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Carta para o Dia das Mães

07 mai 2016 às 10:42
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Acho que você gostaria de saber que seu neto está aprendendo a fazer rimas. Há dias em que ele acorda e fica inventando canções malucas com versos terminados em sol, anzol, futebol e atol. Outro dia ele rimou "gol" e "sou", uma rima rica. Também encontrou rimas para vovó: dó, pó, só, nó, ló, trenó, oh.

Um dia o Pedro vai descobrir que não são apenas as palavras que rimam: os corações também emitem notas parecidas, que continuam soando muito tempo depois de parar de bater. E, quando um desses sons está ausente, a nossa vida fica parecendo um verso incompleto, como um daqueles fragmentos de manuscritos dos poetas e pensadores da Grécia antiga. A Grécia que você tanto amava, mas não teve tempo para visitar.

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Não sei qual é o fragmento que restará de mim — do que sou e do que escrevo —, mas sei que ele rimará com você. Porque, para onde quer que se dirijam os meus olhos cansados, para onde quer que se voltem os meus ouvidos moucos, para onde quer se movam minhas mãos vacilantes, onde quer que despertem meu faro e meu paladar pouco evoluídos — é você que eles encontram. Meus sentidos a esperam, a adivinham, a prenunciam. E nas minhas horas de sono, você está viva, está ao meu lado; posso sentir o calor de suas mãos e o hálito que continua sendo o meu sopro de vida.

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Tão pouco se valoriza a virtude da pureza nos dias de hoje! Em você, porém, eu a encontro. Quando alguém arrasta um móvel de madeira no chão, ou alguém fecha uma janela na vizinhança, ou a água escorre de alguma jarra em algum lugar do mundo, ou entre as notas de um concerto de Schumann um lá sustenido se eleva, eu me lembro de sua voz de soprano quando eu era criança no pequeno apartamento da Alameda Barão de Limeira. Tão pequeno que o chamávamos de "apertamento".

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A cada dia que passa, eu a percebo como uma forma ainda mais delicada e definitiva do que no dia anterior. Sua pureza lhe torna integrante da essência das coisas, moldando todos os aspectos da presença pessoal que nós chamamos de realidade. É uma presença tão forte que às vezes acho que o telefone vai tocar e será você do outro lado da linha; ou viro a página do livro que estou lendo e penso que você surgirá como personagem no parágrafo seguinte; ou abro a porta da sala e imagino que vou encontrar você bordando uma blusa que a minha amiga lhe encomendou há cinco anos, antes de você dar entrada no Hospital do Câncer.


Hoje você está na forma dos meus minutos e das minhas frases; no que ainda resta de pureza no meu coração. Há um reflexo chamado Aracy — nome que significa "Flor dos Dias" — na menina dos meus olhos, e a própria menina é você. Você que acordava tão cedo para dar aulas de história na periferia de São Paulo, e agora inspira a história de seus dois filhos, Paulo e Fernanda, como se ambos fossem um só livro.

Mas o livro que podemos escrever é feito de prosa e versos brancos, e isso por um motivo muito simples: em todo o oceano na língua portuguesa, não existe uma palavra que rime com Mãe.


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