato 16 x 23 cm e custa R$ 29,90.


- ''Mondo Urbano - Volume 1'' tem 128 páginas monocromáticas no formato 15 x 22cm e custa R$ 25.


O material citado acima pode ser encontrado em Curitiba na Itiban Comic Shop (Av. Silva Jardim, 845). O telefone de lá é (41) 3232-5367.


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Twitter: /clangcomix

A maior parte dos textos publicados nesta coluna foi publicada na Folha de Londrina, tanto na versão impressa quanto na virtual.


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