Segundo as denúncias, tais procedimentos seriam realizados por médicos inescrupulosos interessados apenas em lucrar com eles.
Uma dessas mulheres seria Sunita, jovem de cerca de 25 anos que vive em uma aldeia no Rajastão, no noroeste da Índia.
Ela conta que foi para uma clínica médica privada porque estava tendo muito sangramento durante seu período menstrual.
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"Fui internada no mesmo dia e a operação foi realizada no final da tarde", disse.
"O médico fez uma ultrassonografia e disse que eu poderia desenvolver câncer. Ele me pressionou para que fizesse a histerectomia (operação de retirada do útero) no mesmo dia."
Sunita diz que estava relutante em ser submetida ao procedimento cirúrgico e queria discutir o assunto com seu marido.
Argumentando que a operação seria urgente, porém, o médico a enviou para a mesa de cirurgia em questão de horas.
O incidente ocorreu há dois anos, mas desde esse dia Sunita diz que se sente fraca demais para trabalhar ou cuidar dos filhos.
Consequências
Mais da metade das mulheres questionadas pela reportagem da BBC na vizinhança da casa de Sunita disseram ter se submetido a uma histerectomia.
Segundo autoridades locais, 90% das mulheres da aldeia teriam sido submetidas a operação - muitas na casa dos 20 a 30 anos.
Elas teriam sido aconselhadas a passar pelo procedimento ao reportar desde anormalidades em seu período menstrual até dores nas costas e sintomas associados a infecções urinárias.
Os médicos da região costumam cobrar em torno de US$ 200 (R$ 397) pela cirurgia de retirada de útero.
Muitas vezes, para pagar pelo procedimento, as famílias têm de vender seus animais ou outros ativos.
O proprietário e principal médico da clínica em que Sunita e outras mulheres da aldeia fizeram histerectomias nega qualquer irregularidade e diz que, ao contrário de outras clínicas da região, a sua seria "ética".
Mas questionado sobre como poderia ter diagnosticado a presença de células pré-cancerosas em uma ultrassonografia, o médico admitiu que às vezes não faz biópsias antes de remover o útero de algumas pacientes.
Outros Estados
Relatos de muitas localidades do Rajastão e de outros Estados indianos, como Bihar, Chhattisgarh e Andhra Pradesh, sugerem que um número grande de mulheres está tendo seus úteros removidos - muitas antes dos 40 anos.
Em geral as mulheres dizem que se submetem à cirurgia ao serem alertadas pelos médicos de que, caso contrário, poderiam desenvolver câncer.
Em muitos casos, porém, o diagnóstico é feito com base em uma única ultrassonografia - exame que, segundo médicos independentes, não pode justificar a decisão de se levar adiante uma operação desse tipo.
O ativista Narendra Gupta, da organização Prayas (parceira local da conhecida ONG Oxfam), está convencido de que alguns médicos particulares estão cometendo abusos ao realizar tais histerectomias.
"As pessoas dizem que em alguns lugares há distritos inteiros sem útero", Gupta diz.
"Parece que os médicos particulares veem isso (a operação) como uma oportunidade para fazer dinheiro rápido com doenças que poderiam ser tratadas de forma mais simples e menos invasiva."
Segunda opinião
Em Jaipur, capital do Rajastão, a ginecologista Vineeta Gupta, diz receber em seu consultório sete ou oito mulheres de aldeias da região que procuram uma segunda opinião após receberem indicação para uma histerectomia.
"Nas áreas rurais, os médicos dão um diagnóstico de câncer muito facilmente", ela diz.
"Isso é errado. Quando as pacientes chegam em meu consultório, tenho de explicar que uma infecção não causa câncer. Eu digo: vamos curar essa infecção e você vai ficar bem. Algumas se convencem, mas outras não porque alguém lhes disse que se não tiverem o útero removido, elas vão ter câncer e morrer. "
Até recentemente, não havia dados sobre o número de histerectomias realizadas na Índia, mas os relatos de médicos e pacientes indicam que as operações são mais comuns.
O aumento é impulsionado em parte por uma rápida expansão das clínicas e hospitais privados, especialmente nas áreas rurais, que não são bem atendidas pelo sistema de saúde do governo.
Os ativistas admitem que essas clínicas privadas são necessárias tendo em vista as deficiências do sistema de saúde público indiano.
Mas eles ressaltam que o trabalho dos médicos particulares deveria ser melhor regulado e monitorados para evitar abusos.