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A confissão do corrupto (para ser lida em cadeia nacional)

25 fev 2016 às 08:59

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O filósofo Olavo de Carvalho, autor da melhor prosa em língua portuguesa entre os nossos contemporâneos, costuma dizer que sem a base cultural e literária não pode ocorrer nenhum tipo de mudança política substantiva. Em favor de sua tese, Olavo cita a famosa frase do poeta e dramaturgo austríaco Hugo von Hofmannsthal: "Nada está na realidade política de um país se não estiver primeiro na sua literatura".

Um leitor do blog Bonde Briguet e da coluna Avenida Paraná lembra uma recente declaração de um dos promotores da Operação Lava Jato, Deltan Dallagnol, sobre a natureza hedionda dos crimes de corrupção. Segundo Dallagnol, os corruptos têm nas mãos o sangue das pessoas que morreram por falta de investimento nas áreas de saúde, saneamento, segurança e prevenção de acidentes.

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Como a literatura brasileira dos últimos tempos tem sido escassa em bons modelos, talvez seja uma boa idéia recorrer aos clássicos universais. A propósito dos recentes acontecimentos da política nacional, o meu oitavo leitor cita o monólogo de "Hamlet", a grande tragédia shakespeariana, como um retrato de nosso tempo.

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Ainda segundo o meu amigo leitor, se ao grande chefe da Organização Criminosa fosse possível ter crises de consciência e fazer uso da inteligência para expressar sentimentos verdadeiros, poderia protagonizar um cena de "Hamlet". Trata-se do monólogo do Rei Claudius, depois de abandonar o recinto onde se apresentava a peça "A Ratoeira", no teatro do Palácio de Elsinore.
O enredo baseava-se na conspiração de um personagem para usurpar o trono da Dinamarca com o assassinato de seu próprio irmão, rei Hamlet – que foi envenenado, e de se casar com a rainha Gertrudes, sua cunhada. A trama havia sido escrita pelo Príncipe Hamlet que, através da peça, mostrava-se ciente do regicídio. Eis a fala de Claudius, que deveria ser lida em cadeia nacional:


(o reino) está podre, o meu crime é infame; o céu já o sente.
A maldição primeira pôs-lhe o estigma: fratricida.
Rezar não me é possível,
muito embora se me incline a vontade:
a culpa imensa vence o belo intento.
Meu crime já passou; mas, que modelo
de oração servirá para o meu caso?
"Perdoai-me o crime monstruoso e horrendo?"
Não pode ser, que me acho, ainda, de posse
de tudo que me levou a praticá-lo: o trono, meus anelos e a rainha.
Perdão alcança quem retém o furto?
Nos processos corruptos deste mundo
pode a justiça ser desviada pela
mão dourada do crime, e muitas vezes
o prêmio compra a lei; mas não lá em cima,
onde não valem manhas; o processo
não padece artifícios, e até mesmo
nos dentes e na fronte do delito
teremos de depor. Que ainda me resta?
Tentar o que o arrependimento pode.
Oh! Como é poderoso! Mas que
fazer com quem não sabe arrepender-se?
Oh, terrível situação! Ó peito mais escuro do que a morte!
Ó alma viscosa, quanto mais te esforças,
mais te sentes embaraçada! Anjos, socorro!
Dobra-te, joelho altivo! Coração
de aço, fica mais brando quanto os músculos
de um recém nascido. Tudo talvez volte
a ser como era.

(SHAKESPEARE, William. "Hamlet, Príncipe da Dinamarca", ato III, cena III – Obras completas de Shakespeare, vol. XIII. Tradução de Carlos Alberto Nunes. São Paulo: Editora Melhoramentos, p. 98, 99 e 100).


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