Literatura

Criador do Homem-Aranha negro conta como reinventou os super-heróis da Marvel

04 jan 2021 às 16:03

O quadrinista Brian Michael Bendis é testemunha e protagonista da jornada da Marvel de editora quase falida no início dos anos 2000 para parte do grupo Disney, com mais de US$ 22 bilhões, ou cerca de R$ 114 bilhões, acumulados em vendas de ingressos dos filmes inspirados em seus super-heróis.


Ele era uma aposta quando foi contratado para assinar os roteiros da série "Ultimate Homem-Aranha", lançada em 2000 com a proposta de adaptar o Homem-Aranha para o século 21. Ao deixar a editora, em julho de 2018, rumo à rival DC Comics, para escrever a revista do Super-Homem, ele tinha no currículo os principais títulos da Marvel e a concepção de Miles Morales, o Homem-Aranha negro e latino.


O livro recém-lançado "Escrevendo para Quadrinhos - A Arte e o Mercado de Roteiros para HQs e Graphic Novels" revela as técnicas e reflexões que fizeram de Bendis o principal nome de uma geração de autores que foi responsável por revitalizar a Marvel e moldar as histórias de sua contraparte cinematográfica.


"As pessoas nem acreditam que a Marvel já esteve falida nessa vida", lembra Bendis, sobre a época de sua chegada à editora. "Quando ela me contratou, eu era basicamente um desconhecido com quem eles estavam jogando os dados. A DC me contratou muito ciente do que eu estava trazendo e do que eles queriam de mim."


As 224 páginas de "Escrevendo para Quadrinhos" sintetizam as crenças, ideias e práticas que fizeram de Bendis um dos nomes mais concorridos da indústria americana de HQs de super-heróis. Além de manual de escrita, é uma coletânea de relatos e bastidores, com a participação de nomes celebrados dos quadrinhos –entre eles o desenhista brasileiro Mike Deodato Jr., ex-parceiro de Bendis em "Guardiões da Galáxia".


Bendis conta que o livro é uma extensão de seus mais de dez anos como professor de roteiro para graphic novels na Portland State University, no estado americano de Oregon.


O sucesso de seus quadrinhos, somado à experiência como docente e às dicas constantes dadas por ele para aspirantes a escritores nas redes sociais, resultaram no convite do gigante editorial Random House para transformar suas aulas em livro.


Também cocriador da detetive Jessica Jones, interpretada pela atriz Krysten Ritter na série homônima da Netflix, Bendis distingue no livro as restrições impostas pelos dois gigantes editoriais das HQs americanas, com seus personagens-franquias, e a realidade das publicações autorais -da qual fazem parte os títulos de sua linha pessoal de revistas, a Jinxworld.


"Os quadrinhos mainstream, como qualquer coisa, não são para todas os tipos de pessoas criativas", diz o autor. "É uma área muito específica, como a comédia stand-up. Pode parecer fácil ou divertido, mas é difícil fazer com que pareça assim. Você tem que amar e querer muito. Para uma liberdade criativa total e pura, você não precisa de ninguém. Você pode simplesmente fazer. Eu faço isso o tempo todo com os livros do meu selo, um controle total do criador."


Ele conta em "Escrevendo para Quadrinhos" como se distanciou do roteiro "estilo Marvel", propagado por Stan Lee, no qual cerca de uma página descreve todo o conteúdo de uma edição, cabendo ao desenhista decupar a história nos quadros que irão compor as 20 e poucas páginas de cada revista.


Diálogos e balões são criados posteriormente às ilustrações. Bendis pratica o "roteiro completo", com todas as informações já decupadas e diálogos já apresentados para o ilustrador.


Mas ele afirma ver seus textos como uma orientação, deixando os desenhistas à vontade para conduzir a trama como acharem mais apropriado, também levando em conta as preferências de cada um.


Foi assim que ele e Mark Bagley chegaram às 110 edições de "Ultimate Homem-Aranha", batendo o recorde de Lee e Jack Kirby como dupla criativa mais longeva, em suas 102 edições do "Quarteto Fantástico". Também na parceria com Alex Maleev, num arco de histórias do Demolidor tão aclamado quanto a lendária fase de Frank Miller no herói. Ele diz ter feito o mesmo com os brasileiros Mike Deodato e Ivan Reis, seu parceiro em "Superman".


"Eles são dois dos meus colaboradores favoritos", diz o roteirista sobre os brasileiros. "Eles têm estilos muito fortes, então é muito fácil escrever para as vozes deles -o que eu sempre recomendo aos roteiristas. Você não quer expressar a sua voz, você quer escrever em função da voz de seu colaborador. Seu trabalho é os inspirar."


Mais do que um guia, "Escrevendo para Quadrinhos" é um grande registro dos trabalhos de Bendis e seus contemporâneos no período dele na Marvel. O livro ainda tem artigos assinados por colegas premiados, como o roteirista Matt Fraction, a editora Diana Schutz e a agente Alisa Bendis, empresária e mulher do autor. Todos tratando sobre vias de entrada e demandas da indústria dos quadrinhos.


Indústria, aliás, bastante distinta daquela na qual Bendis começou. Além de sua criação máxima, Miles Morales, protagonista de "Homem-Aranha no Aranhaverso", vencedor do Oscar de melhor animação de 2019, o quadrinista ficou marcado por seu empenho em prol de maior diversidade e representatividade nas publicações da Marvel.


"A diferença é astronômica. A conversa [sobre o tema da diversidade] está melhor, o produto está melhor, todos sabem que poderiam estar fazendo melhor e a maioria está realmente tentando", diz.

"Muitos mais estão cientes de que a porta de entrada dos quadrinhos está aberta e há algo para todos", afirma Bendis. "Nesses tempos, é bom escrever mundos onde as diferenças são celebradas e a diversidade é abraçada."


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