Parece estranho falar de doenças infantis nos dias atuais. Mudamos nosso enfoque porque as doenças mudaram. Evolução dos tempos modernos e doenças modernas. As doenças infecciosas e parasitárias puderam ser prevenidas e tratadas e as mães que fazem o dever de casa, levando seus filhos às campanhas de vacinação, desconhecem problemas como sarampo, catapora, rubéola e coqueluche. Agora os pais precisam aprender outros deveres de casa. O que comprar nos supermercados. Levar ou não as crianças às lanchonetes de fast food. O que levar na lancheira e o que permitir comprar nas cantinas escolares.
Obesidade
Segundo o IBGE em sua última Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF 2008-2009) divulgada recentemente, cerca de 33% das crianças brasileiras estão acima do peso. Isso faria um sucesso enorme há alguns anos atrás, quando travávamos a luta contra a desnutrição infantil e quando criança gordinha era considerada criança saudável. Hoje a luta é diametralmente oposta, pois sabemos que não há nada de saudável em estar acima do peso.
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Sabemos por exemplo, que crianças obesas terão uma expectativa de vida menor do que aquelas de peso normal, pois estarão precocemente expostas aos riscos das complicações da obesidade, como as doenças cardiovasculares e o diabetes.
Como se não bastasse a maior vulnerabilidade física, as crianças obesas são comprovadamente mais vulneráveis do ponto de vista psicossocial. São várias as descrições de bullying sofridos por elas, além de isolamento social, depressão e comportamentos de risco como o abuso de sustâncias.
Diante do enorme problema da obesidade infantil, os pais são chamados a uma nova campanha. Essa campanha chama atenção para a forma com que as crianças estão sendo alimentadas. Esperamos que eles tenham adesão como aprenderam a fazer com as doenças infecciosas.
Diabetes tipo 2
Diabetes tipo 2 sempre foi doença de adulto. E adulto após os 40 anos. Daí nossa estranheza ao depararmos com ela nos pequenos pacientes trazidos por seus pais também inconformados com o diagnóstico. Como pode ser isso? Muitos são filhos de pais até então livres da doença. Quando muito há um avô diabético na família.
A explicação é simples. Os pais podem até ter herdado o gene do diabetes do avô doente, mas eles tiveram uma infância e adolescência que os protegeram, já que foram mais ativos e tiveram menos acesso aos alimentos industrializados. Provavelmente até terão a manifestação do diabetes mais tarde, na idade habitual. Mas seus filhos não contaram com essa proteção.
Essa geração é marcada pelo sedentarismo e pelo excesso de alimentos industrializados. Ricos em gordura, sal e carboidratos. E o que é pior, muito mais saborosos que os alimentos naturais como frutas, verduras e legumes. Para essa geração, esses alimentos parecem muito sem sabor e sem graça. Não estabeleceram um vínculo com eles após o desmame.
Crianças com diabetes do adulto muitas vezes foram expostas na vida intrauterina aos excessos alimentares de suas mães. Os estudos revelam que nessa fase tão precoce da vida, essas crianças passam a produzir grandes quantidades de insulina para se adaptarem ao volume de carboidratos trazidos até elas pelo sangue materno. Crescem mais antes de nascer e muitas vezes já nascem grandes. Com maior quantidade de gordura corporal. Daí por diante e após o nascimento, o ambiente familiar continua levando essas crianças ao diabetes.
Hipertensão arterial
Quem poderia imaginar que ao invés de levar seu filho ao pediatra teria que levá-lo ao cardiologista? Isso mesmo, muitas crianças estão desenvolvendo hipertensão arterial e sendo expostas precocemente aos riscos das doenças cardiovasculares. Aos 30 anos de idade, essas crianças terão corações com cerca de 20 anos de hipertensão arterial. Isso equivale a um coração de idoso em um corpo jovem.
As estatísticas brasileiras não são abrangentes. O que temos no Brasil são estudos em amostras isoladas, que dão margem a questionamentos sobre a possibilidade de projeções em âmbito nacional. Mesmo assim, o que descrevem tais estudos é que a hipertensão arterial pode atingir de 1 a 3% de nossas crianças.
Quando um dos pais é hipertenso, as chances do filho também ser é de 25%. Quando ambos os pais são hipertensos, as chances do filho sofrer a doença sobe para 60%. Assim, o cuidado com a ingestão de sal da criança deve começar na papinha e deve se estender às escolhas dos alimentos nos supermercados e na elaboração das lancheiras escolares.
O sódio é talvez o maior vilão da pressão arterial. Infelizmente ele está em praticamente todos os alimentos industrializados. Doces ou salgados. Isso inclui sucos e refrigerantes e até nos produtos lights e diets. Cabe primordialmente aos pais a responsabilidade pelas escolhas alimentares da família. São eles que compram todos os alimentos que seus filhos consomem. Saudáveis ou não. Logo, não se pode transferir a culpa para os pequenos ou alegar uma fatalidade. Essa doença pode sim ser evitada através de hábitos saudáveis que inclui atividade física e boa alimentação. Mas essas práticas devem fazer parte da vida de toda a família. Não só dos pequenos.
Doenças do fígado
Já é difícil para nós acreditarmos que um adulto possa sofrer uma doença do fígado causada pela má alimentação. Mais difícil ainda é explicar o grande número de crianças e adolescentes com o chamado fígado gorduroso ou esteatose hepática.
Que mal poderia haver nos depósitos de gordura no fígado? O mais provável seria que eles fossem uma simples conseqüência do sobrepeso e obesidade da nova geração. Algo inerte e sem conseqüências para a saúde dessas crianças. Infelizmente a realidade não é essa e o que sabemos é assustador. Esse acúmulo de gordura já atende pelo maior contingente de pessoas com cirrose hepática no mundo. Não é mais o álcool, mas a comida, desbalanceada e excessiva, a maior causa de lesões graves do fígado em todo o mundo.
Por incrível que isso possa parecer, não é a gordura a grande vilã do fígado de nossas crianças. Já se sabe que nesses casos os carboidratos, principalmente o açúcar, são os principais responsáveis pelos depósitos de gordura no fígado. A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda que o açúcar de adição não ultrapasse 10% das calorias de uma refeição. Apesar disso, nos Estados Unidos, as crianças consomem o dobro dessas recomendações. Os refrigerantes são os maiores contribuintes individuais dessa ingestão.
O açúcar, incorporado na maioria dos alimentos industrializados, leva a um consumo expressivamente alto desse ingrediente, causando um aumento das calorias das dietas, com um poder de saciedade muito pequeno. O resultado dessa equação é sempre muito amargo e um dos responsáveis pela epidemia de obesidade e diabetes em todo o mundo. O fígado gorduroso parece ser o mais novo componente da epidemia, principalmente entre crianças e adolescentes.
*Por Ellen Simone de Paiva, diretora do Citen - Centro Integrado de Terapia Nutricional (www.citen.com.br)