Para promover acesso ao conhecimento, à comunicação e à inclusão, professores vão além do papel e da caneta e se dedicam ao ensino de Libras para todas as idades. Surda, Helaine Alves ensina a língua de sinais dentro da sala de aula e inspirou a filha Caroline Alves, que também se tornou docente e intérprete.
As línguas de sinais usam gestos, expressões e movimentos para substituir estímulos sonoros. Cada uma delas possui léxico e gramáticas próprias. Por isso, cada país possui a sua língua de sinal. No Brasil, existe a Libras (Linguagem Brasileira de Sinais). De acordo com o IBGE, 9,7 milhões de brasileiros são surdos ou têm deficiência auditiva. Para esta parcela da população, uma das formas de se comunicar é por meio das línguas de sinais.
No Dia do Professor, conheça a história de mãe e filha que, apesar de dividirem o mesmo laço sanguíneo, tiveram motivações diferentes que as levaram até o cargo de docente.
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A mãe e professora, Helaine
Professora, com magistério, graduada em pedagogia, em letras Libras pela UFSC (Universidade de Santa Catarina) e surda – um detalhe.
Helaine cresceu em uma casa em que ninguém falava outra língua além do português. Subia em muros, brincava na rua e se metia em brigas. "Eu era muito agitada porque eu não conseguia me expressar”, explica.
Seu primeiro contato com a língua de sinais e outras pessoas surdas foi somente aos nove anos, no Iles (Instituto Londrinense de Educação de Surdos), em Londrina. Nos anos de 1960, além do Iles, só existia uma escola para surdos em Curitiba e outra em São Paulo.
Até chegar em seu extenso currículo atual, enfrentou a rejeição de colégios regulares que não a aceitavam em sua lista de alunos. Precisou lidar com seus próprios medos por achar que não seria capaz de continuar com seus estudos. Desistiu de cursar artes plásticas, um amor que sempre a acompanhou, por ter dificuldade para escrever redações de vestibulares em português na norma formal.
Sua vida seguiu outros caminhos. Casou-se com seu namorado de infância, Roberto Alves, que também é surdo e professor. Juntos, tiveram dois filhos: Thiago e Caroline.
Ela só se encontrou na docência quando, em uma conversa entre amigas, soube que poderia fazer magistério. "Eu fui perguntar para elas: para quem eu vou trabalhar?”, recorda. Naquela conversa, descobriu que poderia ensinar Libras para alunos surdos. "Eu sonhava: será que eu consigo? Dá para eu tentar?”.
Caroline e Thiago já eram adolescentes quando Helaine foi convidada a iniciar sua carreira no colégio Hugo Simas, em 1997. Neste período, fez magistério acompanhada de um intérprete.
Alguns anos depois, com as mudanças nas diretrizes da educação, precisou voltar à sala de aula como aluna, desta vez cursando pedagogia. Helaine conta que acertou as questões do vestibular lembrando de quando estudava com seus filhos para as lições de casa.
Em uma lista de 60 convocados, ficou em 45º lugar. Enfrentou a graduação estudando com a ajuda de colegas e anotações, já que não possuía intérprete. O resultado foi uma média 9.8 e o título de aluna laureada da turma. "Entre surdos e ouvintes eu me senti reconhecida. Fiquei muito feliz”, lembra.
A obrigatoriedade de intérpretes em cursos de pedagogia e licenciatura só foi instaurada em 2005, pelo então presidente Lula (PT). O decreto federal nº 5.626 diz que todas as instituições federais de ensino, da educação infantil à superior, devem garantir a inclusão de pessoas surdas nos processos seletivos e nas atividades curriculares.
Hoje em dia, Helaine atua como professora no Iles com turmas de 6º ano até 3º colegial, dando ensino de línguas de sinais para crianças e adolescentes surdos. No período da tarde, trabalha com a creche.
Para ela, o mais gratificante é o reconhecimento de seu trabalho como professora. "Eu consigo mostrar para os outros surdos que nós somos capazes. Também consigo mostrar para as pessoas ouvintes que eu, como surda, posso ser uma professora, que eu sou capaz, que eu sou criativa.”
A filha e professora, Caroline
"As pessoas me perguntam como foi ter em casa pai e mãe surdos. São os pais que eu tive, são os melhores pais”, afirma Caroline, que não é surda.
Caroline desde criança precisava atender ao telefone, passar recado, marcar consultas médicas e conversar com gerentes de bancos. "É uma infância que eu já nasço com uma profissão, que é de intérprete de Libras”, lembra. Seu irmão, Thiago, também é bilíngue.
Embora já tivesse "nascido” intérprete, quando chegou seu momento de prestar vestibular, optou pelo curso de fisioterapia, e não pedagogia. Achava que sala de aula não era para ela. Continuar com o trabalho que já fazia em casa não parecia ser a sua escolha para a vida.
Mas ela acabou se apaixonando. Foi intérprete em aulas de sua faculdade e estar na frente de alunos despertou a vontade de continuar ensinando Libras. Ela também viu que o estudo bilíngue para futuros profissionais, mesmo que falantes, era uma necessidade.
Caroline, então, fez mestrado na área de fisioterapia e começa a dar aulas de Libras nos cursos de pedagogia e fonoaudiologia. "Eu acho muito motivador você conseguir passar para o outro, aquilo que um dia alguém te passou”, conta sobre como é atuar no ensino.
Hoje em dia, está na UTFPR (Universidade Tecnológica Federal do Paraná), campus Londrina, como intérprete de Libras nos cursos de engenharia. Caroline também já trabalhou em universidades particulares.
Sobre os prazeres da profissão, ressalta que sempre tentou fugir do estereótipo de "professora carrasca", aquele temido pelos estudantes. Ela se espelha em bons professores que teve, pois acredita que ninguém nasce sabendo ensinar. "Ser professora é conseguir transmitir com clareza o conhecimento e fazer com um dia esse aluno se lembre de você. Essa é a maior satisfação”.
A luta continua
No Brasil, mais de 2,5 milhões de profissionais passam seus conhecimentos para jovens e adultos em sala de aula. É um trabalho constante, por vezes cansativo e marginalizado. Para aqueles que seguem no ensino de Libras, as legislações que os amparam são mais recentes e ainda possuem lacunas a serem preenchidas.
A importância desta língua voltou a ser discutido atualmente com Priscilla Roberta Gaspar, a primeira surda a ocupar um cargo no segundo escalão do Governo Federal. Ela atua como Secretária Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência e foi uma das tradutoras de Libras na campanha presidencial de Jair Bolsonaro (PSL).
Helaine chama atenção para a necessidade do ensino bilíngue nas escolas regulares. Ela explica que é essencial que crianças surdas tenham contato com outros jovens com a mesma condição para o reconhecimento de sua própria identidade. "É necessário um currículo adaptado com ensino em Libras, e não uma explicação em língua portuguesa em que o surdo não compreende o conteúdo”, complementa, lembrando que a língua de sinais também é escrita.
A caminhada para a inclusão continua. O curso de letras Libras não é encontrado em muitas universidades, retardando o processo de formar mais profissionais da área. Mas ainda assim, existem aqueles, como Helaine e Caroline, que enfrentam essas condições e mostram para jovens, e até aos pais, que existe um futuro, que são capazes.
Entre idas e vindas, o amor por ensinar é o que fala mais alto no final.
(*Sob supervisão de editor on-line, Rafael Fantin)