Não dá para minimizar o perigo do diabetes. O nome "pré-diabetes" deixa claro do que se trata: uma condição em que a pessoa está caminhando para se tornar diabético. A alteração mais comum nessas pessoas é o aumento do peso corporal ou uma gordura estranhamente localizada na cintura, associada, muitas vezes, a braços e pernas normais ou até desproporcionalmente magros.
Além disso, chama a atenção para o risco da doença a presença de antecedentes familiares como diabetes, hipertensão arterial e algumas alterações nos exames laboratoriais: elevação da glicemia, dos triglicérides, do ácido úrico e da insulina e a tão característica redução do colesterol bom (HDL colesterol). A tendência progressiva de elevação da glicose no sangue desencadeia uma reação no pâncreas da pessoa com pré-diabetes, que passa a produzir níveis progressivamente maiores de insulina. Isso garante níveis de glicose normais e impede que o diagnóstico de diabetes seja feito durante muito tempo.
Enfim, os pré-diabéticos são pessoas com todas as características do diabetes, mas com valores limítrofes de glicose no sangue. Neles, a glicemia está acima do normal, mas ainda abaixo dos valores estipulados para os diabéticos.
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À beira do diabetes: um perfil de risco
ELE tem 30 anos. Ganhou peso na infância. Era um garoto gordinho. Hoje é obeso, uma obesidade com maior concentração de gorduras no abdome. Mas é alto, tem boa aparência, cara de gente saudável. Seu pai faleceu de derrame cerebral e sua mãe fez cirurgia de "ponte safena". Ambos apresentavam pressão arterial alta e eram obesos. Recentemente, ele procurou um médico para fazer exames de rotina e, mesmo sem nenhum sintoma aparente, surpreendeu-se ao saber que sua pressão arterial estava muito alta. Então, fez exames de sangue e a única alteração foi um "colesterol bom" muito baixo. Seu açúcar no sangue estava no limite do normal.
ELA tem 16 anos. Ganhou peso na puberdade. Não chega a ser obesa, já que seu único problema estético é não ter a cinturinha normal das adolescentes. Tem muita barriga e braços e pernas relativamente magros. Tem sobrepeso e uma circunferência abdominal bem acima dos valores normais. Em sua família, mãe, avô e tio maternos são diabéticos. Mas ela é apenas uma adolescente fora dos padrões estéticos tão rigorosos atuais... Também fez exames de sangue recentemente a apenas seu triglicérides estava um pouquinho elevado. Seu açúcar no sangue também está no limite do normal.
ELE tem 11 anos. Nasceu com baixo peso, mas engordou muito rapidamente após os 5 anos de idade. Hoje é obeso. Sua pressão arterial está acima dos padrões normais para a idade. Ele fez exames de sangue no mês passado que revelaram colesterol elevado e açúcar um pouco acima dos valores normais para a pouca idade. Sua mãe é magra, assim como sua irmã, já seu pai é hipertenso e diabético.
Esses três perfis de pacientes ilustram perfeitamente o que vem acontecendo no mundo moderno: uma epidemia de obesidade e o aparecimento do diabetes chamado tipo II ou não dependente de insulina, em idades cada vez mais precoces.
O diabetes tipo II é assim: insidioso, camuflado, sorrateiro, mas pode ser prevenido. O que há em comum entre os três casos descritos acima? Todas estas pessoas têm grandes chances de se tornarem diabéticos. Todos já apresentam níveis de insulina elevados no sangue, denunciando o grande esforço do organismo para manter o açúcar em níveis normais.
O que significa glicemia limítrofe?
Os valores de glicose no sangue considerados normais são de 70 - 99mg/dL. Essa faixa de normalidade se baseia em pesquisas populacionais de pessoas normais. Não é fácil definir os limites de normalidade e as condições que podem influenciar as oscilações desses valores, sem que isso signifique doença. Esses valores também se baseiam em limites, a partir dos quais começam a aparecer as complicações relacionadas ao diabetes. Assim é que consideramos a ocorrência do diabetes diante dos seguintes valores: glicemia de jejum (12h) iguais ou acima de 126mg/dL. Nessa faixa intermediária, entre 100 e 126mg/dL, estão as pessoas com risco de diabetes, os pré-diabéticos.
Alguns pacientes de risco nem têm glicemia elevada e isso é ainda mais preocupante, pois podem passar muitos anos sem diagnóstico e evoluírem para o diabetes, sem nos dar chances para deter o processo. Nesses casos, o paciente com o perfil de risco deve ser investigado, mesmo tendo glicemia normal ou abaixo de 99mg/dL. É o caso dos pacientes com antecedentes de diabetes em parentes próximos, obesidade, hipertensão arterial, triglicérides elevados e HDL baixo.
A investigação se resume na dosagem de glicemia sob estímulo. É o teste de tolerância à glicose ou curva glicêmica, onde o paciente, após um jejum de 12 horas, toma um suco bem doce com uma quantidade padronizada de glicose e é submetido à dosagens de glicose no sangue a cada 30 minutos. Através desse teste podemos avaliar se o paciente consegue metabolizar a glicose que ele ingeriu. Muitas vezes, mesmo com valores normais em jejum, o paciente passa a apresentar elevações exageradas de glicose nas medições do teste, o que revela que ele é pré-diabético ou até já é diabético.
Como lidar com o problema?
Durante a reunião mundial da Associação Americana de Diabetes, em junho de 2007, em Chicago, EUA, um simpósio de duas horas de duração foi integralmente dedicado à prevenção do diabetes nos indivíduos susceptíveis. Isso se deve aos altos custos da doença em todo o mundo, não só econômicos, mas também sociais. Em 2007, o diabetes causou cerca de 6% da mortalidade em todo o mundo, a mesma percentagem que a AIDS e a malária juntas.
A Organização Mundial de Saúde - OMS - estima que entre 2005 e 2014, o diabetes e suas complicações cardiovasculares irão custar ao Brasil cerca de 49,2 bilhões de dólares. Durante este simpósio foram apresentados os resultados da pesquisa Finish Diabetes Prevention Study, que revelaram que as intervenções no estilo de vida podem produzir bons resultados e, a longo prazo, podem prevenir o diabetes em pessoas susceptíveis. Nos três anos e meio de acompanhamento dos pacientes de risco, houve uma redução de 58% na incidência de diabetes nos pacientes que aderiram a um programa de dieta individualizado e passaram a praticar atividades físicas regularmente. Os maiores beneficiados foram os pacientes na faixa etária de 65 anos.
Além das mudanças no estilo de vida, o simpósio destacou o nome de duas drogas que podem ser empregadas na prevenção do diabetes e que podem auxiliar no tratamento dos pacientes susceptíveis. Tratam-se do cloridrato de metformina e da acarbose, já usadas no mundo inteiro, inclusive no Brasil, no tratamento da doença, e que passaram a ser utilizadas em sua prevenção.
Hoje, podemos comemorar uma era muito promissora na prevenção e no tratamento do diabetes. A dieta do diabético passou a ser menos restritiva e mais opções de alimentos saudáveis e saborosos passaram a compor a mesa destes pacientes. Não há, entretanto, como ser flexível com a obesidade. Contra ela, todo empenho, todo envolvimento e esforço, pois sabemos que ela é a grande vilã no desencadeamento da doença nas pessoas susceptíveis.
Sua participação
E você? O que pensa sobre os perigos que a obesidade acarreta à saúde, como a possibilidade de desenvolvimento do diabetes, por exemplo? Há quanto tempo você não checa os seus níveis de glicose e sua pressão arterial? Pois saiba que se você estiver no grupo de risco para o diabetes, a sua possibilidade de reverter este quadro, por meio da prevenção é grande, desde que você se informe sobre o problema e consiga mudar seus hábitos. Isso poder ser feito! O diagnóstico do pré-diabetes pode ser uma chance de se evitar a doença, é muito importante que você não acredite "no destino selado de ser diabético um dia".
* Por Ellen Simone Paiva, endocrinologista, nutróloga e diretora clínica do CITEN - Centro Integrado de Terapia Nutricional (www.citen.com.br).