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Indetectável = Intransmissível

Pesquisas monitoraram dezenas de milhares de atos sexuais desprotegidos

Isabela Fleischmann e Thiago Ramari/Redação Bonde
29 nov 2017 às 19:32
- Taidson Morais
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Desde janeiro de 2008, quando a Declaração Suiça foi publicada, a ciência sabe que soropositivos com carga viral indetectável não transmitem o HIV através do sexo. O estudo, assinado pela Comissão Federal Suíça para HIV/Aids, concluiu que uma pessoa que vive com HIV, está com carga viral reduzida há pelo menos seis meses e não tem qualquer infecção sexualmente transmissível (IST) é incapaz de passar o vírus aos parceiros sexuais. A publicação era dedicada aos médicos do país, mas acabou se espalhando e gerando uma discussão mundial. A conclusão foi considerada revolucionária.

O estudo, porém, não era amplo o bastante para ser definitivo. Uma de suas limitações, por exemplo, estava no fato de só ter monitorado alguns casais heterossexuais sorodiferentes. Mesmo assim, a pesquisa serviu de pontapé para que outras fossem iniciadas e respondessem às várias perguntas levantadas pela comunidade médica. De lá para cá, a HPTN 052, a Partner e a Opposite Attract apresentaram seus resultados definitivos. Em todas elas, chegou-se à mesma conclusão da Declaração Suíça: soropositivos com carga viral indetectável não transmitem o HIV aos parceiros sexuais.

Para compreender a força dessas pesquisas, é necessário observar seus números. A HPTN 052 começou em 2011 e acompanhou 1.763 casais sorodiferentes, 97% deles heterossexuais, de nove países: África do Sul, Botsuana, Brasil, Estados Unidos, Índia, Malaui, Quênia, Tailândia e Zimbábue. Os casais foram divididos em dois grupos: no primeiro, eles passaram a ser monitorados no momento em que os soropositivos iniciaram o tratamento com antirretrovirais; no segundo, o trabalho começou antes do início do tratamento. Nos relatos, casais admitiram sexo sem preservativo.

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O objetivo era comprovar a efetividade do tratamento. Conforme apresentação na conferência da Sociedade Internacional de Aids (IAS, em inglês) de 2015, os pesquisadores descobriram que, no grupo que passou a administrar o remédio no início do monitoramento, o risco geral de transmissão foi 93% menor. O dado que mais chamou a atenção, porém, foi o de que, nos oito casos de infecção registrados entre casais em tratamento, o parceiro soropositivo estava com carga viral detectável - porque começara a tomar o medicamento pouco tempo antes e a carga viral ainda não havia sido totalmente reduzida ou porque o tratamento não funcionara conforme previsto, na chamada falha terapêutica. Dito de outra forma, não houve nenhum caso de transmissão quando o paciente já estava com carga viral indetectável.

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Depois da HPTN 052, veio a Partner, que trouxe respostas ainda mais contundentes. De 2014 até 2017, o estudo acompanhou 1.166 casais sorodiferentes, heterossexuais e homossexuais, espalhados por 14 países europeus. A diferença aqui é que os parceiros soropositivos já estavam em tratamento e com carga viral indetectável. Neste ano, quando os resultados finais foram publicados, os pesquisadores afirmaram que, dentre 58 mil relações sexuais sem preservativos, não registraram nenhum caso de transmissão sequer. Os parceiros soronegativos também não usaram outros métodos preventivos, como as profilaxias pré e pós-exposição.

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Se ainda havia algum receio sobre a possibilidade de transmissão entre casais homossexuais masculinos, já que a prática desprotegida do sexo anal é considerada a mais arriscada de todas, o estudo Opposite Attract endossou o resultado das pesquisas anteriores. No total, 358 casais gays sorodiferentes foram recrutados na Austrália, no Brasil e na Tailândia. Eles praticaram quase 17 mil atos de sexo anal sem preservativo e, mais uma vez, nenhuma transmissão foi registrada. Em todos esses casos, o parceiro soropositivo estava com carga viral indetectável, o que levou o estudo a concluir, conforme documento divulgado na conferência do IAS deste ano, de que "os resultados oferecem um forte apoio à hipótese de que a carga viral indetectável previne a transmissão do HIV entre homens homossexuais".


Todos esses resultados são reconhecidos, de modo geral, pela comunidade médica mundial. A revista científica britânica The Lancet, por exemplo, afirmou, em editorial publicado no mês passado, que o fato de soropositivos com carga viral indetectável não transmitirem o vírus por via sexual é "aceito pela comunidade HIV/Aids como o resultado de evidências acumuladas desde o início dos anos 2000". Outra prova disso é a de que, em setembro, os Centros para Prevenção e Controle de Doenças (CDC, em inglês), dos Estados Unidos, reconheceram que "pessoas que tomam antirretrovirais diariamente conforme prescrição e alcançam e mantêm uma carga viral indetectável efetivamente não oferecem risco de transmissão sexual do HIV a um parceiro soronegativo". Os CDC são tidos como um órgão bastante conservador.

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O Portal Bonde conversou por e-mail com o investigador-chefe da Divisão de Doenças Infectocontagiosas da Escola de Medicina da Carolina do Norte (EUA) e um dos principais pesquisadores da HPTN 052, Myron Cohen. "Muitos estudos sobre casais heterossexuais e homossexuais apoiam esta ideia: quando a replicação do HIV é alcançada [ou seja, quando o tratamento interrompe a multiplicação do vírus], o risco de transmissão torna-se insignificante", atestou ele, que endossa a campanha Indetectável = Intransmissível (I = I).


Ativistas
Com essas pesquisas, ativistas em todo o mundo também passaram a divulgar a informação de que soropositivos com carga viral indetectável não transmitem o vírus HIV por meio de atos sexuais. A campanha Undetectable = Untransmittable, versão original do I = I, foi lançada pela Prevent Access em 2016 e já é apoiada por mais 500 comunidades parceiras em todo o mundo. Um dos seus fundadores é o ativista norte-americano Bruce Richman, que concedeu entrevista por e-mail ao Portal Bonde. "Eu me uni a outros ativistas e pesquisadores dos principais estudos dos Estados Unidos, Austrália, Suíça e Dinamarca para criar uma declaração de consenso que confirmasse o I = I como verdadeiro. Nós usamos essa declaração para convencer pesquisadores influentes e agentes da saúde pública a encampar a mensagem. [Com isso] mais e mais pessoas assinaram [a declaração] para confirmá-la como verdadeira", relatou.


No Brasil, ativistas falam sobre o assunto em entrevistas, palestras e vídeos na internet. Gabriel Estrela, que está à frente do Projeto Boa Sorte no YouTube, disse, também por e-mail, que é necessário deixar de lado o terrorismo contra o HIV, que faz com que pessoas soropositivas sejam vistas como "vilãs" e "armas biológicas", e "promover processos de educação em saúde sexual que levem em consideração todas as evidências e tecnologias novas no campo da sexualidade e da prevenção para que cada um faça suas escolhas com plena consciência dos riscos e benefícios de suas decisões".

Da mesma forma, João Geraldo Netto, do canal Super Indetectável, defendeu que, hoje, o HIV não é mais um problema clínico, mas um problema de preconceito na sociedade. "É incrível o impacto dessas pesquisas. [Com elas] você consegue realmente ver que, por incrível que pareça, é mais seguro transar com uma pessoa que está em tratamento contra o HIV [e que está com a carga viral indetectável] do que com uma pessoa que não tem HIV teoricamente [uma pessoa que apenas acha que é soronegativa, pois não fez o teste para ter certeza]."


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