Os casos de estupro e estupro de vulnerável notificados em 2022 às autoridades policiais atingiram 74.930, que representa 36,9 em cada 100 mil habitantes. Trata-se de um aumento de 8,2% do que o registrado no ano anterior, conforme dados divulgados na quinta-feira (20) no Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2023, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
No ano passado, os casos de estupro foram 18.110, 7% a mais em relação a 2021, e os de estupro de vulnerável, 56.820 vítimas, elevação de 8,6% do que no ano anterior.
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Ainda conforme esses dados, 24,2% das vítimas eram homens e mulheres com mais de 14 anos, e 75,8% eram capazes de consentir - seja pela idade (menores de 14 anos) ou por qualquer outro motivo (deficiência, enfermidade etc.).
Somente 8,5% dos estupros no Brasil são relatados às polícias e 4,2% pelos sistemas de informação da saúde. Portanto, segundo a estimativa, o patamar de casos de estupro no Brasil é de 822 mil casos anuais.
A pesquisa revela ainda que as crianças e adolescentes permanecem como os maiores alvos da violência sexual: 10,4% das vítimas de estupro eram bebês e crianças com idade até 4 anos; 17,7% delas eram de 5 e 9 anos e 33,2% tinham de 10 e 13 anos. Ou seja, 61,4% delas tinham no máximo 13 anos. Cerca de 8 em cada 10 vítimas de violência sexual eram menores de idade. De acordo com a legislação brasileira, uma pessoa só passa a ser capaz de consentir a partir dos 14 anos.
De acordo com o anuário, no ano passado, 88,7% das vítimas eram do sexo feminino e 11,3%, do masculino; 56,8% eram pretas ou pardas (no ano anterior. eram 52,2%); 42,3%, brancas; 0,5%, indígenas; e 0,4%, amarelas.
“Embora não tenhamos pesquisas sobre o tema no Brasil, é comum ouvir relatos de profissionais de educação, ou mesmo de policiais, que indicam que foi o professor ou a professora que notou diferenças no comportamento da criança e primeiro soube do abuso. Assim, a escola tem papel fundamental para identificar episódios de violência, mas, principalmente, em fornecer o conhecimento necessário para que as crianças entendam sobre abuso sexual e sejam capazes de se proteger”, pontua o anuário.
O documento informa ainda é comum que a criança não seja capaz de reconhecer o abuso, por falta de conhecimento ou por vínculo com o agressor. “É compreensível que a criança tenha algum sentimento de amor, ou mesmo lealdade, pelo agressor, já que em geral o abuso é praticado por pais, padrastos, avós e outros familiares. Além disso, o abusador tende a manipular a criança com ameaças ou subornos, o que garante o silêncio da vítima. O sentimento de culpa ou vergonha costuma estar presente na criança, que acaba não revelando nada a familiares.”
Segundo os registros, 82,7% dos abusadores são conhecidos das vítimas e 17,3%, desconhecidos. Entre as crianças e adolescentes com idade até 13 anos, os principais autores são familiares (64,4%) e 21,6%, são conhecidos da vítima, mas sem relação de parentesco.
Entre as vítimas de 14 anos ou mais, destaca-se que 24,4% dos abusos foram praticados por parceiros ou ex-parceiros íntimos da vítima, 37,9% por familiares e 15% por outros conhecidos. 22,8% dos estupros de pessoas com mais de 14 anos foram praticados por desconhecidos.
A residência é o local que surge com mais frequência pois, em média, em 68,3% dos casos somados de estupro e estupro de vulnerável ocorreram na casa da vítima. A proporção dos estupros de vulnerável que ocorrem em casa é de 71,6% e nos estupros, de 57,8%. A via pública foi o local apontado em 17,4% dos registros de estupro e em 6,8% dos de vulnerável.
A maioria das situações de violência sexual (53,3%) ocorre à noite ou na madrugada (das 18h às 5h59). Quanto às ocorrências de estupro de vulnerável, que atingem principalmente crianças, a maioria (65,1%) foi ao longo do dia, de 6h às 11h59, ou entre o meio-dia e as 17h59, período em que a mãe ou cuidadora em geral está fora.
Para Juliana Brandão, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o número de casos de estupros é o maior desde que a instituição começou a acompanhar tais ocorrências, e é difícil atribuir essa elevação a um único fator, principalmente porque é um crime extremamente complexo, que tem suas especificidades. “Neste caso, estamos falando de crianças com até 13 anos, consideradas vulneráveis. Esse aumento dos números é apenas o aumento das notificações, porque o crime de estupro por si só já é um crime que, pela natureza que carrega, já tem muita subnotificação. Quando estamos olhando para esse universo mais de crianças e adolescentes, é mais difícil ainda imaginar que crianças e adolescentes foram responsáveis por notificar a grande violência que sofreram”, frisa.
Segundo ela, é possível que o resultado seja fruto de um conjunto de fatores que pode ser explicado, em parte, pelo maior empoderamento das vítimas, mas não se pode esquecer de analisar que há pessoas que estão sendo os vetores dessa comunicação oficial para as autoridades, os adultos. “E são esses adultos que conseguiram, de alguma forma, funcionar fazendo essa mediação, ouvindo o relato das crianças e adolescentes e levando para a polícia para que o registro fosse efetivado”, detalha.