Mestre Délio Cesar,
Antes de começar a escrever, eu me lembrei de um livro de Julio Cortázar chamado "Todos os fogos o fogo". Parece que Cortázar sofria de uma doença estranha e raríssima que fazia o seu corpo nunca parar de crescer. Com você acontece algo semelhante, Délio: você só cresce, mas não em corpo: em espírito e em exemplo.
Você foi o meu maior professor de jornalismo. Lendo seus artigos, especialmente aqueles que você escreveu entre 1998 e 2001, aprendi muito mais do que nos quatro anos de faculdade. Eram tempos difíceis, Délio. Tempos em que você fora demitido do jornal que havia fundado e demitido por ordem nós sabemos de quem , mas não perdera o entusiasmo um só minuto. Muito pelo contrário: por meio de sua coluna na internet (até nisso você foi pioneiro), tornou-se a principal referência da luta de nossa cidade contra a corrupção.
Quero dizer que você faz muita falta, meu amigo. Por incrível que pareça, o esquema de corrupção que nós tanto combatemos e por fim vencemos em nossa cidade se reproduziu em escala nacional, conduzindo à destruição do País. Os bandidos tomaram o poder e acabaram com tudo, Délio: todo o sonho e toda a democracia pela qual você tanto lutou. E o pior é que agora não temos um Délio Cesar para nos apontar caminhos.
Você fazia aniversário no dia 8 de abril. Hoje estaria completando 77 anos. Como sabemos, 7 de abril é o Dia do Jornalista. O fato de você ter nascido um dia depois tem um simbolismo perfeito: você foi o nosso melhor profissional de imprensa, mas estava um passo adiante do jornalismo. Como a Dra. Édina, de quem nos despedimos há alguns dias, você jamais se escondeu sob as desculpas da neutralidade e da imparcialidade. Jamais seria chamado de "isentão", se a palavra existisse no seu tempo. Tanto é que o seu talento como homem de imprensa veio acompanhado de outros dons: havia o Délio político, o Délio advogado, o Délio produtor cultural, o Délio pai, o Délio marido, o Délio amigo. Todos os Délios o Délio.
Hoje à noite o seu irmão Lélio Cesar vai lançar o livro "Cidadão Délio Semeador". Estarei lá para dar um abraço no querido "Padre", amigo de infância que eu conheci na maturidade. Já li alguns capítulos do livro e sei que está ótimo. Com essa vida tão rica, o biógrafo-irmão teve material farto.
Quando você nasceu, a parteira disse: "Vamos cuidar da mãe, que esse menino já virou anjinho". Embrulharam você, roxo e imóvel, em trapos e jornais velhos, sem esperança. De repente, ouviu-se um choro forte: era Délio Cesar informando ao mundo que Dona Nenê, a parteira, havia cometido uma "barriga" daquelas.
Quando estava na UTI da Santa Casa, em 2014, fez à dona Avani um pedido inesquecível: "Me dá uma máquina de escrever!" Seu instinto era o de registrar também aqueles últimos momentos.
Agora, nossa tarefa é unir essas duas pontas da vida, aprender com seu exemplo e dizer: Ave Délio Cesar, os que vão lutar o saúdam!