Pesquisar

Canais

Serviços

Publicidade
Leia trechos

Livro traz recorte da ditadura por quem não percebia momento político do Brasil

Luís Fernando Wiltemburg - Redação Bonde
22 ago 2017 às 12:51
- Divulgação/Renata Cabrera
siga o Bonde no Google News!
Publicidade
Publicidade

Da observação do mundo ao redor e pela vida dedicada ao jornalismo e à militância de esquerda, o jornalista José Maschio, o Ganchão, lança nesta terça-feira (22), o livro "Tempos de Cigarro sem Filtro". A trama traz a observação da época da ditadura militar pelos olhos de pessoas humildes, que não tinham consciência do turbulento momento político e social pelo qual passava o Brasil nos anos 1970.

"Tempos de Cigarro sem Filtro" corre nos anos de chumbo da ditadura militar, principalmente no governo de Garrastazu Médici. Acompanha a vida de adolescentes, dos 13 aos 18 anos, em locais não especificados – a trama começa em um bairro de uma cidade do Noroeste do Paraná, segue para o Rio Grande do Sul e termina em São Paulo.

Cadastre-se em nossa newsletter

Publicidade
Publicidade


Na descrição de Ganchão, os protagonistas são "quatro ferrados por todo o processo, que vivem a adolescência bruta" e já trabalhavam na lavoura com a família aos 13 anos. "O livro fala sobre o que resultou das pessoas que não participaram daquele momento, nem no golpe, nem na resistência, mas que foram envolvidas pela situação", explica o autor.

Leia mais:

Imagem de destaque
Enfezado Nunca Mais

Caravana do cocô vai levar história de estados brasileiros por meio da saúde intestinal

Imagem de destaque
Falência múltipla dos órgãos

Morre Ziraldo, criador do 'Menino Maluquinho' e mestre da literatura infantil, aos 91

Imagem de destaque
Autora renomada

Catadora de papel e escritora, Carolina de Jesus faria 110 anos

Imagem de destaque
Pesquisa feita por 23 instituições

Combate à fome no Brasil precisa de apoio urgente da ciência, alerta ABC


As personagens têm inspirações em casos reais. Um dos protagonistas, por exemplo, acaba vítima do esquadrão da morte da Polícia Civil da época, o que é, afirma Ganchão, uma consequência da ação militar no golpe de 1964. Outro acaba ingressando na luta de resistência depois que o pai morre, vítima do regime. "Nada supera a realidade. O que eu fiz foi alinhavar nas personagens histórias reais do Brasil que eu presenciei ou ouvi falar, como militante de esquerda ou como jornalista, ao longo do tempo", explica.

Publicidade


Outras personagens também são inspiradas em pessoas reais, como o policial corrupto do livro que bebe da história de um jogador que virou sequestrador de militantes contrários ao regime. Outro caso é o do delegado torturador eleito deputado. "Quem tem boa memória vai se recordar de um delegado torturador do Paraná que foi candidato a deputado e até a prefeito", conta.


José "Ganchão" Maschio trabalhou como boia-fria, bancário e jornalista. "Mas acho que sempre fui repórter, porque gostava de observar as coisas", afirma. Em Londrina, atuou na Tribuna da Cidade e Paraná Norte, além de assessoria sindical, professor universitário e 25 anos como repórter especial na "Folha de São Paulo".

Publicidade


Editado pela Editora Kan, o lançamento será às 19h30, no Sesc Cadeião.


Leia trechos do livro

Publicidade


"No eito, sol pleno escaldante, Ruço sonha com um, apenas um Continental sem filtro para aplacar o calor. Lozinho prefere Mistura Fina. Não sabem a razão das preferências. Ruço pensa, mas não diz que prefere Continental pela imagem do globo terrestre. Tanta terra pensa, tantos lugares para ir. E, quando fuma, pensa nas viagens que faria se tivesse cafufa, dindin, totó, dinheiro suficiente. Ia sumir pelo mundo. Mas, na pindura, no eito, sem fumo, sonha só um Continental sem filtro."


***

Publicidade


"Jaso ri desse meu medo. Acha maneirismo. Sei lá o que é isso, mas ele fala, boca cheia, maneirismo. Isso de eu não gostar deste molambo. Outro dia, disse, entre risos, que era preconceito invertido. Não entendi essa de preconceito invertido. Sei que preconceito é coisa de branco. De rico, que não gosta do escurinho da gente. Sou preta. E daí? Porque pobre é tudo igual, branco, amarelo, preto ou escurinho."


***

Publicidade


"E a água chegou. Sim, água encanada. Uma maravilha a jorrar, abundante, da torneira. E o líquido causava admiração nos vizinhos. Não na casa em que viviam Ruço e Lozinho, lá com a mãe de Lozinho. Lá não, só água de poço, sarrilhar quase dez metros de profundidade. Água salobra, ruim
para beber. Coisa de pobre."


***

Publicidade


"Como, repete, disse o delegado, a piscar para o agente. Jaso repetiu. Falei que o general Carrascoazul levou progresso para a Boca. O agente, barrigudo, suado, deu um passo à frente. Jaso percebeu a reação do negro e ficou de prontidão. O negro, riso relaxado. Doutor, esse merda precisa de um corretivo. Jaso virou, lépido, tufão. Bater primeiro sempre, se lembrou das brigas com o pai. Manotou o negro. Porrada certeira. O agente vacilou, não caiu porque se escorou na porta da sala, mão na boca, um dente de ouro na mão. Filho da puta. E avivaram detetives, agentes, investigadores. Todos sobre Jaso. Um massacre. Ele reagia por instinto."


***


"Os jornais noticiaram. Corpo encontrado no rio Paranapanema. Um não. Vários. E a notícia, extraordinária, virou ordinária. Corriqueira até. Até que sumiram. Do noticiário. Censura afiada, cortou publicação de notícia que contrariava a ordem e o progresso. Brasil do Ame-o ou Deixe-o. Mas os corpos continuavam a boiar no Panema."


***


"Desde menina fui assim. Abusada. Vivo minha vida. Os outros que vivam as suas. Viver é simples, cada um que escolha como. Eu vivo sexo. E ganho por isso. Prostituta? Puta, não. Dona da minha vida e das minhas vontades de mulher. Ganho para fazer o que gosto. Problema e solução meus."


***


"Foi o velho comunista que, cinco meses depois, avisou Ruço. Teu pai caiu. Ruço não entendeu. Teu pai foi preso, filho. Acho melhor arrumarmos um lugar diferente para você ficar. Sabe, sou visado. Logo poderão vir me buscar. Ruço não se preocupou. Já estava enturmado com Lozinho. E trabalhava com ele para Jaso Louco. Vou morar com Lozinho. Ele está sempre a convidar. Isso. Concordou o velho, aliviado."


***


"Um belo dia os dois irmãos acabaram juntos na estância. Eu lá. De tocaia. Mas foi tudo de frente, que de tocaia seria covardia. E não sou. Fui a entrar e chamar ó de casa. Apareceram, como sempre, os lacaios dos empregados. Disse que queria falar com os filhos da puta. Aí apareceu o pai deles, senhor de Congresso e Assembleia. Veio a falar grosso. A ditar ordens. E mais, a ameaçar. E ameaçou me prender. A chamar cana contra quem incomodasse. Não me incomodei. Atirei. Na testa que era para não estragar o couro.


***

"Mais difícil tinha sido localizar o sítio de Fleury. Foi como montar uma quebra-cabeça. As informações se cruzavam, juntavam, divergiam. Desencontradas e incertas. Uma certeza: era no litoral norte. Bertioga, São Sebastião? O sítio era de lazer. Lazer de torturador. Era lá que Fleury se divertia com torturas em folgas do trabalho diário de tortura no Dops. O jeito era ir à luta. Ou melhor, investigar."


Publicidade

Últimas notícias

Publicidade