Há cinco anos sem interrupção, todo mês, um pequeno grupo de jornalistas se reúne em uma sala na Biblioteca Pública do Paraná, em Curitiba - sediada em um bonito prédio histórico tombado no centro da cidade, próximo à Boca Maldita. Nas reuniões, eles definem a pauta do Cândido, o jornal literário mensal mantido pela BPP desde agosto de 2011 e que agora chega à 61.ª edição, cujo destaque é um material especial sobre a literatura paranaense.
Quem viveu em Curitiba e nutre simpatia pelas letras gosta de imaginar a cidade como um local literário: grandes escritores como Dalton Trevisan e Cristovão Tezza vivem no mesmo bairro, Paulo Leminski virou best-seller, uma geração de escritores "marginais" dos anos 1980 e 1990 criou uma estética, embora bastante variada, familiar entre si (Jamil Snege, Manoel Carlos Karam, Valêncio Xavier e Wilson Bueno). Mais recentemente, os trabalhos do tradutor Caetano W. Galindo e do cronista Luis Henrique Pellanda alcançam grande repercussão nacional.
O Cândido se insere, então, numa tradição de veículos locais que fez esses e muitos outros nomes circularem.
"Como a cidade nunca conseguiu criar um mercado editorial próprio, com grandes editoras - apesar de algumas experiências interessantes no passado mais distante e no presente-, então os jornais e revistas se tornaram os meios ideais de se divulgar a produção local", explica o jornalista e um dos editores do Cândido, Luiz Rebinski. "E tem sido assim desde que o Paraná se emancipou politicamente, no século 19. Os simbolistas criaram várias revistas, Dalton Trevisan surgiu com a Joaquim, nos anos 1980 o Nicolau e outros periódicos apareceram. O Cândido é herdeiro dessa tradição e tenta, na medida do possível, resgatar essa história editorial da cidade e do Paraná, porque essa também é a história da nossa literatura."
Leia mais:
Brasil perdeu quase 7 milhões de leitores de livros em 5 anos, aponta pesquisa
Saiba mais sobre a nova edição da biografia de Chico Buarque oito ponto zero
Professoras da rede municipal de Londrina lançam livro sobre folclore japonês nesta sexta
Editora da Folha de Londrina lança livro sobre o cotidiano da cidade nesta sexta
Mas não para por aí - já passaram pelas páginas do Cândido, assinando textos, respondendo entrevistas ou sendo tema de ensaios e reportagens, os principais nomes das letras nacionais: Sérgio Sant’Anna, Elvira Vigna, Manoel de Barros, Luiz Vilela, João Gilberto Noll, Ferreira Gullar, Ignácio de Loyola Brandão. E muitos outros.
"Claro, existe vida inteligente para além de São José dos Pinhais", brinca Rebinski. "Em um mundo todo conectado, não é possível que o jornal se feche para autores e temas de fora. O Brasil nunca teve tanta gente escrevendo e publicando quanto hoje. Buscamos, de alguma forma, a cada edição, refletir essa variedade da literatura contemporânea, seja nos inéditos ou nas fontes das reportagens."
O Cândido tem uma tiragem de 10 mil exemplares, e é distribuído gratuitamente em todas as bibliotecas públicas e escolas de ensino médio do Paraná. A Biblioteca também envia o jornal para escritores, críticos, jornalistas e leitores de todo o Brasil, e todo o conteúdo está à disposição na web (candido.bpp.pr.gov.br).
Impresso num formato quadrado característico, ele guarda parentesco com outros veículos de literatura ligados a governos estaduais, como o Suplemento Pernambuco e o Suplemento Literário de Minas Gerais.
O selo Biblioteca Paraná vai lançar, ainda em agosto, um volume que reúne 30 ilustrações de escritores feitas por ilustradores brasileiros para a seção "Retrato de um Artista" do jornal.
O diretor da Biblioteca Pública do Paraná, Rogério Pereira, explica que o Cândido nasceu integrado a um projeto de revitalização da instituição que iniciou desde que ele assumiu o cargo, em 2011. "A ideia é fazer uma biblioteca moderna, que não seja só um lugar de estudo mas também de convivência e de eventos culturais, e o Cândido fortalece esse conceito", diz. Ele ressalta que a permanência do jornal, que sobreviveu às crises econômicas e políticas, e a uma mudança de secretário de Cultura no Paraná, também foi importante. "A imprensa tradicional teve que se adequar aos novos tempos e o espaço para discutir literatura acabou migrando para outras frentes."
Coordenador do Sistema Estadual de Bibliotecas Públicas do Paraná, ele se considera otimista em relações a políticas públicas de leitura no País. "Há muito espaço para frente e também para trás, e às vezes é um jogo de tabuleiro, vai e volta", compara. "Conseguimos desenvolver projetos. A biblioteca tem que ser importante para as pessoas, um espaço agradável. O Cândido ajuda a abrir uma porta para a Biblioteca." E conclui: "conseguir fazer um jornal com qualidade mostra para o governo e para nós mesmos que é possível desenvolver projetos de longo prazo, fazer coisas legais".
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.