25 de julho é o dia do escritor. Para celebrar a data, o Bonde entrevistou um dos grandes nomes da literatura londrinense: Edra Moraes. A paranaense - natural de Londrina - tem uma carreira extensa nos livros e também no teatro, além de ser curadora de um dos principais eventos da cidade, o Festival Literário, o Londrix. O gosto de Edra pela escrita começou ainda na infância, quando recebeu as primeiras obras. "Quando você tem o prazer da leitura, é natural que você pense um dia que você também poderia ser um daqueles caras grandes que você lê e acha maravilhoso. E eu tenho muito orgulho disso, porque eu venho de uma família de classe média baixa. Minha mãe era analfabeta e meu pai também muito pouco escolarizado, mas eles tinham essa preocupação. E isso mudou a minha vida". diz.
Atualmente, a escritora mora em Curitiba, mas guarda boas lembranças do interior. "A minha relação com Londrina é a relação do porto seguro, de amor e ódio. De amor porque é lá que estão as memórias afetivas, as pessoas que eu aprendi a amar. Mas ao mesmo tempo de ódio, porque a gente vai vendo a nossa cidade destruída na sua essência, uma cidade que sempre foi de vanguarda, que eu tinha orgulho de falar. Uma cidade pujante, com cultura muito forte. É um cordão umbilical que eu cortei, mas que às vezes me puxa de maneira imaginária", afirma.
Edra acredita que Londrina seja um celeiro literário, sobretudo por ter revelado muitos autores de renome. "Eu poderia citar de cabeça pelo menos uns 10 escritores londrinenses que eu realmente leio, contemporâneos. Digo para você que eu achava chique estar num lugar onde estava Domingos Pellegrini. Foi esse espelho, desses escritores que talvez em nível nacional fossem anônimos, mas que para nós eram as estrelas da cidade. Eles caminhavam na nossa rua", diz. Ela cita alguns escritores que gosta de ler e que foram nascidos em Londrina, como Samantha Abreu, Rodrigo Garcia Lopez, José Maschio, Marcos Losnak, Fernando Gimenez e Célia Musilli, editora da Folha 2, da Folha de Londrina. "Leio eles sem o menor rótulo", diz.
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A autora se considera "autodidata" no universo das artes. "Eu me meto um pouquinho em tudo. Todas as artes me tocam de alguma forma e como eu tenho a escrita como a expressão que eu mais me identifico, as outras artes acabam se aproveitando disso". O último livro de poesias, "Para ler enquanto escolhe feijão, garantiu a ela uma Bolsa de Fomento à Literatura, concedida pelo MINC (Ministério da Cultura) em 2015. A disputa é nacional e visa, segundo os organizadores, apoiar projetos voltados para a criação, a produção, a difusão, a formação e a pesquisa literária. Três artistas locais foram contemplados na época: além de Edra, o escritor Marco Antonio Fabiani e a professora Christine Vianna. Ela lembra com bastante orgulho do reconhecimento obtido. "Eu consegui me deixar ser chamada de escritora a partir dele", diz.
Edra considera que a obra esteja dentro do que classifica como ‘literatura de autoria feminina’ e não apenas ‘literatura feminina’. "Eu não gosto de falar literatura feminina, porque existe gênero para isso. O que é literatura feminina? É um livro escrito por mulheres ou um livro escrito para mulheres? Quando eu tenho o feedback de um homem não é de que ele entendeu a mulher através do meu livro, mas de que aquela dor que como mulher eu senti, ele também sentiu, ou aquela alegria", afirma.
Ainda segundo Edra, o ‘Para ler enquanto escolher feijão’ traz boas lembranças da infância, com a mãe. "O próprio nome tem duas imagens, a primeira é a imagem da minha mãe, é um título que eu dei de presente à ela porque é a cena que eu tenho mais linda dela. Porque ela era uma cozinheira maravilhosa e ela tinha uma coisa: eu sou uma péssima cozinheira porque ela não odiava ensinar, e ela não deixava a gente ficar na cozinha com ela. Porque aquilo era um momento dela. Eu levei muito tempo para entender".
O título, segundo a autora, faz referência a figura feminina do filme ‘Eles não usam black Tie’, estrelado por Fernanda Montenegro. "No final, ela, que faz o papel de mãe, da mulher que vai ter que unir aquela família que tá se desintegrando, aparece escolhendo feijão. E aí algumas amigas falam, ‘ah, nossa, mas é um título tão antigo?’, e aí eu digo assim, ‘será que tão antigo quanto o nosso papel na sociedade?’ fica a pergunta", afirma.
Apesar do apreço pela área, Edra diz não ser uma teórica de literatura. "Eu tenho uma amiga teórica que disse que eu sou poeta confessional. Não sei se isso é bom ou ruim. Eu sei que eu só consigo falar do que eu vivi. Não há uma linha que eu escreva que eu não tenha vivido. Seja através da empatia, olhando a dor do outro, porque é uma forma de se viver, ou através dos meus próprios sentimentos", afirma.
Para a autora, a definição de poesia está nos momentos cotidianos da vida. "Para mim, poesia é um olhar. É o olhar que você dá para os momentos. Tudo é poesia. Há quem faça poesia de tragédias, das alegrias, e há quem faça poesias de tudo o que vê. Eu tenho poemas inspirados em quadros, em momentos. Ela pode estar no seu café da manhã, no seu jantar, almoço, e é preciso manter esse olhar. Tudo me inspira. A vida me inspira. Um quadro me inspira, uma poesia de uma outra pessoa me inspira, um livro. Outro dia eu li o romance de um amigo e me inspirou um poema".
Os amantes da boa literatura podem esperar trechos inéditos de Edra nos próximos meses. "Eu tenho um romance que eu vou finalizá-lo, além de uma série de poemas inéditos, que venho escrevendo Tenho publicado muito pouco, porque tanto editais quanto concursos exigem poemas inéditos". Edra escreveu um poema inédito para o Portal Bonde no dia do escritor.
Poema: Londrina
Londrina é terra vermelha
e como eu queria te dizer que é de paixão
mas não é
Londrina tem um pôr do sol que sangra
tingindo de vermelho o céu
Em Londrina se pisa sobre o solo vermelho
Se transpira sob o céu vermelho
Londrina tem uma bandeira vermelha
e como eu queria te dizer que é de paixão
mas não é
este vermelho é sangue, é vivo,
é rio que corre nas minhas veias
Caigangues, Botocudos, dos meninos Mbyá, Nhandéva e Kaiová que atravessaram o caminho
É sangue das meninas ainda sem menstruação
tiradas de suas famílias para servir aos burgueses
É sangue de operário que caiu do vigésimo andar
e da família que morreu sem assistência
Londrina é vermelha porque um rio de sangue de inocentes
não se represa com leis, IPTU alto, gabinetes, terno e gravata
Londrina é vermelha de tanto moca e sangue
das mãos que colhiam o fruto sem direito a seu liquido
Londrina é vermelha de sangue, das Estelas/Estrelas,
que ao subir deixaram aqui seu sangue e nunca foram vingadas
Londrina é vermelha, mas não é de paixão
Londrina não é território sem lei, é pior que isto
Londrina: a lei é de quem derrama o sangue
(Edra Moraes)
*Sob supervisão do editor on-line, Rafael Fantin