Recentemente, na novela Insensato Coração, da Rede Globo, a personagem Carol Miranda, interpretada por Camila Pitanga, revelou ao seu príncipe encantado que não poderia ser mãe, pois sofre de endometriose. Para alegria dos espectadores, o que parecia ser a sina da personagem não é mais. Nos últimos capítulos, Carol descobriu que está grávida e decidiu ter o bebê.
A questão retratada na novela pode esclarecer uma dúvida para muitas mulheres. Afinal, uma mulher com endometriose pode engravidar? Pode sim. Segundo o ginecologista Joji Ueno, que dirige a Clínica Gera, em São Paulo, a relação entre a endometriose e a infertilidade feminina não é regra e pode manifestar-se em alguns casos.
Pacientes em estágio avançado da doença e com obstrução na tuba uterina, que impeça o óvulo de chegar ao espermatozóide, têm um fator anatômico que justifica a infertilidade. Além disso, algumas questões hormonais e imunológicas podem ser a causa para algumas mulheres com quadros mais leves de endometriose não conseguirem engravidar.
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Após o tratamento, geralmente após a realização da laparoscopia, uma boa parcela das mulheres consegue engravidar, principalmente pacientes cujas tubas não sofreram obstrução. É por isso que no final da laparoscopia, costuma-se injetar contraste pelo canal do colo uterino para ver se ele sai pelas tubas. A caracterização dessa permeabilidade tubária é um ponto a favor de uma gravidez que depende, entretanto, de outros fatores como a função ovariana ou a não formação de aderências, depois da cirurgia", explica o especialista.
Sofrimento físico
A endometriose ocorre quando o endométrio, ou seja, o tecido que reveste a cavidade uterina, implanta-se fora do útero. Cogita-se que quando a mulher menstrua - e a menstruação nada mais é do que a eliminação do endométrio - fragmentos desse tecido podem caminhar pelas tubas, alcançar a cavidade abdominal, nela implantar-se e crescer sob a ação dos hormônios femininos.
Hoje, sabemos que mulheres sem a doença também podem apresentar essa menstruação retrógada, isto é, a que faculta a chegada do endométrio na cavidade abdominal, mas só algumas desenvolvem a endometriose. "Podemos concluir, então, que alguns fatores permitem a instalação dos implantes na cavidade peritoneal, dentre eles, destaca-se o sistema imunológico da mulher. É possível encontrar células do endométrio lá dentro, em casos de pacientes com endometriose assintomática", explica Joji Ueno.
A doença é tema recorrente entre as mulheres porque além de causar dor durante a relação sexual, alterações intestinais durante a menstruação - como diarréia ou dor para evacuar – a endometriose também está associada às dificuldades para engravidar após um ano de tentativas sem sucesso.
Como as cólicas menstruais são ocorrências habituais na vida da mulher, o médico recomenda que a investigação das causas da cólica deve ser feita quando estas apresentarem resistência a melhorar com remédios ou quando elas incapacitam a mulher para exercer suas atividades normalmente. "Pois, cólica intensa é o principal sintoma de endometriose e leva a suspeita de que a doença esteja instalada", diz o médico.
Demora no diagnóstico
Segundo Joji Ueno, a doença pode acometer mulheres a partir da primeira até a última menstruação, com média de diagnóstico por volta dos 30 anos. "Em média, a mulher tem 32 anos quando é feito o diagnóstico da doença. Em 44% dos casos passaram-se cinco anos ou mais até a doença ser diagnosticada. De 40% a 50% das adolescentes que apresentam cólica incapacitante, quer dizer, dor intensa que requer repouso e as impede de exercer as atividades normais, podem apresentar endometriose sem saber", observa.
A investigação clínica, a anamnese bem feita, seguida de um exame físico adequado, o toque vaginal que permite verificar alguns aspectos característicos da doença, tudo isso faz parte do exame ginecológico normal e de rotina que não visa ao diagnóstico da doença em si, mas pode funcionar como prevenção primária para a endometriose.
Como diagnosticar?
"O exame ginecológico é o ponto de partida para estabelecer o diagnóstico da endometriose. Se a doença se assesta no ovário, o ginecologista pode perceber o aumento dos ovários pelo toque. Se acomete a região que fica entre o útero e o intestino, um tipo de endometriose que se chama endometriose profunda, o toque permite perceber espessamentos atrás do útero e dor quando o médico apalpa essa região. Quando a doença acomete o peritônio, fica mais difícil estabelecer o diagnóstico pelo toque", explica.
Depois que se faz uma análise da cavidade abdominal, dos pontos com comprometimento pela doença, procura-se ressecar sempre que possível os focos que se encontram nos ovários, trompas, útero, peritônio e intestino. Em relação aos cistos no ovário e no útero, a preocupação é retirá-los, mas preservando esses órgãos, uma vez que na maioria das vezes as pacientes são jovens e têm desejo reprodutivo.
A laparoscopia é o método mais utilizado para diagnóstico e tratamento da doença. A cirurgia convencional tem se tornado um procedimento cada vez menos frequente. Com a laparoscopia, é possível realizar a quase totalidade dos procedimentos que eram feitos por via aberta. No entanto, casos em que existem aderências ou sangramentos importantes obrigam a realização da cirurgia.
Fatores hereditários e imunológicos
Alguns estudos apontam que existe um fator hereditário que deve ser levado em conta nos casos de endometriose. Entretanto, outros fatores de risco devem sempre ser levados em conta, tais como a menstruação retrógrada, que leva o endométrio para a cavidade abdominal e a imunidade feminina, que permite que ele se desenvolva e a doença ali se implante.
"Várias questões relacionadas à imunidade da paciente devem ser consideradas. Uma delas, hoje muito popularizada, é que o fator estresse esteja associado ao problema. Sabe-se que mulheres com endometriose têm traços maiores de ansiedade e estresse. Portanto, o estresse é um fator de risco assim como as condições ambientais, que têm sido muito mencionadas ultimamente. Isso vale para o câncer e vale para a endometriose", destaca o Ueno.
Por fim, no rol dos fatores de risco deve-se considerar também o número de menstruações. Hoje, a mulher menstrua em média 400 vezes na vida, enquanto no começo do século passado menstruava apenas 40 vezes, porque a primeira menstruação ocorria mais tarde, ela engravidava mais cedo, tinha mais filhos e passava longos períodos amamentando.