O improvável se materializou. A surpresa nesse início de temporada atende pelo nome de ‘Dwitza’, novo álbum do cantor e compositor carioca Ed Motta. O disco é predominantemente instrumental, com exceção de duas faixas com letras.
Por se tratar de um projeto inserido numa grande gravadora, a proeza do material não tem equivalentes no atual mercado fonográfico verde-amarelo. É o trabalho mais ambicioso do artista, que exigiu sua gravação ao renovar contrato com a Universal.
‘Dwitza’ está chegando às lojas esta semana em CD com uma tiragem limitada de 5 mil cópias embaladas em capas do tamanho de elepês. Na Inglaterra, será lançado nos dois formatos pelo selo Whatmusic. O repertório tem inspiração retrô, calcando-se em harmonias elaboradas e citações sofisticadas.
Abrange um vasto espectro de referências nobres incluindo soul-jazz, trilhas sonoras dos anos 50 e 60 e música orquestral brasileira. O projeto mostra Ed Motta à vontade com seus vocalises, explorando um vocabulário particular e fictício de ‘palavras’ apenas para saborear suas sonoridades. O próprio título do disco é uma brincadeira. ‘Dwitza’ não consta em nenhum dicionário.
As invenções lúdicas espalham-se também pelos nomes das faixas – ‘Amalgasantos’, ‘Lindúria’, ‘Instrumetida’ etc. No encarte, Ed Motta explica que o processo de produção do disco respeitou a sonoridade natural dos instrumentos e vozes deixando de utilizar os habituais sistemas de reverberação, equalização e compressão digitais. Recomenda, inclusive, que se aumente o volume do aparelho de som para melhor apreciar o trabalho.
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O sobrinho de Tim Maia assina todas as 14 faixas, duas delas em parceria – ‘Doce Ilusão’, com Nelson Motta, e ‘Coisas Naturais’, com Ronaldo Bastos. Além de usar a voz como instrumento, ele ainda toca guitarra semi-acústica e pianos Rhodes e Wurlitzer em quase todos os temas. A seção instrumental do disco, aliás, deverá arrancar exclamações de seus colegas de geração.
A pesquisa de timbres não poupou recursos. Em ‘Madame Pela Umburgo (No Seu Teatro dos Olhos)’, ele sugere trilha sonora de filme europeu combinando cravo (executado por Marcelo Fagerland), violão de doze cordas (Jaime Alem) e violoncelo (Jaques Morelembaum). Mas mais do que as cordas, Ed Motta deu primazia aos metais ao longo do álbum.
Em ‘Balada do Mar Salgado’, de matriz jazzística, ele faz um dueto com a cantora Leila Maria encorpando o arranjo com trombone, sax-tenor, melofone, trumpete, flugelhorn e bombardino. Para ‘Instrumetida’, convocou uma orquestra de 18 músicos reunindo uma tuba, duas trompas, quatro trombones, cinco saxofones, um clarone, um oboé e quatro trompetes.
O disco foi confessadamente inspirado nas pinceladas afro-eruditas do maestro Moacir Santos, embora incursione por variadas referências, das trilhas sonoras de Ennio Morricone, Michel Legrand e Francis Lai ao soul-jazz de Norman Connors. Apesar da aparente diversidade, o material mantém uma unidade espantosa. Talvez estejamos diante, já, do melhor álbum de música brasileira de 2002.
Como surgiu a idéia de gravar um disco predominantemente instrumental?
É uma idéia antiga. Convivo com esse tipo de música no meu dia-a-dia, na condição de ouvinte. É uma novidade para as pessoas, mas não pra mim. Eu só coloquei para fora agora o que sempre quis fazer.
‘Dwitza’ é um disco radicalmente anti-comercial pelos padrões do mercado. Como a gravadora reagiu à sua proposta?
Esse disco estava previsto no contrato com a Universal. O contrato era para a gravação de quatro discos, sendo um deles com essas características. Na renovação, as pessoas costumam pedir apartamentos, carro importados, viagens para Bali ou iates. Eu pedi um disco instrumental que tivesse a estrutura de um disco pop, com todo o conforto e as exigências de estúdio.
O título do CD, assim como os títulos da maioria das faixas (‘Lindúria’, ‘Instrumetida’, ‘No Carão Eu me Perdizes na Consolação’ etc) chamam a atenção pelos trocadilhos, neologismos e ausência de significados...
Os títulos têm a ver comigo, porque sou brincalhão e irônico no modo de ver o mundo. Estou sempre sacaneando alguma coisa. Esse talvez seja o disco em que mais soltei esse meu lado de humor.
Por que você rejeitou os recursos modernos disponíveis no estúdio durante o processo de produção do disco?
Eu não utilizei os sistemas de reverberação, equalização e compressão digitais. Eu queria manter a sonoridade natural e a dinâmica dos instrumentos e vozes tanto no processo de gravação, como na mixagem e masterização. Queria usar o sistema de reverberação natural da sala, que é o tratamento de estúdio de música clássica. Os músicos entram ali com o microfone, o gravador e só. É tudo som natural.
No disco você retoma a tradição dos ‘scat-vocals’, explorando a voz como instrumento. Quem foram seus inspiradores?
No Brasil, minha principal referência é o Marku Ribas com o ‘zamba-bem’ (imita os vocalises). Antes teve o Sérgio Mendes e o Oscar Castro Neves.
Você parece distanciar-se cada vez mais do universo pop preferindo dialogar com as tradições do jazz, da música clássica, da música instrumental brasileira e com compositores antigos de trilhas sonoras. As suas referências e influências não são as mesmas da maioria dos artistas de sua geração. Você se sente solitário?
Tenho um convívio bom com o pessoal antigo que me interessa, tenho trânsito entre essa geração mais velha. Mas vejo também muita garotada se interessando por esse tipo de som.
No disco, muitos temas são executados por formações orquestrais. Como você pretende levar esse conceito para o palco?
As composições terão que ser rearranjadas, talvez para a formação de quarteto. A turnê começa em março no Brasil e em junho segue para a Europa.